Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)
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23 de outubro de 2019

III - Quem escolhe Apóstolos Hoje? - Apóstolos do Século XXI






É o Cabeça da Igreja que levanta apóstolos para Seu Corpo. Porém, muitos dos milhares de apóstolos não foi Deus quem chamou, mas eles chamaram a si próprios.


Não quero entrar na questão de dizer quem é um apóstolo chamado por Cristo e quem é um chamado por si próprio/pelos outros.


Há verdadeiros apóstolos e falsos apóstolos. Eu acredito que entre os milhares de apóstolos que existe por aí existem muitos apóstolos de verdade. Mas muitos não são. Muitos detêm apenas um título, não um chamado.


III - Quem escolhe Apóstolos hoje?
 
O que é um apóstolo? De acordo com a Coalizão Internacional de Líderes Apostólicos, um apóstolo é um dotado líder cristão, ensinado, comissionado, e enviado por Deus com autoridade para estabelecer o governo fundacional da Igreja dentro de uma designada esfera do ministério ao ouvir o que o Espírito está dizendo às igrejas e pondo as coisas em ordem, de acordo com a extensão do Reino de Deus.

Como mencionamos no artigo anterior, Jesus é quem chama apóstolos. Se alguém se diz um apóstolo, e não foi chamado por Jesus, está em erro. Ele pode ser um pastor, um mestre ou um profeta, mas se não foi chamado para ser apóstolo, está enganando a si mesmo e a Igreja. Não cumprirá o que Deus lhe chamou a fazer.

Jogando por baixo, devem existir uns seis mil apóstolos no Brasil. Muitos ministros tem se sentido inferiores diante da enxurrada de apóstolos pelo Brasil e o mundo. E por isso, muitos tem se tornado apóstolos também, pois ser apenas “pastor” pode ser uma “vergonha” diante de amigos com títulos poderosos.

Porém, se alguém se torna apóstolo sem o ser, está cometendo um pecado. Tanto ele quanto quem o ungiu.

== O recado de Paulo ==

Muitas pessoas se esquecem do que o apóstolo Paulo disse a Timóteo em 1 Tm 5.22. O conselho apostólico livraria Timóteo de entrar em impureza. Muitas pessoas só usam esse versículo para dizer que não se pode impor as mãos em uma pessoa, orando por cura por exemplo, sem ter certeza absoluta de que é isso que Deus quer, para não receber ou transferir pecados. Porém, o real sentido da advertência paulina é negligenciado.

Se tivesse sido entendido pelos líderes evangélicos, duas atitudes seriam tomadas: não ungir ninguém a um ministério que não tenha sido chamado e confirmado por Deus (seja apostólico, profético, pastoral ou diaconal) e não ungir ninguém antes do tempo determinado por Deus.
 
Timóteo não deveria nem pensar em ungir alguém a um ministério se essa pessoa, por melhor crente que fosse, não tivesse sido chamado ao ministério. Hoje vemos líderes de mercado sendo ungidos pastores apenas para participarem de convenções e votarem em certos candidatos. É errado ungir um empresário como apóstolo? Não se ele foi chamado assim por Deus. Muitos setores da Nova Reforma Apostólica acreditam em apóstolos de mercado. E outra... Há quantas centenas de anos vemos pessoas serem ungidos pastores sem o serem? Só ter Teologia não garante um chamado. Quantos deveriam ser diáconos e não pastores? Quantos deveriam ser evangelistas e não pastores de igrejas? Quantos acharam que não podiam servir a Deus como líderes de mercado e por isso deixaram suas carreiras, em que seriam bem sucedidos e agradariam a Deus, para serem pastores sem sucesso? Quantos deveriam ser pastores e não apóstolos? Quantos deveriam ser apóstolos e não pastores?
Se Deus me escolheu como um mestre, não devo querer/buscar ser reconhecido como pastor ou profeta. Se Deus me chamou apenas como mestre, e não como apóstolo-mestre ou profeta-mestre, não devo nem pensar em permitir ser ungido profeta se Deus não confirmou isso primeiramente a mim e depois ao Corpo.
Paulo diz para Timóteo não se precipitar. Paulo foi chamado como apóstolo em Atos 9, mas só anos depois, quando servia em Antioquia (At 13), é que chegou o tempo de ser reconhecido e comissionado ao ministério apostólico.
Paulo teria sido um bom apóstolo se já tivesse saído de Damasco ungido e consagrado ao apostolado? Não! Ele teve que ser treinado e discipulado, precisou orar, jejuar, ler, aprender, SERVIR a Deus e aos irmãos por alguns anos, primeiro como simples crente, e depois como profeta e/ou mestre, antes de chegar o tempo certo de ser lançado ao ministério às nações como predeterminado por Deus desde a eternidade. Como Rony Chaves lembra, apóstolos não surgem da noite para o dia, são o resultado de um processo de crescimento, amadurecimento e seleção do Senhor [1].
Já fui questionado se um "irmão simplesinho" da igreja poderia se tornar um apóstolo. Creio que esse ponto elucide isso. Ninguém se tornará pastor de uma igreja sem antes passar por uma caminhada. Ao listar as características de bispos e diáconos, Paulo diz que não pode ser um novo convertido. Não pode ser alguém que já não foi experimentado. José e Matias só foram apresentados para a vaga de Judas porque eram capacitados para isso; passaram pelo mesmo que os outros Doze, como parte dos Setenta. Paulo e Barnabé foram chamados depois de anos de serviço por vários lugares. Ninguém "nasce" apóstolo, no sentido de já começar seu ministério assim, mas vai passando pelos caminhos que o Senhor leva. Isso é bem lógico, mas muita gente não entende porque um apóstolo passa anos primeiro em outra função.
E, se você foi chamado por Deus para algum ministério, mas não foi ungido publicamente a esse ministério ainda, não se preocupe. Isso acontecerá no tempo de Deus. Você deve servir ao Senhor e a Igreja mesmo sem ser reconhecido. E quando você tiver sido edificado e preparado para o ministério (seja apostólico, pastoral, ensino ou diaconal), o Espírito dirá, como à Igreja de Antioquia: “Separem-no para a obra que o tenho chamado”.

== Como saber quem é um apóstolo? ==

Rony Chaves, um dos principais nomes da Nova Reforma Apostólica, de importância fundamental para o movimento apostólico na América Latina e Brasil, explica:

Apóstolos não surgem da noite para o dia, são o resultado de um processo de crescimento, amadurecimento e seleção do Senhor. Porém, necessitam-se de algumas coisas para reconhecê-los.
1 – O apóstolo pessoalmente deve conhecer e saber que Deus lhe chamou.
2 – Deve ser reconhecido pela liderança de sua própria congregação.
3 – A Congregação local deve também reconhecê-lo.
4 – Deve ser reconhecido como apóstolo por aqueles que ele estabeleceu e fundamentou na fé.
5 – Deve ter testemunho de seu ministério por outros Apóstolos.
 
O título "Apóstolo" de nada serve se estes itens forem ignorados. [1] 
Como identificamos os apóstolos?
1 – Através de Apóstolos reconhecidos.
Através daqueles que já estão operando como apóstolos reconhecidos. Eles oraram e receberam revelação de quem é apóstolo. Seu testemunho em oração será muito valioso (Lc 6.12).
 
2 – Através da Profecia.
Faltam apóstolos por causa da ausência de profetas. A palavra profética ativa dons e funções ministeriais. Através de Profetas, Presbitérios Proféticos ou Companhias de Profetas, os Apóstolos são confirmados e reconhecidos (Atos 13.1-5).
 
3 – Através do Espírito Santo e Sua voz.
Mestres e Profetas com a Palavra e a Unção, estabelecem o ambiente operacional para que o Espírito chame a Seus apóstolos. A voz do Espírito identifica Seus apóstolos.
 
