
4. A Soberania de Deus
Lembrai-vos disto e tende ânimo; tomai-o a sério, ó prevaricadores. Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade; que chamo a ave de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o homem do meu conselho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei. (Is 46.8-11)
Uma das ênfases teológicas mais fundamentais de todos esses trinta
anos é a inestimável verdade da soberania de Deus. Vamos direto ao nosso
texto para que, desde o início, não façamos referência a algo que não
provenha da Palavra de Deus. Esse assunto é tão sério e repercute em
tantas realidades dolorosas que não ousamos confiar em nós mesmos para
chegarmos à verdade sem que o próprio Deus nos fale.
Em Isaías 46.9, Deus diz: “Eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e
não há outro semelhante a mim”. Portanto, a questão nesse texto é a
singularidade de Deus entre todos os seres do universo. Ele está sozinho
em uma categoria. Ninguém é como ele. A questão é o que significa ser
Deus. Quando algo está acontecendo, ou algo está sendo dito ou pensado, e
Deus responde: “Eu sou Deus!” (o que ele faz no versículo 9), o ponto
é: você está agindo como se não soubesse o que significa para mim ser
Deus.
4.1 O que significa ser Deus
Deus nos diz o que significa ser o único Deus. Ele nos diz o que está
no coração de sua divindade. Versículo 10: O que significa para mim ser
Deus é que “desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a
antiguidade, as coisas que ainda não sucederam”.
Duas declarações: Uma, eu declaro como as coisas terminam muito antes de acontecerem. Segunda, eu declaro não apenas eventos naturais, mas eventos humanos
— obras, coisas que ainda não foram feitas. Versículo 10: “desde o
princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas
que ainda não sucederam”. Eu sei o que estas ações serão muito antes de serem feitas.
Agora, neste ponto, você pode dizer: “O que temos aqui é a doutrina
da presciência de Deus, não a doutrina da sua soberania”. E está certo,
até esse ponto. Mas na próxima metade do versículo, Deus nos diz como ele conhece de antemão o fim e como ele
conhece de antemão as coisas que ainda não foram feitas. Versículo 10:
“que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a
antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade”; Quando Deus “anuncia”
antecipadamente o que ocorrerá, aqui está como ele o “anuncia” ou “diz”:
“que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha
vontade”.
Em outras palavras, o modo como Deus anuncia a sua presciência é
anunciando o seu conselho e propósito prévios. Quando Deus anuncia o fim
muito antes de acontecer, o que ele diz é: “meu conselho permanecerá de
pé”. E quando Deus anuncia as coisas que ainda não foram feitas muito
antes de ocorrerem, o que ele diz é: “Eu cumprirei todo o meu
propósito”.
O que significa que a razão pela qual Deus conhece o futuro é porque
ele planeja o futuro e o realiza. O futuro é o conselho de Deus sendo
estabelecido. O futuro é o propósito de Deus sendo realizado por Deus.
Então, o versículo seguinte, versículo 11, dá uma clara confirmação de
que é isso que ele quer dizer: “Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei”. Em outras palavras, a razão pela qual minhas previsões se realizam é porque elas são os meus propósitos e porque eu mesmo as cumpro.
4.2 Deus tem um propósito em todas as coisas
Deus não é um vidente, ou um adivinho, ou um mero prognosticador. Ele
não tem uma bola de cristal. Ele sabe o que está por vir porque planeja
o que ocorrerá e executa o que ele planeja. Versículo 10b: “O meu
conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade”. Ele não tem
vontade e se pergunta se alguém assumirá a responsabilidade de
cumpri-la. “Farei toda a minha vontade”.
Assim, com base nesse texto, eis o que quero dizer com a soberania de
Deus: Deus tem a autoridade, a liberdade, a sabedoria e o poder
legítimos para cumprir tudo o que ele pretende que aconteça. E,
portanto, tudo o que ele pretende que aconteça, acontece. O que
significa: Deus planeja e governa todas as coisas.
Quando Deus diz: “Eu cumprirei todo o meu propósito”, ele quer dizer:
“Nada acontece, exceto aquilo que é o meu propósito”. Se algo
acontecesse sem que Deus o pretendesse, ele diria: “Não era o meu
propósito que isso ocorresse”. E nós perguntamos: “O que tu pretendias
que acontecesse?”.
