Vários males políticos rondam a nossa era: o insolúvel caso de desumanismo na Coreia do Norte, que chega ao nível do canibalismo; a morta política venezuelana; o povo cubano vivendo num presídio com muros d’água há mais de seis décadas; o conflito enigmático e profundamente controverso em que se encontram a Síria e o Oriente médio, entre tantos outros.
Enfrentamos, também, sérios episódios de crises políticas que não são exatamente desastres como nos exemplos anteriores, mas que mesmo assim não deixam de serem dramáticos. Como a revelação da corrupção sistêmica na Petrobras; a trincheira política em que Donald Trump foi colocado pelos globalistas; a crise político-econômica em que a União Europeia afunda-se atualmente; a interminável crise nuclear no Irã; a Rússia em recorrentes flertes de guerra, etc.
Mas este artigo trata de um mal que parece estar entranhado especificamente em nossa era de “política de Facebook”. Uma doença que já alcançou os alicerces da política nacional e internacional: a idolatria política, os bezerros de ouro dos grandes capitólios e alvoradas. Fetiches das multidões e/ou dos militantes: o político imaculado.
É patente ver o tratamento que a população está dispensando atualmente aos assuntos políticos e em como as disputas republicanas foram transformadas em espetáculo e “brigas de torcida”. Há uma máxima na política moderna e contemporânea de que nunca é bom idolatrar um político ou uma ideologia. Quando se busca o céu na terra, é o inferno o que vai encontrar.
Vivemos num momento em que a crítica política transformou-se em uma espécie de heresia política. Se o ex-presidente Lula é criticado, há um grupo de prontidão para martirizar-se em busca de defendê-lo. Homens e mulheres que moram em casas lajeadas, sem saneamento e, por vezes, desempregados, mas que mesmo assim se dispõem em ir à frente da luxuosa casa do petista em São Bernardo do Campo (SP) para fazer uma vigília diante do monte santo de seu deus. Criticar o deputado Jair Bolsonaro também desencadeia uma multidão de defensores igualmente ativistas e idólatras. Pessoas que chegam ao nível de colocar “Bolsonaro” em seus nomes nas redes sociais, que passam horas por dia vendo vídeos do político e comprando brigas na Internet para defendê-lo. O mesmo ocorre com Dilma, Trump, Hillary Clinton, entre vários outros.
Isso não significa que cada um tenha que ser um estudioso de política ou tenha que acreditar na tolice da imparcialidade. Não, todos possuem políticos e visões preferidas. Concordando mais com uns do que com outros, mas nunca idolatrando ou prestando culto aos seus “santos” nomes. Prudência, a velha e boa recomendação de Russell Kirk.
Em certo sentido devemos sempre ser bons e moderados analistas políticos, reconhecendo a cadência da sensatez e da inteligência. Temos que perceber que os ativismos alienam. Que George Orwell não escreveu 1984 entre lágrimas por um motivo tolo. Que Alexandre Soljnistein, ao escrever Arquipélago Gulag na intenção de retratar o que as políticas de massa causam, não arriscou sua vida à toa. Eles o fizeram justamente para mostrar onde findam as idolatrias a governos e ideologias.
Certa vez, numa agência lotérica, acompanhei um debate pouco produtivo de um eleitor de Aécio e outro de Dilma, ambos quase saíram no tapa e tiveram que ser conduzidos para fora do lugar. Neste momento uma velha senhora fez uma observação que somente a prudência e a experiência poderiam formular: “Deus me livre do fanatismo dos burros”. Quão sensato e magnífico seria esse conselho se ele pudesse agasalhar cada intelecto atualmente.
Não se trata de pedir a vadiagem política ou a alienação de consciência, muito menos pedir para que se anulem as opiniões de cada um. Apenas que cada um pondere e reveja suas críticas. Não é pedir para não defenderem Trump ou Lula, se suas consciências assim determinarem. A questão é não sermos ativistas, é feio, é improdutivo e certamente reduz a massa encefálica.
Devemos nos voltar para nós mesmos e nos colocar no centro, manter o eixo e equilibrar nossas esferas de ação e pensamento. Deixe-me criticar Trump, deixe-me, ao mesmo momento, criticar a política econômica de Henrique Meirelles e os discursos de Dilma. Permita-me não concordar com Lula e muito menos com Michel Temer. Por favor, deixe-me concordar em partes com o Bolsonaro sem ser por isso um “bolsonete”. Lutamos tanto pela democracia e republicanismo para no final acabarmos como ditadores da opinião única? “Afaste de mim, ó Deus, esse cálice pagão do culto diplomático”.
Obviamente que, sendo um liberal, não irei amar a política econômica socialista. Sendo conservador, não espere que eu bata palmas para o relativismo cultural dos globalistas. Isto é ser minimamente coerente, e ser coerente é uma predisposição dos sensatos.
No entanto, isso não quer dizer que eu tenha assinado alguma espécie de contrato de exclusividade e de defesa unânime de uma pessoa ou visão. Se eu não guardar a liberdade para criticar a oposição, mas, principalmente, para criticar a minha própria visão política, eu serei tudo, menos livre. Serei apenas um fantoche do meu ego, ou pior, fantoche de alguma instituição ou diretório.
Punhos cerrados e mãos esticadas em grandes multidões já deixaram cicatrizes nunca completamente fechadas. O populismo é o prenúncio do totalitarismo e idolatrar políticos é o início da idiotização em massa. Admirem, não adorem. Batam palmas, mas não matem e nem morram por um nome numa urna.
Pedro Henrique
Colunista do Instituto Liberal de Minas Gerais, filósofo, crítico social e palestrante. Estudioso de filosofia política com ênfase em política conservadora. Mantém o blog http://medium.com/do-contra Contato: filosofo.pedro.henrique@gmail.com
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