4 – Através da observação das obras apostólicas.
Se identificamos as obras apostólicas, encontraremos um apóstolo. O fruto de um ministério apostólico são as obras apostólicas. Estas obras sinalizam um apóstolo, embora não use o título para seu ofício. [2]

== Como alguém é reconhecido apóstolo no Brasil? ==

Eu reconheço quatro pontos, como base para meus estudos neste site.

1 – Um apóstolo já reconhecido como tal unge/reconhece/comissiona/ordena outro ministro como um apóstolo.
Como esse apóstolo já reconhecido chegou a essa conclusão? Profecia, revelação, sonhos, indicações, observação do ministério, etc.
Como se dará essa unção? Com imposição de mãos do apóstolo reconhecido, e talvez de outros ministros visitantes e da igreja em questão, e quase certamente com óleo. É comum, como lembrança das práticas de unção no Antigo Testamento, o uso do shofar para derramar o óleo.
Esse apóstolo que realizou essa unção pode ser:
- Um membro da International Coalition of Apostolic Leaders (antigamente, Apostles), organização internacional de apóstolos, liderados por John P. Kelly. Em 2001, Rony Chaves, ungiu os primeiros apóstolos da Nova Reforma Apostólica no Brasil e desde então ele (e outros apóstolos da ICAL) vem ungindo outros. Entretanto, a ICAL mesma não comissiona apóstolos; seus membros é que o fazem individualmente ou com outros.
– Um membro do Conselho Apostólico Brasileiro, composto por quinze apóstolos brasileiros; não é uma organização formal, como a anterior. Vários apóstolos já foram ungidos diretamente por eles (ou através de membros da Coalizão Apostólica Profética Brasileira), não tendo necessariamente a aprovação de todos os demais membros para que isso aconteça.
– Um apóstolo líder de uma rede apostólica, como a Rede Apostólica Servo da Orelha Furada, a Grace International Brasil, a Coalizão das Igrejas Apostólicas, ou a CIEAB. Quase todos os membros do Conselho e Coalizão anterior fazem parte de uma rede apostólica nacional.
– Um apóstolo que não faz parte de nenhuma rede apostólica e que pode mesmo não ter nenhuma cobertura apostólica sobre si.
– Através da Visão Celular no Modelo dos Doze. No M12 (Modelo dos Doze), seguindo o Patriarca Renê Terra Nova, existem milhares de apóstolos; o M12 é quem mais unge e possui apóstolos, que são legitimados por Renê todos os anos. Existem apóstolos no G12, mas eles não foram ungidos pelo líder da Visão Celular no Governo dos Doze, César Castellanos, mas sim por outros apóstolos, nem sempre ligados a Visão Celular.

2 – Profecias e Revelações.
“A partir de hoje sou apóstolo, pois Deus me revelou assim”, “o Senhor me disse que você é apóstolo”, “Eu te digo, meu servo, que te chamei para apóstolo”, e outras frases assim expressam esse conceito.
Essa forma de unção apostólica pode ou não estar conectada com o primeiro ponto. Diversas pessoas foram ungidas ao apostolado porque alguém de sua igreja, ele próprio ou outro ministro teve um sonho ou uma revelação de que tal pessoa é um apostolo e por isso devia ser assim ungida. Isso pode ter acontecido dias antes da tal unção ou no mesmo culto alguém tem uma revelação e uma pessoa é ungida.

3 – Decisão da igreja ou do ministro.
Já fui contatado por uma pessoa me perguntando como deveriam fazer para ungir o pastor presidente de sua igreja como apóstolo durante as festividades de aniversário da comunidade.
Conectado ou não ao ponto 2, uma equipe de liderança de uma igreja, se reúne e ordena seu líder como apóstolo. É de se esperar que eles tenham a direção do Espírito Santo para fazerem isso, e não buscando glória e reconhecimento humano. E lembrei isso ao perguntador em questão.

4 – Sem cerimônia/culto de unção/ordenação.
Conheço pessoas que são apóstolos sem terem sido ungidos apóstolos.
Como? Eles, certos de que foram chamados assim, e seu rebanho, certos de que Deus chamou seu líder assim, aceitam ser conhecidos e chamados como apóstolos, mesmo sem haver um culto especial para ordenação.
Título Emérito de Apóstolo (2010)
E ainda tem um jeito que é o pior que existe. Esse é tão tosco (pra dizer o mínimo) que eu não quis mencioná-lo com os outros acima. Pelo menos os de cima, tanto verdadeiros quanto falsos, alegam um motivo melhor para seu apostolado.


O Seminário Internacional de Teologia Gospel oferece diversos cursos e títulos de apóstolo. Entre as vastas opções com a tag "apóstolo", todos com 80% de desconto, estão [3]: Curso de Aperfeiçoamento em Apóstolo (R$ 450,00), Curso Livre Confessional de Bacharel Eclesiástico em Apóstolo (R$ 1.950,00), Curso Livre Confessional de Doutor em Apóstolo (R$ 2.000,00), Curso Nacional em Apóstolo (R$ 1.300,00), Curso Internacional em Apóstolo (R$ 1.300,00), Curso Livre Confessional de Mestre em Apóstolo (R$ 1.950,00), Curso Livre Confessional de PhD em Apóstolo (R$ 2.500,00), Curso Livre Confessional de Pós Internacional Cristã em Apóstolo (R$ 1.500,00), Curso Livre Confessional de Graduação Ministerial em Apóstolo (R$ 1.300,00). Pode-se comprar Título Honorífico em Apóstolo ou Título Emérito em Apóstolo, Título Honoris Causa de Doutor em Apóstolo), Título Honoris Causa de Mestre em Apóstolo e Título Honoris Causa de PhD em Apóstolo; qualquer um por R$ 800,00, além do "título internacional" do Conselho Hispano Americano de Pastores e Apóstolos ou do Conselho Internacional de Bispos, Apóstolos e Ministros, ambos pelo mesmo valor.
Em relação ao curso apostólico mais barato, afirma: "O Curso de Aperfeiçoamento em Apóstolo do Seminário Gospel é pioneiro na modalidade 100% à distância, você recebe os livros impressos em casa, o Seminário foi o primeiro do Brasil a receber autorização oficial para funcionamento da CGIADB e do Conselho Nacional de Pastor é, a melhor escola teológica da América Latina e aparece no ranking das dez melhores dos EUA. O Curso de Aperfeiçoamento em Apóstolo é reconhecido em convenções e igrejas no Brasil, EUA, Japão, Inglaterra e outros 200 países. Este ano o curso foi premiado com a nota máxima pela sua qualidade no ensino eclesiástico." [4]
Eu já encontrei pessoas que se tornaram apóstolos assim, mas passei por cima e não os mencionei nos artigos. Não sou Jesus, Cabeça da Igreja, mas não reconheço "apóstolos" que compraram seu título.

== A Nova Reforma Apostólica ==

A Nova Reforma Apostólica, que tem como pai o Apóstolo Dr. C. Peter Wagner, prega a restauração dos apóstolos e profetas. Isso é chamado de Ministério Quíntuplo: todos os cinco ministérios retratados em Efésios 4.11 ativos na Igreja hoje. Mas, nem todos os apóstolos que existem hoje estão ligadas à International Coalition of Apostolic Leaders, da qual Wagner é Presidente Emérito. Todos acreditam que são apóstolos, e que apóstolos são para os dias de hoje, mas muitos nem estão remotamente ligados a alguém da ICAL ou sequer reconhecem Wagner como uma inspiração.

O alvorecer do ministério apostólico no Brasil, o início oficial da Nova Reforma Apostólica no Brasil, foi em 2001, mesmo ano que Wagner reconhece como início da Segunda Era Apostólica. Em 5 de agosto de 2001, o Apóstolo Rony Chaves consagrou os quatro primeiros apóstolos brasileiros, durante o Seminário da Rede de Intercessão Estratégica patrocinado pela Dra. Neuza Itioka. [Não estou dizendo que foram os primeiros apóstolos do Brasil... Veja no artigo Apóstolos no Brasil 1 a lista de apóstolos mais antigos do país.]
Mas, como já dito antes, a maioria dos apóstolos brasileiros está ligada às Igrejas em Células no Modelo dos Doze (M12).
Mais uma vez repito: acredito na atualidade do ministério apostólico. Se você não quer acreditar, rasgue de sua Bíblia Efésios 4.11-12. Pois se você acredita que a Igreja precisa de pastores, porque também não dos outros ministérios?
Acredito também que muitos que se chamam apóstolos estão enganando e se enganando. O título não faz de ninguém um verdadeiro apóstolo. Talvez não seja preciso ser chamado de apóstolo para ser um. 