E ele diria: “Eu tinha como propósito essa outra coisa, a qual não aconteceu”.
Ao que todos nós diríamos, então: “Mas tu disseste em Isaías 46.10: ‘Eu cumprirei todo o meu propósito’”.
E ele diria: “Isso está correto”.
Portanto, o que Deus quer dizer em Isaías 46.10 é que nada jamais
aconteceu, ou nunca acontecerá sem que Deus tenha o propósito de
acontecer. Ou, para expressá-lo de forma positiva: Tudo o que já
aconteceu ou acontecerá é proposto por Deus que aconteça. Agora, se isso
parece um pouco complicado, vamos falar de modo mais simples. Vamos
confirmar essa perspectiva sobre a soberania de Deus, observando algumas
passagens da Escritura.
4.3 Uma Declaração Simples sobre Soberania
Antes de olharmos mais de perto algumas passagens importantes das
Escrituras, gostaria de me referir à Declaração de Fé dos Presbíteros da
Igreja Batista Bethlehem. Minha exposição desta doutrina não é uma
expressão de uma opinião particular. Estou simplesmente expressando e
apoiando uma doutrina a qual todos os presbíteros dessa igreja expressam
sua sincera afirmação.
3.1 Nós cremos que Deus, desde toda a eternidade, a fim de
mostrar toda a extensão de sua glória para o eterno e crescente deleite
de todos os que o amam, pelo mui sábio e santo conselho de sua vontade,
livre e imutavelmente, ordena e conhece de antemão tudo o que venha a
acontecer.
3.2 Nós cremos que Deus sustenta e governa todas as coisas —
desde galáxias a partículas subatômicas, desde as forças da natureza até
os movimentos das nações, e desde os planos públicos dos políticos até
os secretos de pessoas solitárias — tudo de acordo com os seus
propósitos eternos e sábios para glorificar a si mesmo, porém de tal
maneira que ele nunca peca, nem jamais condena uma pessoa de modo
injusto; ainda assim ordenar e governar todas as coisas é compatível com
a responsabilidade moral de todas as pessoas criadas à sua imagem.
3.3 Nós cremos que a eleição de Deus é um ato incondicional de
livre graça que foi dada por meio de seu Filho Jesus Cristo antes da
fundação do mundo. Por esse ato, Deus escolheu, antes da fundação do
mundo, aqueles que seriam libertados da escravidão do pecado e levados
ao arrependimento e fé salvífica em seu Filho Jesus Cristo.
Portanto, esta é a maneira pela qual a soberania de Deus é expressa
em nossa Declaração de Fé dos Presbíteros. Agora, considere comigo a
extensão do fundamento para isso na Bíblia, e depois algumas implicações
finais, e por que isso é tão precioso para nós.
4.4 A escolha que todos nós enfrentamos
A extensão da soberania de Deus pode ser esmagadora para você. É para
mim. E quando somos confrontados com essa verdade, todos nós
enfrentamos uma escolha: vamos nos afastar de nossas objeções e louvar o
poder e graça de Deus, e nos curvaremos com submissão alegre à sua
soberania absoluta? Ou vamos endurecer nossa cerviz e resistir a ele?
Veremos na soberania de Deus a nossa única esperança de vida em nossa
morte, nossa única esperança de respostas às nossas orações, nossa
única esperança de sucesso em nosso evangelismo, nossa única esperança
de sentido em nosso sofrimento? Ou insistiremos que há uma esperança
melhor ou nenhuma esperança? Essa é a questão com a qual precisamos
lidar.
Que seja dito em alto e bom som que nada do que você está prestes a
ler abaixo, por mais paradoxal que pareça às nossas mentes finitas,
contradiz a verdadeira responsabilidade moral que seres humanos, anjos e
demônios precisam fazer o que Deus ordena. Deus nos deu uma vontade.
Como faremos uso disto faz diferença eterna.
Vamos dividir a soberania de Deus em seu governo dos eventos naturais
por um lado, e dos eventos humanos, por outro. No primeiro caso, Deus
governa processos físicos. E no segundo caso, Deus governa as escolhas
humanas.
