“Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presento à felicidade utópica.”[1]
Não tenho lembrança de tempos, pelo menos desde que consigo
buscá-las, em que se falasse tanto em conservadorismo no Brasil, como
ultimamente. Logo, parece-me importante termos a real noção do que
significa ser conservador, até para não cair no conto do vigário, também
conhecido como conto da narrativa progressista. Uma boa forma de
começar a entender o conservadorismo pode ser (além de cursar as aulas
do Burke) lendo “Ideias Conservadoras” de João Pereira Coutinho.
Coutinho, em poucas páginas, conceitua o que chamamos de conservadorismo
e demonstra sua importância, especialmente nos dias de hoje. Sua
análise, além de ser uma expressão da sua opção política, também se
debruça sobre os pressupostos teóricos e práticos a respeito da visão
tratada neste texto.
Em um podcast para a Folha de S. Paulo & Spotify Studios,
Coutinho explica a razão que o levou a escrever Ideias Conservadores.
Mais especificamente, como ele vê a situação dos brasileiros que se
assumem como sendo “de Direita”. O autor analisa que a situação
brasileira está em um nível reacionário, quase esquizofrênico, aonde o
ato de assumir o extremismo representa uma ameaça à direita moderada, a
saber, um populismo de direita.
Essa observação é importante para o tema que vamos abordar aqui neste
texto: falaremos de um segmento essencial para a manutenção e
preservação da sociedade, e que só pode manter-se efetivo se defendido e vivido da forma correta, visando o bem comum, na perspectiva de Tomás de Aquino e Leão XIII[2], e sobretudo, com a capacidade de reconhecer quando chega a hora de reformar determinada prática ou pensamento.
O verdadeiro conservadorismo, implica na análise ponderada do
instituto da preservação de algo: não devemos implodir um prédio (ou
demolir) por simplesmente ser antigo ou não nos atender mais. Devemos
(pelo menos é o que se espera) ser inteligentes o suficiente para
avaliar se as fundações da edificação estão intactas e se não seria
muito melhor que o prédio fosse apenas reformado. Na maioria das vezes, a
implosão do prédio resultaria em um custo muito maior do que sua
reforma. O conservadorismo provém de uma observação prudente, o que nos
conduz a perceber os benefícios de se manter determinada instituição,
iniciando por nossas casas – conforme preleciona o filósofo Plutarco, “quando o alicerce de uma família não é fundado com rectidão, o destino será desgraçado para a descendência”[3]
É comum ver algumas minorias inflamadas dizendo que a instituição da
família tradicional deve ser implodida, e que existem novas formas para
substitui-la. Mas, basta algumas dezenas de minutos observando a
história da humanidade, e constataremos que a família tradicional
sobrevive ao teste do tempo há mais de 6 (seis) mil anos, quiçá 10 (dez)
mil anos. A pergunta que não quer calar é: Será que substituiríamos
algo consolidado por tantos milênios, em troca do desconhecido?
O modelo tradicional de família, conforme a experiência dos anos pode
nos provar, é de bons ensinamentos para ações virtuosas, conforme
ensina o poeta Focílides de Mileto (séc. VI a.C.). Conservar o modelo
tradicional de família não é ser reacionário, a ponto de querermos
voltar no tempo e regredir à família das cavernas, ou na Grécia Antiga
em que os filhos precisariam crescer e se desenvolver nos moldes da
perfeição, tanto intelectual, quanto física. Na verdade, desde o
nascimento, os bebês passavam por severas avaliações para que suas vidas
fossem “legitimadas”:
Os espartanos […] se preocupavam com a reprodução da população da
cidade, mas simples números não eram suficientes. A qualidade era
importante. Portanto, os recém-nascidos era submetidos a um ritual de
inspeção e avaliação realizado pelos “anciãos das tribos”, nas palavras
de Plutarco. Os bebês eram imersos em uma banheira contendo,
provavelmente, vinho não diluído, para que se observasse sua reação. Se
não passavam no teste, as consequências eram fatais. Os bebês eram
levados a um lugar misteriosamente denominado “o depósito” e lançados à
morte certa em uma ribanceira. Isso também ocorria com os bebês que
tivessem a infelicidade de nascer com alguma deformidade ou deficiência
séria e imediatamente visível.[4]
Quando tratamos de conservar o modelo tradicional de família, também
estamos nos referindo às pessoas lúcidas, com bom senso. É muito comum o
ataque progressista de que o conservador é um simpatizante das práticas
antigas que violavam à dignidade humana. Errado, isso não guarda
relação com ser conservador: aquele que avaliou todos os pressupostos de
algo que é comprovadamente bom, também tem capacidade de reconhecer
aquilo que é ruim – isso é tão fato, que o conservador consegue
reconhecer que anos de doutrinação marxista são péssimos para a
humanidade, e que tal pensamento merece ser descartado e combatido, para
que não macule o seio das nossas famílias.
Em uma democracia, todos devem ter liberdade para fazer o que
quiserem (desde que não seja proibido em lei), inclusive e
principalmente defender suas crenças. Logo, se os conservadores
valorizam, por exemplo o casamento monogâmico e heterossexual, podem e
devem proteger suas famílias do discurso contrário, garantindo, assim,
que seus filhos não sejam doutrinados pela compreensão progressista de
união entre pessoas. Logicamente que tal defesa deve ser urbana e
baseada no respeito.
A toada progressista não está satisfeita em efetivar a liberdade de
expressão e crença: eles querem promover uma imposição, algo como: “você
tem que aceitar o meu modelo de família como único válido, e
acrescenta-lo ao seu estilo de vida.” Diferente de tempos passados em
que o respeito era suficiente, e a possibilidade de considerar algo como errado
era protegido, hoje estamos na era da nova tolerância, aonde todas as
visões devem ser consideradas como válidas, menos a visão cristã de
família.
Esse pseudomodelo de família implica necessariamente na metodologia
do SELF: agradar a si mesmo e dar prazer. A bênção da procriação, a
venustidade do sexo entre homem e mulher, o provimento do lar, o
ensinamento das virtudes para às crianças, tudo isto e muitos outros
pontos estão sendo considerados como um modelo a ser combatido, em troca
do utilitarismo: união entre pessoas do mesmo sexo, mães de pet’s,
zoofilia, aborto permitido, aborto por gênero, poligamia, e assim por
diante – são pontos que prenunciam a ruína de uma civilização, se não
forem resistidos até o fim.
Será que este modelo progressista de família resistiria ao teste do
tempo? Será que daqui há duzentos ou trezentos anos teríamos humanidade
para contar história? Pela resposta facilmente constatada à essas
perguntas, eu prefiro aquilo que já foi testado do que o que nunca foi
provado; o fato ao mistério; a família – com seus problemas, mas sendo
reformada ao longo da história – do que a extinção da humanidade.
Estes são alguns dos motivos pelo qual sou conservador.
Notas:
[1]
Oakeshott, Rationalism in Politcs, p. 408 apud COUTINHO, João Pereira.
As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários. São
Paulo: Três Estrelas, 2018. p. 22.
[2] O bem comum na Rerum Novarum: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html[3] PLUTARCO. Obras Morais. Da Educação das Crianças. Colecção Autores Gregos e Latinos. Coimbra, 2008. Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. p. 32.
[4] CARTLEDGE, Paul. Thermopylae: the battle that changed the World. New York: Vintage, 2006. p. 80.
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