== É necessário chamar de apóstolos? ==

Muitas pessoas até aceitam como verdade a permanência do apostólico, mas dizem que não é preciso que apóstolos usem o título Apóstolo para funcionarem como um. Gunnar Vingren, Daniel Berg, Harold Williams, Raymond Boatright, Manoel de Mello, foram apóstolos, mesmo sem serem chamados assim. Porém, tais pessoas não dizem o mesmo sobre o título Pastor, Reverendo (que eu particularmente considero sem sentido), Diácono ou mesmo Bispo.

C. Peter Wagner, apóstolo e mestre, diz [5]:

O fato é que o título “Pastor” ou algumas vezes “Reverendo”, implica em certa descrição de cargo reconhecida dentro da congregação e em determinado papel na comunidade fora da congregação (...) Se nos sentimos confortáveis com os títulos de pastor e mestre, por que nos sentiríamos desconfortáveis com o título de apóstolo? (...)
Jesus não se sentia desconfortável. Foi Ele quem introduziu o título “apóstolo” na vida do Novo Testamento (...) Na sociedade dos dias de Jesus, a palavra “apóstolo” tinha implicações militares e políticas, e Jesus adotou o termo para indicar um papel específico na extensão do Reino de Deus. O significado básico da raiz da palavra em grego é alguém enviado com uma missão.
O título “apóstolo” segue ao longo do restante do Novo Testamento. Aparece 74 vezes, enquanto “mestre” aparece 14 vezes, “profeta” 8 vezes, “evangelista” e “pastor” 3 vezes cada.

== Um apóstolo faz outro apóstolo? ==

Para encerrar este artigo, vale lembrar uma coisa: só um apóstolo pode ungir um apóstolo?
Precisamos lembrar de algo bem bíblico: apesar de em Atos 1 uma equipe de apóstolos escolher um apóstolo, em Atos 13 uma equipe de profetas/mestres e uma igreja comissionam dois apóstolos.

Diversos opositores da Reforma Apostólica negam a validade dos reconhecimentos e ordenações de apóstolos no século XXI, por que estes não teriam recebido autoridade dos apóstolos do Novo Testamento, mortos há quase dois milênios.

Porém, essa ideia vem da herança romana, que criou a sucessão apostólica (como meio de defesa contra as constantes heresias dos primeiros séculos), que defende que os bispos e padres são os sucessores dos apóstolos e pela qual qualquer sacerdote dessa igreja consegue retroceder sua ordenação até os apóstolos (Paulo ordenou Fulano, que ordenou Sicrano, que ordenou Cardeal Beltrano, que ordenou Bispo Tal, que ordenou o sacerdote). Isso é algo sem qualquer respaldo bíblico. Não entendo porque protestantes usam esse argumento, já que é normalmente usado por católicos conservadores para rejeitar o ministério de líderes protestantes.

Tais opositores da restauração dos ministérios zombam perguntando: “Quem ungiu o primeiro apóstolo atual?” Como não posso saber tudo, minha resposta é: “O que importa?” Se foi Deus quem chamou alguém como apóstolo, e ordenou esse reconhecimento, que importa a forma como isso aconteceu?

No exemplo da igreja de Irving, em Antecedentes Apostólicos, um profeta chamou o primeiro apóstolo, J. B. Cardale. Se foi dessa forma que alguns dos primeiros apóstolos da Nova Reforma Apostólica foram chamados, o que há de errado nisso, se o próprio Paulo foi comissionado assim?

Que Deus nos dê verdadeiros apóstolos!

Referências
[1] - CHAVES, Rony. Apuntes sobre el Ministerio Apostólico. S/d. p. 83. Tradução minha.
[2] - CHAVES. p. 86.
[3] - Seminário Gospel. "Apóstolo". Visita realizada em 26 de janeiro de 2017, às 01:30.
[4] - Curso de Aperfeiçoamento em Apostolo. Seminário Gospel. Visita realizada em 26 de janeiro de 2017, às 02:16.
[5] - WAGNER, C. Peter. Assim na Terra como no Céu. Belo Horizonte: Sete Montes, 2013. p. 34-35.
 


 https://www.ministeriocesar.com/2010/03/apostolos-quem-escolhe-apostolos-hoje.html

16 de setembro de 2019

O que os usos e costumes proíbem e a Bíblia permite




Alguns por um zelo sincero, já, outros por falta de conhecimento teológico, acabam por pregar mais costumes humanos, do que doutrinas bíblicas.

O tema “Usos e costumes”[1] sempre foi motivo de discussão em muitas comunidades evangélicas, especialmente nas pentecostais[2], entretanto, devemos sempre lembrar que costume não gera doutrina, mas, doutrina gera bons costumes. No entanto, alguns por um zelo sincero, já, outros por falta de conhecimento teológico, acabam por pregar mais costumes humanos, do que doutrinas bíblicas, o que gera em muitos cristãos, um interesse maior pelos usos e costumes, do que propriamente pelos ensinamentos bíblicos.

Sendo assim, durante muito tempo, alguns líderes acabaram por perpetuar a propagação de suas ideias dogmáticas, através de proibições sem respaldo bíblico, proibindo seus membros de jogar bola, assistir televisão, ouvir rádio, e mais algumas regras de uso comum para todos, e outras que eram direcionadas as mulheres que não podiam cortar o cabelo, usar maquiagem, usar calça comprida e etc.

No entanto, com o passar do tempo, a maioria destas regras foram sendo abolidas, pois são doutrinas humanas, e que não contam com o devido respaldo bíblico. No entanto, sabemos que a maior parte destes líderes eram muito piedosos em sua espiritualidade, pois criam piamente que estavam agindo de modo correto, entretanto, faltou tanto para estes líderes, como também para estas comunidades, uma teologia mais profunda e um ensino doutrinário com mais qualidade.
 
Teologia e Doutrina

A palavra doutrina deriva-se do latim doctrina, cuja forma verbal é docere que significa ensino; etimologicamente significa algo que é ensinado de forma sistemática. No contexto bíblico a doutrina significa qualquer ensino extraído da Bíblia a carta magna dos cristãos, contudo infelizmente são poucos os crentes que conhecem verdadeiramente as doutrinas bíblicas, poucos a estudam e poucos a amam de forma verdadeira.

Existem pelo menos três formas de doutrinas:

  • A Doutrina de Deus (Pv 4:2; Mt 7:28)
  • A Doutrina de homens (Jr 23:16; Mt 15:9)
  • A Doutrina de demônios( I Tm 4:1; I Jo 4:1)
Teologia (Doutrina) e os Usos e Costumes

Antropologia significa o estudo do homem, sendo que em suas divisões podemos encontrar a antropologia cultural que é a ciência que se ocupa com o que o homem tem descoberto ao longo dos tempos; esta divide-se em Linguística, Tecnologia, pré-histórica e social. Dentro do grupo denominado social estudam-se os costumes e tradições de uma comunidade, família ou organizações; podendo-se definir a palavra Costume no latim “suescere” que significa “acostumar-se com” sendo, alguma coisa com que alguém fica acostumado. Portanto, os usos e costumes são uma forma de expressão que demonstra o porte, a conduta, a postura e o comportamento pessoal, grupal ou comunitário. Sendo uma questão meramente humana, embora podendo em alguns casos estiver em harmonia com a vontade de Deus, desde que seja sempre como um derivado das doutrinas, pois os costumes não podem servir de regra de fé e conduta, mas no caso de um grupo adotar um grupo de doutrinas como no caso Bíblico, isto irá gerar bons costumes como o caráter, santificação, ética, moral e os valores cristãos.