4.5 Soberania de Deus no mundo ao nosso redor
Deus é soberano sobre o que aparentam ser os atos mais aleatórios do
mundo. Provérbios 16.33: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor
procede toda a determinação”. Em linguagem moderna, diríamos: “Os dados
são lançados sobre a mesa e todo o jogo é decidido por Deus”. Não há
eventos pequenos demais que Deus não governe para os seus propósitos.
“Não se vendem dois passarinhos por um ceitil?”, disse Jesus, “e nenhum
deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos
da vossa cabeça estão todos contados” (Mt 10.29-30). Cada dado em Las
Vegas, cada pequena ave que cai morta em mil florestas — tudo isso é
algo que Deus já ordenou.
Desde os vermes no chão até as estrelas nas galáxias, Deus governa o
mundo natural. No livro de Jonas Deus manda um peixe para engoli-lo
(1.17), Deus manda que uma planta cresça (4.6) e ordena a um verme
matá-la (4.7). E muito acima da vida dos vermes, as estrelas se
posicionam e se mantém em seu lugar sob o comando de Deus, Isaías 40.26:
“Levantai ao alto os vossos olhos, e vede quem criou estas coisas; foi
aquele que faz sair o exército delas segundo o seu número; ele as chama a
todas pelos seus nomes; por causa da grandeza das suas forças, e
porquanto é forte em poder, nenhuma delas faltará”. Quanto mais, então,
os eventos naturais deste mundo — desde o clima até os desastres,
passando por doenças e deficiências até à morte.
Salmo 147.15-18: “O que envia o seu mandamento à terra; a sua palavra
corre velozmente. O que dá a neve como lã; esparge a geada como cinza; o
que lança o seu gelo em pedaços; quem pode resistir ao seu frio? Manda a
sua palavra, e os faz derreter; faz soprar o vento, e correm as águas”.
Jó 37.11-13: “Também de umidade carrega as grossas nuvens, e esparge as
nuvens com a sua luz. Então elas, segundo o seu prudente conselho, se
espalham em redor, para que façam tudo quanto lhes ordena sobre a
superfície do mundo na terra. Seja que por vara, ou para a sua terra, ou
por misericórdia as faz vir”.
4.6 A soberania de Deus nos detalhes
Neve, chuva, frio, calor e vento, todos estes são obra de Deus.
Então, quando Jesus se encontra no meio de uma tempestade furiosa, ele
simplesmente fala: “Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve
grande bonança” (Mc 4.39). Não há vento, nem tempestade, nem furacão,
nem ciclone, nem tufão, nem monção, nem tornado sobre o qual Jesus não
possa dizer: “Aquieta-te”, e tal fenômeno não obedeça. O que significa
que, se tais eventos ocorrem, é a vontade de Deus que ocorram. “Sucederá
algum mal na cidade, sem que o Senhor o tenha feito?” (Am 3.6). Tudo o
que Jesus poderia ter feito em relação ao furacão Sandy seria dizer:
“Aquieta-te”, e não haveria nenhum dano, nem morte.
E quanto aos outros sofrimentos desta vida? “E disse-lhe o Senhor:
Quem fez a boca do homem? ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê,
ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” (Ex 4.11). E Pedro disse aos santos
sofredores na Ásia Menor: “Que aqueles que sofrem segundo a vontade de
Deus confiem suas almas a um Criador fiel enquanto fazem o bem” (1Pe
4.19). “É melhor sofrer por fazer o bem, se é que isso deve ser a
vontade de Deus, do que por fazer o mal” (1Pe 3.17).
Quer soframos por uma deficiência ou pela maldade de outros, Deus é
quem finalmente decide se viveremos ou se morreremos. Deuteronômio
32.39: “Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum deus há além de mim;
eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da
minha mão”. Ou Tiago 4.13-15: “Eia agora vós, que dizeis: Hoje, ou
amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e
ganharemos; digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que
é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se
desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se
vivermos, faremos isto ou aquilo”. Ou, como Jó diz: “Nu saí do ventre de
minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou:
bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).
A rolagem dos dados, a queda de um pássaro, o rastejar de um verme, o
movimento das estrelas, a queda da neve, o sopro do vento, a perda da
visão, o sofrimento dos santos e a morte de todos estão incluídos na
palavra de Deus: “Cumprirei todo o meu propósito” — desde o menor até o
maior.
