Pode parecer trivial, mas não é. Legalidade, moralidade e licitude são facetas distintas e que nem sempre são intercambiáveis, ainda mais quando colocadas sob o prisma da Escritura. Esta tríade deve ser constantemente levada em conta e ponderada durante nossos afazeres, sejam no cotidiano ou nalguma situação específica.
Vejamos um exemplo típico:
Um cristão se depara com um imóvel à venda. O preço: 30% do valor de
mercado. Ou seja, uma casa que normalmente seria vendida por
R$200.000,00, está sendo oferecida por R$60.000,00. Parece um excelente
negócio, certo?
Do ponto de vista da legalidade, tal venda pode ser legal, isto é, de acordo com a lei que rege a vontade das partes - pacta sunt servanda (o
pacto faz lei entre as partes) - não haveria problema algum em se
vender pelo preço que se bem entende. Todavia, poderia configurar
sonegação de impostos, levando o Ministério Público a averiguar se,
embora tenha havido um contrato no valor firmado, não foram pagos os
R$140.000,00 restantes "por fora", a fim de "aliviar" o imposto de renda
do comprador e vendedor.
Do ponto de vista da moralidade, tal venda jamais deveria
acontecer, supondo que de fato fosse vendida somente por R$60.000,00,
pois ninguém em sã consciência vende algo tão abaixo do preço, exceto se
estiver extremamente endividado e precisar do dinheiro "para ontem". O
comprador cristão, vendo o sufoco em que o vendedor se encontra, não
deveria "acabar por puxar a corda" e o enforcar, mas, sim, oferecer um
preço justo pela casa - talvez não os 200 mil iniciais, mas algo
próximo.
Do ponto de vista da licitude, tal venda é plenamente lícita,
afinal, houve acordo entre as partes. Não havendo algum dos tradicionais
vícios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão,
fraude contra credores e a simulação), o negócio é lícito, não havendo
que se arguir coisa alguma.
O que isso nos ensina? Nos ensina que nem sempre porque alguma coisa
está na Lei (agora me refiro à lei dos homens), significa que é legal ou
moral, ainda que lícita.
Ainda outro exemplo:
Um cristão expondo o evangelho em sua Universidade, é proibido de continuar falando de Cristo.
Do ponto de vista da legalidade dos homens, eles veem o cristão
como um transgressor, pois mesmo tendo o direito Constitucional à
liberdade religiosa (Art. 5º, CF), essa suposta liberdade não pode ferir
a liberdade de outrem em não querer ouvir. Desta forma, o cristão
oscila entre a legalidade e ilegalidade dos homens, mas tem a legalidade
bíblica ao seu lado.
Do ponto de vista da moralidade, o cristão estará sendo imoral,
pois à vista dos homens é alguém que deseja impor suas crenças sob os
demais (ainda que não seja isso). Para o cristão, porém, falar da
Escritura é a mais reta, pura, justa e desejável moralidade, de maneira
que mesmo se tendo por imoral, ele continuará a falar - buscando, dentro
do possível, respeitar a legalidade dos homens.
Do ponto de vista da licitude, o cristão está realizando algo
plenamente lícito, pois a ninguém está obrigando coisa alguma, mesmo que
os homens digam que não é moralmente correto ele continuar com sua
anunciação do evangelho.
O que novamente aprendemos? Que nem sempre algo imoral do ponto de vista
dos homens, será, necessariamente, imoral sob o foco da Escritura.
Não desejando soar cansativo, vejamos um último exemplo onde vemos a licitude sendo tolhida.
Um cristão deseja escutar algum grupo musical, mas não tendo dinheiro
para adquirir o "CD", se vê tentado à baixar toda a discografia da banda
gratuitamente, entretanto, de modo "pirata".
Do ponto de vista da legalidade, ele está diante de uma norma
legal sem qualquer eficácia, pois ainda que o comércio pirata seja
ilegal, já existem decisões dos tribunais que reconhecem a legalidade
dos downloads, desde que para uso pessoal. Ou seja, é ilegal, mas ao
mesmo tempo é legal. Como muitas vezes as decisões dos tribunais se
sobressaem à norma escrita, passou a ser legal.
Do ponto de vista da moralidade, o cristão se vê diante de um
problema: passou a ser legal, mas será que é moral? Caso o cristão
estivesse do lado do grupo musical, ele gostaria de ver todo seu
trabalho sendo pirateado pela internet? Pode ser que sim, mas pode ser
que não. Ele fica, então, em fogo cruzado, pois de um lado a Escritura
diz que devemos obedecer aos magistrados, por outro lado, ela também diz
que devemos não furtar o próximo. Já a legalidade diz que é moralmente
aceito fazer o download, ao passo que o grupo musical pode não ver desta
forma.
Do ponto de vista da licitude, se percebe que é lícito baixar,
pois é legal (passou a ser, em verdade), no entanto, esta licitude é por
demais relativa. Assim, embora o cristão tenha a legalidade e a
moralidade do mundo ao seu favor, diante de Deus acaba por se tornar
ilícito baixar tais músicas em face da não aceitação desta norma legal
pelo grupo musical.
Portanto, amado cristão, verifique muito atentamente todas as ocasiões
que se descortinam diante você. Nem sempre porque está na Lei dos homens
(Código Civil, Penal...), será moral. Não é porque a Lei condena que
também será sempre imoral (como pregar o evangelho, por exemplo). De
igual forma, não é porque algo é lícito à luz dos homens, que será moral
e legalmente correto diante de Deus.
"Todas as coisas [permitidas no evangelho] me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma" (1Co 6.12).
http://2timoteo316.blogspot.com.br/2013/08/a-importante-diferenca-entre-legalidade.html
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