Segundo o Pastor Antônio Gilberto da Silva consultor doutrinário da CPAD, existem pelo menos três grandes diferenças entre doutrina bíblica e costumes[3].

A – Quanto à origem:

  • A doutrina é divina
  • O costume em si é humano
B – Quanto ao alcance:
  • A doutrina é geral
  • O Costume em si é local
C – Quanto ao tempo:
  • A doutrina é imutável
  • O Costume em si é temporário
 
Usos e Costumes no Pentecostalismo Brasileiro[4]

Desde o princípio do movimento pentecostal brasileiro, muitos líderes legitimaram sua fala por meio da oralidade e através dos Dogmas, sendo que em muitas comunidades pentecostais pelo país se seguiam as regras estabelecidas em convenções e que geralmente era fixado no quadro de avisos da Igreja e ensinado por meio de estudos nos chamados “Cultos de Doutrina”, onde se ensinava além do texto bíblico, os usos e costumes, o que gerou alguns radicalismos.[5] Esse radicalismo foi fruto da ausência de uma hermenêutica clara e de uma Teologia mais consistente, o que justificou uma compreensão equivocada na qual, muitos pastores e líderes acabaram por confundir Costumes com Doutrinas, o que de acordo com Araújo, definia a imagem do povo pentecostal nas primeiras décadas em solo brasileiro:

“Os usos e costumes estiveram profundamente arraigados à própria imagem que os pentecostais faziam de si mesmo e às representações estereotipadas, uniformizadoras, que a maioria dos brasileiros, ainda hoje mantém a respeito deles". [6]
Entretanto, os usos e costumes adotados por uma denominação não podem de maneira alguma ditar as regras de norma e fé de uma Igreja, entretanto, existem igrejas que contam com um grande elenco de costumes, mas quase nada de doutrina (Teologia) e o costume é imposto por convenções humanas de maneira espontânea ou obrigatória, sendo assim, o costume é humano, o que pode gerar a eisegese[7].

Infelizmente, em muitos lugares os “usos e costumes” se baseiam em “visões” e “revelações”, entretanto muitos se esqueceram que o verdadeiro propósito dos dons espirituais é de edificar, consolar e encorajar; mas nunca estabelecer “doutrinas”, “regras” e “preceitos”.
 
Não devemos confundir doutrina com Usos e costumes

Sendo assim, em algumas Igrejas as Doutrinas de Deus tem sido confundida com as doutrinas dos homens o que se constitui em legalismo gerando costumes exacerbados, como proibições antibíblicas, como relata o pastor Ciro Sanchez Zibordi em um de seus livros uma experiência que ocorreu em uma igreja de uma certa denominação evangélica na cidade de São Paulo:

“O Obreiro fez uma pergunta a uma senhora assentada num dos últimos bancos do recinto, a qual usava um par de brincos. A senhora aí, já é crente? Ela balançou a cabeça positivamente e respondeu: Graças a Deus. Inconformado, o pastor voltou-se aos componentes do coral à sua direita e perguntou-lhes: irmãos, crente usa brinco? Nãããõ! Responderam. Em seguida, dirigiu-se à mocidade: Jovens, crente usa brinco? Nããão! Olhando novamente para aquela irmã, bastante envergonhada e constrangida, o pastor disse aos diáconos: Tragam essa senhora aqui, pois ela precisa entregar a sua vida a Jesus! Os diáconos, também constrangidos, cumpriram a ordem do obreiro local: pegaram a senhora pelo braço e a conduziram a frente do púlpito…” [8]
Não precisamos do legalismo, pois em Cristo somos suficientes

Por fim, esse triste episódio relata o quanto algumas denominações compreendem de forma errônea o processo de santificação que ocorre de dentro para fora e não de fora para dentro (I Ts 5:23). Em Jesus, somos livres de todo o julgo e assim devemos procurar ultrapassar a barreira das diferenças e proclamar a Cristo através de nossas ações de Serviço que irão apresentar o Senhor como solução para a sociedade dos dias atuais, pois viver no Espírito no meio de uma sociedade injusta é ter uma vida de vitória. Portanto, nosso Senhor Jesus deseja que todos conheçam a verdade para que possam ser verdadeiramente livres: “Se, pois, o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8:36) sem preconceitos ou dogmas meramente humanos, mas por meio do conhecimento da palavra que é libertadora e gera mudança de mentalidade, pois em Cristo temos a perfeita suficiência. No entanto, devemos diariamente buscar a prática do fruto do Espírito que são expressões do caráter de Cristo em nossas vidas. De acordo com o pastor John Macarthur:

“Há suficiência em Cristo? Absoluta suficiência. O desafio para nós é conhecermos melhor a Cristo, servi-Lo fervorosamente e sermos mais conformados à sua imagem”.[9]
A ação do Espírito em favor de cada cristão vai transformando este de glória em glória de valor em valor, fazendo com que cada cristão se torne mais parecido com Jesus. Refletindo sobre o tema “usos e costumes”, concluo este texto com as sábias palavras do pastor Altair Germano: “Prefiro a promoção de uma tomada de consciência quanto ao bom senso e ao pudor, fundamentados nos princípios espirituais, éticos e morais da Santa Palavra de Deus. [10]”



[1] Para compreender melhor o tema, você pode ler este livro: O que a Bíblia permite e a Igreja proíbe, escrito pelo pastor e professor Ricardo Gondim e editado pela editora Mundo Cristão.
[2] Para compreender melhor os “Usos e Costumes” no pentecostalismo brasileiro, você pode consultar o blog do historiador Mario Sérgio Santana: http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2015/08/usos-e-costumes-nas-ads.html.
[3] GILBERTO, Antônio. Manual do CAPED. CPAD: Rio de Janeiro, 2000.
[4] Compreende-se por costumes, um conjunto de hábitos, normas e dogmas.
[5] De acordo com ARAÚJO (2014), havia forte conotação para os usos e costumes e restrições ao vestuário, ao uso de bijuterias, aos produtos de beleza, ao corte de cabelo, como destacados pelas famosas resoluções expostas em convenções, como a resolução das Assembleias de Deus em São Cristóvão, Rio de Janeiro, em de junho de 1946.
[6] ARAÚJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. CPAD: Rio de Janeiro, 2015.
[7] Eisegese: Interpretação de fora do texto para dentro, diferente da Exegese, que é a interpretação do texto a partir das regras de interpretação e do texto hebraico e grego.
[8] ZIBORDI, Ciro. Evangelhos que Paulo jamais pregaria. CPAD:Rio de Janeiro, 2006.
[9] MACARTHUR, John. A Nossa suficiência em Cristo. Editora Cultura Cristã: São Paulo, 2011.
[10] GERMANO, Altair. Usos e Costumes Assembleianos: Curiosidades. Disponível em: http://www.altairgermano.net/2009/04/usos-e-costumes-assembleianos.html. Acesso em 07 Jan 2018.


Por
Orlando Martins


27 de janeiro de 2019

Deus: nem deuso, nem deusa




Por Isabella Passos e Sâmara de Araújo


“Deus é mãe. [...] Deus é mulher [...] Deus há de ser fêmea”. Os versos que abrem cada um dos trechos da música carro chefe do álbum Deus é mulher, de Elza Soares, caiu no gosto de muitos que, entre outras coisas, perceberam nesta música a oportunidade de afirmação de vários grupos de identidade de gênero ao relacionar intrinsecamente o Absoluto ao feminino. Mas a questão de deus como mulher é muito mais antiga que imaginamos. Homens e mulheres cultuaram deusas em várias culturas e o registro mais antigo que temos é o de Pótnia, a deusa de Çatal Huyuk, Turquia, a mais antiga cidade que se conhece do período Neolítico, cerca de 10 mil anos atrás.
 