4.7 A soberania de Deus nas ações humanas
Quando nos voltamos do mundo natural para considerar o mundo das
ações humanas e da escolha humana, a soberania de Deus ainda é
incrivelmente extensiva. Você deve votar nas eleições políticas — nos
candidatos e nas emendas. Porém não há ilusões que exaltem o homem como
se meros seres humanos fossem a causa decisiva em qualquer vitória ou
perda. Somente Deus terá esse papel supremo. “É ele quem muda o tempo e
as estações, remove reis e estabelece reis… o Altíssimo tem domínio
sobre o reino dos homens” (Dn 2.21, 4.17).
E não importa quem seja o próximo presidente, ele não será soberano.
Ele será governado. E devemos orar por ele para que saiba disso: “Como
ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este,
segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1). E quando ele se envolver em
assuntos estrangeiros, ele não será decisivo. Deus o será. “O SENHOR
frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos. O
conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu coração, por
todas as gerações” (Sl 33.10-11).
Quando as nações fizeram o seu pior absoluto, a saber, o assassinato
do Filho de Deus, Jesus Cristo, elas não escaparam do controle de Deus,
mas estavam cumprindo a mais doce oferta dele no seu pior momento:
“Realmente nesta cidade havia reunidos contra o teu santo servo Jesus, a
quem ungiste, tanto Herodes como Pôncio Pilatos, juntamente com os
gentios e os povos de Israel, para fazerem o que quer que a tua mão e o teu plano tivessem predestinado a acontecer” (At 4.27-28). O pior pecado que já aconteceu fazia parte do plano de Deus, e por esse pecado, o pecado morreu.
4.8 A soberania de Deus em sua própria vida
Nossa salvação foi garantida no Calvário sob a soberana mão de Deus.
E, se você é um crente em Jesus, se você o ama, você é um milagre
ambulante. Deus concedeu-lhe arrependimento (2Tm 2.24). Deus chamou você
para ir a Cristo (Jo 6.44). Deus revelou o Filho de Deus a você (Mt
11.27). Deus lhe deu o dom da fé. “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para
que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9). A soberania de Deus em nossa salvação
exclui a vanglória.
Uma centena de coisas horríveis podem ter acontecido em sua vida.
Mas, se hoje, você é levado a estimar a Cristo como seu Senhor e
Salvador, você pode escrever sobre cada um desses horrores as palavras
de Gênesis 50.20: Satanás, “na verdade, intentastes o mal contra mim;
porém Deus o tornou em bem”.
Concluo, portanto, com as palavras de Paulo em Efésios 1.11: “[Deus]
faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Todas as coisas
— desde dados sendo lançados, até a posição das estrelas, à eleição dos
presidentes, à morte de Jesus, ao dom do arrependimento e da fé.
4.9 Sete exortações para como nós vivemos porque Deus é soberano
O que a soberania de Deus implica para as nossas vidas? Por que essa
doutrina é preciosa para nós? Eu declararei estas razões em forma de
exortações. Porque Deus é soberano…
- Admiremos a autoridade, liberdade, sabedoria e poder soberanos de Deus.
- E nunca lidemos com a vida como se fosse um assunto superficial ou leve.
- Maravilhemo-nos com a nossa própria salvação — que Deus a comprou e operou com poder soberano, e que não pertencemos a nós mesmos.
- Lamentemos a mentalidade antropocêntrica e que desvaloriza Deus de nossa cultura e de grande parte da igreja.
- Sejamos ousados diante do trono da graça, sabendo que as nossas orações pelas coisas mais difíceis podem ser respondidas. Nada é difícil para Deus.
- Alegremo-nos que nosso evangelismo não será em vão porque não há pecador tão endurecido que a soberana graça de Deus não possa alcançar.
- Fiquemos alegres e calmos nesses dias de grande agitação, porque a vitória pertence a Deus, e nenhum propósito que ele queira realizar pode ser frustrado.
John Piper é doutor em Teologia pela Universidade de Munique e
fundador do desiringGod.org e chanceler no Bethlehem College &
Seminary. Ele serviu por 33 anos como pastor principal da Bethlehem
Baptist Church em Minneapolis, Minnesota. Piper é autor de diversos
livros, incluindo Uma Glória Peculiar (Fiel) e Em busca de Deus (Shedd).
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