Mais recentemente, a questão de Deus como mulher também apareceu entre cristãos. Em 1978, a teóloga e historiadora feminista Carol P. Christ escreveu o famoso artigo Why women need the Goddess, onde defendeu uma “teologia da Deusa” para “a anulação do poder dos símbolos patriarcais masculinos sobre a psique e a alma feminina”. E, de lá para cá, muitas teólogas embaladas pelos escritos de Simone de Beauvoir tem empregado algum esforço em reformular a imagem de Deus. Escreve Beauvoir: “o homem desfruta da grande vantagem de ter um deus endossando o código que ele escreve; e uma vez que o homem exerce uma autoridade soberana sobre as mulheres, é especialmente afortunado que essa autoridade tenha sido investida nele pelo Ser Supremo. Para os judeus, maometanos e cristãos, entre outros, o homem é mestre por direito divino; o temor de Deus, portanto, reprimirá qualquer impulso de revolta na mulher oprimida” [1]. Isto é, a questão posta por essas autoras é a de que a imagem de um “deus masculino” seria fonte de profunda opressão às mulheres sendo importante, portanto, resgatar uma compreensão de “Deusa” que sempre existiu fora das principais religiões monoteístas. 
 
Em outra perspectiva, Alister McGrath [2] ressalta que muitas teólogas, “feministas responsáveis”, têm realizado um importante trabalho “de reavaliar o passado cristão, dando honra e reconhecimento a gerações de mulheres fiéis cuja prática, defesa e proclamação de fé passaram despercebidas por uma grande parte da igreja cristã”, no entanto, sugere prudência àqueles que pretendem se voltar à natureza da linguagem teológica e do simbolismo cristão. Ele afirma que os modelos ou imagens escriturísticas de Deus o revelam em condições acessíveis à mente humana não podendo ser confundido o que é próprio de Deus com o que é próprio do humano. Como Calvino declara, tais imagens são Deus se acomodando a nossa fraqueza. E é importante ter em conta que essa fraqueza pode fazer confundir “alhos com bugalhos” quando não prestamos atenção à natureza da linguagem teológica e a complexidade de seu objeto de investigação. 
 
Em nossa limitada humanidade, os modelos de Deus se baseiam na vida ordinária. Da mesma forma que Jesus utilizava as parábolas da vida comum para seus ensinamentos teológicos, os autores das Escrituras usaram o mundo experiencial da Palestina para narrar a natureza e os propósitos de Deus. Em uma sociedade masculina, muitos dos modelos utilizados foram os masculinos, como por exemplo, a ideia da autoridade de Deus que só poderia ser representada usando-se imagens como a de um pai, um juiz ou um rei. Mas há outros modelos quando Deus é comparado a uma rocha, que não possui gênero, transmitindo a ideia de força pela estabilidade e permanência. Há ainda, imagens femininas que descrevem o cuidado e a compaixão de Deus, imagens frequentemente ligadas ao amor de uma mãe por seus filhos. E, então, “quando sugerimos que o modelo apropriado para Deus é o de um pai, estamos dizendo que, em certos aspectos, Deus pode ser imaginado como um pai, como, por exemplo, na disciplina de seus filhos. Em certos aspectos, Deus é como uma mãe, como, por exemplo, em seu cuidado e compaixão por seus filhos. Contudo, Deus não é masculino e Deus não é feminino”, defende McGrath.
 
Dessa forma, como destaca McGrath, não é tanto a linguagem humana que importa, mas o que está sendo comunicado sobre Deus. E, portanto, apegar-se demasiadamente às imagens, ao invés de elucidar o seu conteúdo significativo, demonstra uma chocante incapacidade de colocar o entendimento no caminho correto da interpretação bíblica, bem como, de comunicá-lo com a riqueza que os símbolos exigem. Também demonstra pelas teologias regionais uma fuga da difícil tarefa de conciliar a compreensão dos símbolos com o seu significado atemporal, independente, dos conflitos e incorreções humanas. Independente de seus pecados e prerrogativas. O que nos torna ainda mais incapaz de compreender o que é todo Outro. O que é Deus por seus atributos e independência do humano.
 
Compreender Deus como um leopardo, uma rocha ou uma galinha que ajunta seus pintinhos nos auxilia a pensar sobre Ele de maneira mais acessível, intensa e significativa. Entretanto, Deus não é nem leopardo, nem rocha e nem uma galinha. Deus se revelou de diferentes maneiras para nos achegarmos a Ele como somos, com nossas limitações, debilidades, falhas e carências. Por isso, podemos desenvolver mais intimidade e comunhão com o Deus criador e redentor mesmo com toda essa precariedade. E não há qualquer base para afirmar que a maneira cristã de falar sobre Deus oprima as mulheres e, muito menos, postular Deus com qualquer atributo da ordem criada. Nem a sexualidade masculina e nem a sexualidade feminina podem ser atribuídas a Deus, pois, como nos lembra McGrath, “Ele é supracultural, assim como é suprassexual” e as Escrituras confirmam tal identidade. 
 
Dessa forma, os sistemas de símbolos em torno de Deus não podem e nem precisam ser rejeitados ou substituídos por um análogo. Antes, precisam ser entendidos e comunicados em sua verdade mais rica e profunda, principalmente, por aqueles que criticam alguma generificação de Deus. Não é substituindo um análogo por outro que a questão entre homens e mulheres será resolvida. Deus não se submete às nossas guerras narrativas. E quem vai por este caminho atesta a incompreensão a respeito das proporções manejáveis à mente humana para que ela possa lidar com a noção de Deus empreendendo, dessa forma, um desserviço ao entendimento mais substancial acerca da natureza divina. Erra tanto quanto aquilo que critica tendo ainda, posteriormente, que lidar honestamente com a opção de Deus por se encarnar em um homem que o chama de “Pai”. E aí?
 

Referências
[1] O segundo sexo: A experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967, p. 386.
[2] Apologética cristã no século XXI: ciência e arte com integridade. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 288-302.

 
• Sâmara de Araújo é pedagoga, professora de educação básica e doutoranda em educação pela UFMG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Comunidade Presbiteriana Central.
 
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-Minas. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.


https://www.ultimato.com.br/conteudo/deus-nem-deuso-nem-deusa?


13 de dezembro de 2016

Por que os cristãos muitas vezes estão divididos?

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René Malgo

Quatro possíveis razões e uma palavra-chave

Já se perdeu a conta da fragmentação do cristianismo em inúmeras denominações, igrejas e seitas. Ao que parece, as cisões estão na ordem do dia. Mesmo a Chamada da Meia-Noite não ficou isenta de múltiplas controvérsias e de amargas discussões ao longo dos seus 60 anos de história (N. da R.: houve algumas discussões e controvérsias na Europa, com a Chamada da Meia-Noite em sua sede na Suíça) - e é provável que assim continue também no futuro. Qual seria a razão disso?

Quero apontar aqui quatro razões ou respostas. A primeira é simples, mas provavelmente é a mais difícil de suportar. A divisão dos cristãos baseia-se na natureza humana. “O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa”, diz o profeta Jeremias, “e sua doença é incurável; quem é capaz de compreendê-lo?” (Jr 17.9). Os crentes poderão argumentar que ganharam um novo coração por meio de Jesus (Rm 6). É verdade! Todavia, ainda assim os cristãos lutam com o pecado em seu velho corpo (Rm 7). Enquanto ainda habitarmos este corpo atacado pelo pecado, será para todos nós impossível enxergar tudo corretamente. “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas então veremos face a face” (1Co 13.12). Somente quando ressuscitarmos ou formos transformados e virmos o nosso Senhor face a face é que entenderemos tudo (cf. 1Jo 3.2).

Os cristãos são personalidades divergentes, têm aspectos fortes e fracos diferentes, diversas preferências e pecados variados com que precisam lutar. Sua formação, maturidade, capacidade espiritual, relacionamento com o Senhor, seu intelecto, sua capacidade intelectual diferem... não admira que tantas vezes discordemos! Os seres humanos são complexos, emotivos e inquiridores, e os cristãos não são exceção. A conversão não nos transformou em robôs padronizados. “Os propósitos do coração do homem são águas profundas, mas quem tem discernimento os traz à tona” (Pv 20.5).

"... Pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor. Todos tropeçamos de muitas maneiras..." Tiago 3.1b,2a

A Palavra de Deus é verdade objetiva, mas as pessoas a interpretam subjetivamente. Tiago, líder da igreja primitiva em Jerusalém, diz a respeito das questões doutrinárias: “Todos tropeçamos de muitas maneiras” (Tg 3.2). Por isso os crentes não deveriam ter muita pressa em ser mestres da Palavra, “pois vocês sabem que nós ... seremos julgados com maior rigor” (Tg 3.1).

Tiago 3.2 é um “versículo régio” em relação à nossa questão. Se um meio-irmão de Jesus e uma “coluna” da igreja primitiva (Gl 1.9) diz que “todos [nós] tropeçamos frequentemente, incluindo assim a si mesmo nisso, quanto mais essa declaração se aplicará a nós hoje, 2.000 anos depois e culturalmente a anos-luz de distância dos apóstolos!

Hoje há uma variedade de premissas e sistemas teológicos concorrentes influindo o modo como lemos a nossa Bíblia. Podemos não nos dar conta disso conscientemente, mas por meio das igrejas que frequentamos, os institutos bíblicos nos quais nos formamos ou a literatura cristã que lemos, cada um de nós tem marcas teológicas diferentes. Entre os protestantes há, por exemplo, teólogos da aliança, teólogos da substituição, dispensacionalistas, ultradispensacionalistas, dispensacionalistas progressivos, batistas, calvinistas, luteranos, menonitas, irmãos abertos, irmãos restritos, universalistas, arminianos, amilenistas, pós-milenistas, pré-milenistas, pré-tribulacionistas, mesotribulacionistas, pós-tribulacionistas, presbiterianos, congregacionalistas, anglicanos, pentecostais, etc. etc. ... E ainda que todos eles tenham boas razões para afirmar sua fidelidade exclusiva à Bíblia, todos acabam determinados por diferentes sistemas interpretativos e teologias sistemáticas. A cultura cristã na qual nos movemos inevitavelmente tinge os óculos através dos quais lemos a Bíblia.

Não me entendam mal: todos temos óculos como esses, e isso é normal. A arte está em obter as lentes certas. Paulo espera que interpretemos a Palavra de Deus “segundo a sã doutrina” (Tt 1.9). A sã doutrina apostólica terá de ser o nosso filtro. Quem afirma ler a Bíblia sem óculos e sem filtro engana a si mesmo. Assim, por exemplo, é razoável que nenhum cristão normal aplique à sua vida diária a exigência de apedrejar filhos rebeldes fora da cidade, conforme exige a aliança do Sinai (Dt 21.18-21).

Temos de reconhecer que todos nós - mesmo os mais sábios e “piedosos” entre os professores de Bíblia - somos criaturas falíveis. Nenhum de nós seria superior a Tiago neste quesito. Somos pessoas que conseguem enganar até a si mesmas. A Bíblia sabe disso há muito tempo (Jr 17.9). A esta altura, os psicólogos seculares também já descobriram esse fato. Por natureza, tendemos a registrar a realidade de uma forma que se encaixe em nosso esquema e que corresponda à imagem subjetiva que temos do mundo. Por isso o diálogo de surdos entre os cristãos é tão comum e não conseguimos progredir. Constantemente corremos o risco de interpretar palavras e frases da Bíblia segundo as nossas tendências pessoais.

Um exemplo: imagine alguém que em geral raciocine de forma muito organizada e sistemática. Tudo em sua vida precisa ter uma estrutura definida e uma clara explicação. É uma pessoa racional e lógica, que não suporta obscuridades. Qual será sua tendência ao interpretar a Bíblia? É provável que seja simpático a sistemas interpretativos que organizem a doutrina bíblica sem lacunas e que a dividam em várias unidades fechadas e em épocas claramente definidas. Para essa pessoa seria importante ter uma explicação exata de cada detalhe bíblico, e ela cuidaria para que nenhuma incoerência penetrasse ali.
Mas temos então uma outra pessoa, o tal tipo artístico. Seu lema é: só os tolos precisam de ordem; o gênio abarca o caos. E trata-se realmente de um gênio. O que para outros parecem contradições, para ele é apenas o tempero que dá sabor à vida. Ele sempre está em busca de um plano espiritual mais elevado. Nunca se cansa de aprender. Para onde será que ele tenderá ao interpretar a Bíblia? Provavelmente sentirá rejeição por sistemas interpretativos sistematizados e afirmará que se trata de tentativas de enquadrar Deus. Mais atraentes seriam para ele abordagens mais místicas e “holísticas” da Bíblia, que mantenham uma visão do todo. Tais pessoas gostam de paradoxos e reservam espaço para incertezas.

Ambos creem a mesma coisa. Neste exemplo não temos um bom e um mau. Ambos amam Jesus Cristo, afirmam a trindade divina, valorizam a Palavra de Deus e creem no Evangelho. Mesmo assim, porém, em certos aspectos as teologias que ambos moldaram em torno do núcleo da sua fé podem ser totalmente diferentes.

De certo modo, todos buscamos um lar teológico no qual possamos nos sentir bem. E por sermos personalidades diferentes, nossos lares teológicos também podem ter aparências diferentes. Mas, como um professor de Bíblia explicou certa vez, toda casa teológica tem também seus defuntos no porão. Por nos equivocarmos, por sermos pecadores, por termos nossas preferências e limitações, sempre haverá pontos em nossas convicções que outros não poderão assumir e que - segure-se! - estão errados. E com isso chegamos ao segundo ponto.

Nós cristãos vivemos tantas vezes desunidos porque nos baseamos neste mundo e não na eternidade. Será que sempre temos consciência do que, afinal, falamos e sobre o que discutimos? Em última análise, falamos de Deus, do Onipotente, daquele que “mesmo os mais altos céus” não podem conter (1Rs 8.27) e cujos pensamentos são tão mais altos que os nossos como “os céus são mais altos do que a terra” (Is 55.9). É verdade que este Deus se comunica conosco de forma compreensível e comprometida por meio de Sua Palavra e se tornou acessível em Jesus Cristo. Ainda assim, porém, Ele continua sendo o Eterno “que habita em luz inacessível” (1Tm 6.16).

O que tem isso a ver com os defuntos no porão? Muito simples: com os nossos sistemas e os nossos pensamentos humanos, jamais poderemos captar Deus plenamente. Sempre haverá áreas na Palavra de Deus e na Teologia que não poderemos explicar ou que não conseguiremos compreender. Estamos lidando com o Onipotente e a inesgotável riqueza da sua incomensurável e múltipla sabedoria. Lidamos com um plano de redenção que supera todo conhecimento, que mesmo “os anjos anseiam observar” (1Pe 1.12).

Nós, os cristãos, muitas vezes discutimos e brigamos justamente em torno daquilo que não conseguimos entender plenamente: a soberania e a natureza do Deus triúno e Seu plano para o futuro e a eternidade. É plenamente normal que, limitados como somos, esbarremos em nossas conjecturas sobre o Eterno em nossos limites e cheguemos a resultados divergentes.

Nosso Deus é fogo consumidor“ (Hb 12.29). Qualquer encontro com Ele, o Infinito, abalará as criaturas finitas que somos e nos marcará de diferentes maneiras de acordo com a nossa respectiva configuração. Provem e vejam como o Senhor é bom. Como é feliz o homem que nele se refugia! (Sl 34.9). Todos podem experimentar a bondade de Deus, mas por Ele ser em sua natureza tão diferente, tão ilimitado, cada pessoa provará e enxergará essa bondade de modo um pouco diferente.

Atenção: isto não é desculpa para a maior de todas as heresias, segundo a qual de algum modo todas as religiões conduziriam a Deus. A Bíblia é clara e inequívoca em dizer: “Não há salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At 4.12). Salvos serão apenas aqueles que creem tão-somente em Jesus Cristo e O reconhecem como Senhor da sua vida (At 16.31), e ninguém mais. Todavia, esses cristãos, por serem diferentes e limitados, tentarão explicar de formas diferentes a inesgotável plenitude do seu Deus.
↪➽Nós cristãos vivemos tantas vezes desunidos porque nos baseamos neste mundo e não na eternidade.
Se todos os cristãos de todas as eras concordassem em todos os detalhes a respeito do conteúdo da Bíblia, seria razoável dizer que teríamos em mãos um livro muito superficial. Como, porém, o que ocorre é justamente o oposto e porque se discute tão acaloradamente sobre a Bíblia porque sua Palavra atinge tanto os corações, dividindo famílias, comunidades e até países, e porque jamais encerraremos os debates sobre ela, sabemos e reconhecemos que Deus é Deus e que Sua Palavra é Sua Palavra.

É claro que um muçulmano poderia dizer o mesmo sobre o Corão, polarizador como ele é. Contudo, isto nos leva ao terceiro ponto. Os demônios calam fundo. É verdade que isto não é bem politicamente correto, mas do ponto de vista dos apóstolos, as falsas religiões têm inspiração demoníaca (1Tm 4.1), e este é um ponto que nós, como cristãos, frequentemente esquecemos. Estamos interagindo com a realidade de principados, poderes, dominadores deste mundo tenebroso e de poderes espirituais da malignidade no mundo invisível (Ef 6.12).

Um professor de Bíblia apontou certa vez para o fato de que os falsos deuses com que Israel se prostituía no Antigo Testamento eram reais. As estátuas de pedra e madeira destinadas a servir de local de veneração desses deuses não tinham vida nem conteúdo, mas os próprios deuses das nações eram reais porque por trás deles havia efetivos poderes demoníacos. Por sinal, não faria sentido dizer que Deus é maior que aqueles deuses se estes nem sequer existissem (cf. Dt 4.7; 10.17; Is 36.20). Seria mais ou menos como se o Senhor proclamasse: “Sou maior que o papai-noel!”

Os deuses eram e são reais. São demônios que inspiram falsas doutrinas e religiões e que combatem o Deus vivo e unicamente verdadeiro, bem como Sua Igreja. Defrontamo-nos com as “ciladas do diabo” (Ef 6.11), um adversário capaz de disfarçar-se de anjo “da luz” (2Co 11.14) e que nos ronda “como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar” (1Pe 5.8).

Será que realmente não cremos que esse inimigo real, com milênios de experiência e uma rede de demônios “semelhantes a deuses”, já não terá conseguido fazer estrago na Igreja do Deus vivo? Sempre que não estivermos vigilantes e não portarmos toda a armadura de Deus, expomo-nos ao ataque de seres muito mais poderosos do que nós, que terão todo o prazer em aproveitar-se dessa vulnerabilidade.
Infelizmente, muitas vezes nossa desunião também resulta de nos deixarmos atropelar por seduções demoníacas. Assim, por exemplo, presumimos o pior sobre o nosso próximo, não nos orientamos pelas diretrizes do Evangelho e do amor, somos vítimas de boatos e difamações e pisamos em armadilhas magistralmente projetadas sob medida para nós, cedemos a bajulações, aceitamos conselhos falsos ou agimos movidos pela ira. É frequente os conflitos entre cristãos serem regidos por ódio, fúria e amargura - e tais sentimentos certamente não provêm de Deus, em que existe apenas luz e nenhuma sombra.

Preciso julgar a mim mesmo: esquecemos com excessiva rapidez que somos criaturas facilmente influenciáveis, frágeis e dependentes, expostas a um combate cósmico que não poderemos vencer com nossas próprias forças. E isto, por sua vez, nos conduz ao quarto motivo da nossa divisão.

À medida que o fim se aproxima, esse combate espiritual torna-se cada vez mais violento e perigoso. A prosperidade que gozamos no Ocidente e a sedução que nos cerca por todos os lados podem turvar nossa visão para esta realidade. Todavia, o Novo Testamento esclarece que os tempos entre a cruz e a volta de Jesus são tempos finais “maus”, que vão piorando continuamente (cf. Hb 1.2; Ef 5.16; Mt 24-25). A respeito da Igreja, Paulo enfatiza em uma de suas cartas que “nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis” (2Tm 3.1), nos quais “os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder” (2Tm 3.2-5).

Note que, entre outras coisas, a falta de amor, a arrogância e a indisposição para reconciliação aumentarão nos últimos dias. Não sei até que ponto já penetramos nos tempos do fim, mas é inegável que hoje estamos mais perto do fim do que há 2.000 anos, e o aumento das características citadas acima em nossos dias deveria ao menos dar o que pensar. Não devemos espantar-nos pelo fato de hoje o cristianismo parecer mais separado do que no início. Os sinais dos últimos dias se infiltram na Igreja e, quanto mais o tempo avança, tanto pior será. É a profecia bíblica que o afirma.

Por isso chega a beirar o milagre que os cristãos mantenham algum tipo de unidade até hoje! A pergunta formulada no título está errada. Considerando as limitações da natureza humana, a infinita diferença da natureza de Deus, o poder demoníaco no mundo invisível e o anúncio bíblico dos tempos finais, seria mais razoável perguntar: por que os cristãos muitas vezes estão unidos? A resposta é: graças ao Espírito Santo.

O Espírito Santo é o Deus subestimado. Alguns Lhe atribuem suas próprias ideias absurdas, outros não esperam nada Dele. No entanto, nosso Deus não é biúno, mas triúno - e esta é a garantia da nossa segurança. Por meio do Espírito Santo, a plenitude de Deus habita em nós (Ef 1.13-14,17; 3.14-19). Ele é o Consolador e Apoio que acalma e sela o nosso coração indisposto, tempestuoso e frágil. É por isso que ainda conseguimos entender a Palavra de Deus (1Co 2.11). E por isso somos mais que os maiores profetas do Antigo Testamento e podemos realizar mais que os milagres de Jesus (Lc 7.28; Jo 14.12). Deus mesmo habita em nós, e já faz 2.000 anos que isto nos capacita a funcionar como povo sem rei visível, como “religião” sem santuário visível e como unidade orgânica sem parentesco de sangue. Pela fé em Jesus Cristo temos condições de ser um com pessoas das quais nos separam milhares de anos, milhares de quilômetros ou milhares de diferenças culturais. Esse milagre é muito maior do que tudo o que aconteceu no Antigo Testamento!

O que nos une não é nem a espada, nem o medo, nem uma nacionalidade, mas o Espírito Santo de Deus. O poder que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos está há 2.000 anos zelando para que os salvos adorem o Pai “em espírito e em verdade”, confessem o nome de Jesus e esperem por Sua volta. Este é o maior milagre que o mundo invisível jamais presenciou (Ef 3.9-10): a ilimitada plenitude de Deus em homens fracos, outrora caídos e ainda agora limitados.
É claro que agora se poderá objetar que tudo isso é muito bonito, mas que, apesar do Espírito Santo, não deixa de ser fato que ainda assim os crentes muitas vezes não têm unidade no Espírito. O que podemos fazer contra isso? No meu entender, só há uma resposta, que, entretanto, se refere apenas a diferenças de opinião (especialmente as teológicas) entre os cristãos. Portanto, não se trata da questão do que fazer quando outros crentes pecam contra nós por seu comportamento, seus atos, suas palavras ou suas omissões. Também não se trata de cristãos que tentam apelar para o Evangelho com o fim de disfarçar ou justificar seus pecados, como por exemplo a imoralidade, a avareza ou similares.

Antes de tudo precisamos reconhecer o seguinte: existe um bom motivo para os cristãos parecerem tão combativos. É sua missão. Paulo enfatiza que os bons líderes devem “silenciar“ falsos mestres e repreender “severamente“ crentes desviados (Tt 1.11,13). Tal como Paulo fez, eles não devem ceder nem “submeter-se nem por um instante” a “falsos irmãos infiltrados” (Gl 2.4-5). Os cristãos, e especialmente os líderes de igreja e pastores, não podem comprometer-se (cf. Tt 2.7). Os crentes precisam lutar pela sã doutrina (2Tm 1.13; Tt 1.9; 2.1). A questão que se impõe aqui é: quem na selva das confissões e denominações cristãs seria o portador da sã doutrina e quem deverá ser combatido? - A Bíblia fornece indicações.

Durante a sua prisão em Roma, Paulo soube que alguns cristãos (ou pseudocristãos) anunciavam o Evangelho com a intenção de prejudicá-lo. Ele se alegrou com isso porque para ele o principal era que Cristo fosse anunciado, “seja por motivos falsos ou verdadeiros” (Fp 1.15-18). Paulo não se importou em repreender aqueles criadores de conflitos. Para ele, esses homens não eram daqueles a quem se deveria “tapar a boca”. Portanto, para Paulo o sinal da sã doutrina não era que alguém pertencesse ao seu “grupo”, mas que a pessoa pregasse a Jesus Cristo. As cartas apostólicas esclarecem que pregar a Cristo é o mesmo que anunciar o Evangelho (cf. Rm 1.9,16; 10.15-16; 15.20; 16.25; 1Co 9.12; 2Co 11.4; Gl 1.6-11; 2.5,14, entre outros). Na última carta do apóstolo Paulo vemos que a pregação do Evangelho está estreitamente ligada à sã doutrina (2Tm 1.8; 2.8; 4.5). Quem reconheceu Jesus, reconheceu o Evangelho; quem reconheceu o Evangelho, reconheceu a sã doutrina - e vice-versa. Sã doutrina é o Evangelho!

Portanto, se na Carta aos Efésios Paulo espera de nós, cristãos, “conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.3), isto jamais será possível sem o Evangelho de Jesus Cristo. A seguir, Paulo demonstra por que os cristãos podem e devem ser unidos, porque somos 1) um só corpo, cremos 2) em um só Espírito, temos 3) uma mesma esperança, servimos 4) a um mesmo Senhor, compartilhamos 5) a mesma fé, praticamos 6) um só batismo e temos 7) um só “Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4.4-6). Pode-se considerar isso um resumo da sã doutrina do Evangelho.

No entanto, o grande desafio está em oferecer um preenchimento concreto a esse envoltório. Uma questão crítica é, por exemplo, o único batismo. Será que com isso Paulo exclui o batismo de bebês ou não? Ou o que se entenderá por uma só esperança? Seria preciso que incluísse o Arrebatamento antes da Tribulação? O princípio que decidirá tudo é o exame pela pergunta: anuncia-se a Cristo?

Vamos deter-nos na controvérsia do batismo infantil. Martinho Lutero defendeu com veemência o batismo infantil e protestou contra os anabatistas. Não teria ele com isso entrado em contradição com o batismo único? Esta questão crítica pode ser uma boa medida do grau em que no nosso relacionamento com outros crentes somos mais determinados por nossos sistemas dogmáticos ou pelo propósito do apóstolo Paulo: o principal é que Cristo seja anunciado!
Em Marcos 16 vemos que o batismo se destina a crentes. Em Atos 16 vemos famílias inteiras sendo batizadas. Poderíamos, por um lado, afirmar com cem por cento de certeza que não havia criancinhas pequenas ali? Por outro lado, poderíamos afirmar com cem por cento de certeza que sequer havia crianças pequenas ali? Passados 2.000 anos, não temos como sabê-lo com certeza. O batismo único pode ser uma ênfase para o fato de que os cristãos devem batizar e ser batizados. Parece, todavia, que no mínimo se poderá discutir se apenas o crente adulto deveria ser batizado ou também todas as crianças de toda a sua casa com ele.

Poderíamos acaso afirmar que Martinho Lutero não tenha proclamado o Senhor Jesus Cristo? Um possível problema no nosso julgamento de outros crentes é que pretendemos uma unidade sobre um fundamento irrealista. Aceitamos apenas aqueles cristãos que concordarem conosco em praticamente todos os detalhes, e com isso transformamos criaturas falíveis no padrão de todas as coisas. O padrão da unidade, porém, é muito mais simples: trata-se do Evangelho de Jesus Cristo. Isto não significa que não devamos questionar equívocos na medida em que possamos avaliá-los, e muito menos tolerarmos pecado. Se simplesmente deixarmos valer todos porque citam o nome “Jesus”, não chegaremos a lugar nenhum. Mas convém examinar muito criteriosamente se realmente será necessário lutar e, se for, tratar de aplicar amor, tolerância e paz. E assim finalmente chegamos à resposta para o modo como podemos preservar a unidade.

A resposta ou palavra-chave chama-se humildade. Às vezes precisamos simplesmente nos retrair e considerar morto o nosso orgulho (Rm 6.11). Não é fácil, mas necessário. Se lermos atentamente a Carta de Tiago, perceberemos que seus destinatários tinham seus problemas com orgulho e arrogância. Todos queriam ensinar os outros e ser mestres da igreja. Então, porém, Tiago pergunta àqueles que tanto queriam ser a medida de todas as coisas: “Quem é sábio e tem entendimento entre vocês? Que o demonstre por seu bom procedimento, mediante obras praticadas com a humildade que provém da sabedoria” (Tg 3.13). Isto representa um ataque ao nosso orgulho: nossa sabedoria e nosso entendimento em questões de doutrina não se depreende da nossa bem detalhada dogmática, mas do nosso trato manso com os outros. Esta é a verdadeira sabedoria.
Se vocês abrigam no coração inveja amarga e ambição egoísta, não se gloriem disso, nem neguem a verdade. Esse tipo de ‘sabedoria’ não vem dos céus, mas é terreno; não é espiritual, mas é demoníaco. Pois onde há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males. Mas a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura; depois, pacífica, amável, compreensiva, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera. O fruto da justiça semeia-se em paz para os pacificadores” (Tg 3.14-18).
A unidade no Espírito será possível se demonstrarmos a genuína sabedoria do alto, e essa sabedoria não se manifesta em combatividade, em prepotência ou arrogância, mas na disposição de deixar predominar a mansidão, de exercer misericórdia e de buscar a paz.

Bem entendido: estas palavras constam do capítulo no qual Tiago diz que não convém muitos serem mestres, já que todos nós “muitas vezes” tropeçamos no uso da língua. A unidade no Espírito será possível se demonstrarmos a genuína sabedoria do alto, e essa sabedoria não se manifesta em combatividade, em prepotência ou arrogância, mas na disposição de deixar predominar a mansidão, de exercer misericórdia e de buscar a paz. Com isso, a unidade não começa primariamente com o cristão que na nossa opinião defende uma teologia equivocada e que será indispensável corrigir, mas em nós mesmos - em cada um muito pessoalmente.

Bons cristãos e mestres da Bíblia são pacificadores que se alegram quando Jesus Cristo é proclamado. Por isso Paulo diz: “Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam. Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor. Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.1-3).

O desafio para cada um de nós é não ser orgulhoso, mas humilde; não combativo, mas manso; não teimoso, mas misericordioso. É muito fácil denegrir outros crentes do púlpito, em e-mails, em circulares, em conversas “confidenciais” ou em revistas. A verdadeira grandeza e sabedoria segundo Tiago é algo bem diferente.

Nossa atitude em relação àqueles seguidores de Cristo que talvez não pensam exatamente como nós pode ser similar àquela revelada por Paulo: “Mas que importa? O importante é que de qualquer forma, seja por motivos falsos ou verdadeiros, Cristo está sendo pregado, e por isso me alegro. De fato, continuarei a alegrar-me” (Fp 1.18)


(René Malgo - Chamada.com.br)

http://www.chamada.com.br/mensagens/cristaos_divididos.html