Facção fundamentalista que emergiu na Síria e estendeu braços até o Iraque apavorou o mundo com execução de jornalista americano em frente às câmeras
por Léo Gerchmann
Terror com apelo internacional não é novidade em décadas de atentados cruentos, como o perpetrado contra a equipe israelense na Olimpíada de Munique em 1972, o 11 de Setembro no coração da América, em 2001, ou os que puseram abaixo a embaixada de Israel em Buenos Aires e a Associação Mutual Israelita Argentina, em 1992 e 1994. Isso só para citar casos na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina.
Um grupo fundamentalista islâmico, porém, eleva o alerta soado pelo Ocidente: o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Desde que passou a governar um “califado”, desprezando fronteiras em nacos do Iraque e da Síria, o grupo se autodenomina como o Estado Islâmico (EI).
A cena simbólica que estarreceu o mundo foi a da execução do jornalista americano James Foley. O vídeo correu o mundo. Vestindo um macacão laranja, Foley é decapitado lentamente. A figura do algoz chocou em especial o governo da Grã-Bretanha, também pelo áudio. Ele falava inglês com sotaque britânico.
Autoridades ocidentais manifestam a preocupação com algo nunca antes visto, pela brutalidade com que o EI trata “infiéis” (quem não segue o islamismo sunita e se recusa à conversão é executado), pelas pretensões de estabelecer o califado ignorando as fronteiras estabelecidas cem anos atrás – após a I Guerra Mundial – e pelos tentáculos de recrutamento em países como Grã-Bretanha, Espanha, Itália e EUA.
A ousadia se dá, ainda, na forma como o grupo se financia e administra as regiões das quais toma conta. Até o papa Francisco estaria na mira do EI, conforme publicou jornal italiano Il Tempo, por ser o representante máximo do cristianismo.
– Os EUA tradicionalmente têm preocupação com o petróleo na região e, em especial, com o terrorismo. Além da violência, o EI ignora fronteiras nacionais posteriores à I Guerra Mundial e quer estabelecer um califado, que é a volta à Idade Média, com um governo terrorista. Isso assusta e faz o governo americano voltar suas atenções para o Oriente Médio – diz Christian Lohbauer, cientista político e especialista em História do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional, da Universidade de São Paulo (USP).
Bandeira negra, misericórdia zero
O “modus operandi” é outro aspecto que causa impressão. Quando conquista uma região, o EI pendura sua bandeira preta no prédio mais alto e, imediatamente, parte para a busca de adesões, enfatizando a prestação de serviços sociais em regiões carentes, devastadas pela guerra.
Os combatentes distribuem pen drives com cânticos jihadistas e vídeos nos quais mostram operações militares do grupo, além de folhetos orientando a excomungar outras vertentes do islamismo que não a sunita e repudiando a cultura ocidental e o conceito de democracia.
Aos poucos, com esses instrumentos, impõem o exercício da Sharia – a legislação islâmica. Grupos como os da etnia yazidi foram obrigados a fugir aos magotes. No caso deles, não há sequer a possibilidade de conversão para ter a vida poupada. O EI os vê como adoradores do demônio. Quando caem nas mãos dos insurgentes, sofrem sevícias e execuções sumárias.
ONU apela por justiça
O Estado Islâmico teria entre 12 mil e 20 mil militantes. Integra a corrente sunita, vertente majoritária do islamismo (mais de 80%). A Organização das Nações Unidas (ONU) não esconde a preocupação, e os EUA tendem até a se aliar a adversários para combater um “mal maior”. Seria o caso do ditador sírio Brashar al-Assad, um alauíta (vertente do xiismo), adversário ferrenho do EI.
Em comunicado, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, diz: “O EI e os grupos armados associados cometem a cada dia graves e horríveis violações dos direitos humanos. Atacam sistematicamente homens, mulheres e crianças em razão de sua origem étnica ou religiosa e realizam uma limpeza étnica e religiosa sem piedade nas regiões que controlam”. Depois, na mesma nota, faz um “apelo à comunidade internacional” para “que os autores desses crimes odiosos não fiquem impunes”.
No livro O Retorno dos Jihadis: o Estado Islâmico e o novo Levante Sunita (The Jihadis Return: ISIS and the New Sunni Uprising, inédito em português), Patrick Cockburn, correspondente do jornal britânico The Independent no Oriente Médio, critica os EUA por apoiar o Iraque, mas manter a atuação contrária ao ditador sírio: “A política dos EUA, da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico é derrubar o presidente Bashar al-Assad, que vem a ser a política do EI e de outros jihadis na Síria. Se Assad cair, o EI será o beneficiário. (...) Há uma falsa ideia em Washington de que existe uma oposição moderada síria sendo ajudada pelos EUA, pelo Catar, pela Turquia e pelos sauditas (...). Logo o califado pode se estender da fronteira iraniana até o Mediterrâneo, e a única força que pode possivelmente impedir que isso aconteça é o exército sírio”. Cockburn vai além na crítica aos EUA, dizendo que a “guerra ao terror” falhou porque “não mirou no jihadismo como um todo e na Arábia Saudita e no Paquistão (aliados americanos na região).
Resposta a rebeldes divide líderes mundiais
As imagens que rodaram o mundo mostrando cenas como as de execuções em massa com presos perfilados de cuecas ou a do jornalista tendo o pescoço serrado por um terrorista estão mexendo com a comunidade internacional. A Casa Branca disse na última sexta-feira que ainda não tem planos para aumentar o nível de alerta por terrorismo nos Estados Unidos, apesar da decisão da Grã-Bretanha de aumentar o seu a “severo”.
– Não antecipo neste momento que exista um plano para mudar este nível – disse o porta-voz da Casa Branca Josh Earnest, segundo a agência de notícias France Presse (AFP) ao ser perguntado se Washington planejava emitir um alerta similar para os americanos sobre a ameaça de eventuais operações do
Estado Islâmico.
Nos EUA, os alertas contra ameaças terroristas são emitidos caso a caso pelo Departamento de Segurança Interna, e não há alertas em vigor. Funcionários de alto escalão da segurança nacional dos Estados Unidos estão em contato direto com seus colegas britânicos, cotidianamente, sobre o tema.
Já os países do Golfo, potenciais sócios de Washington contra o EI, mantiveram nesta semana negociações, inclusive com o Irã, embora os especialistas duvidem da formação rápida de uma potente coalizão para lutar contra os jihadistas.
Os especialistas consideram que as grandes divergências e rivalidades entre alguns Estados do Golfo os impedirão de atuar lado a lado. Na falta de uma estratégia, o presidente americano, Barack Obama, rejeitou na quinta-feira bombardeios no médio prazo na Síria e sublinhou a necessidade de se apoiar em “sócios regionais fortes”. O secretário de Estado americano, John Kerry, deve viajar em breve ao Oriente Médio.
No centro das reuniões no Golfo, encontra-se o ministro saudita das Relações Exteriores, o príncipe Saud al-Faysal, que desde domingo passado se reuniu com vários países vizinhos e inclusive com o Irã.
Após um encontro sobre a Síria, em um comunicado conjunto Egito, Emirados Árabes Unidos (EAU), Catar e Jordânia mostraram sua vontade de agir seriamente contra o avanço do extremismo. O príncipe Faysal recebeu dois dias depois o vice-ministro iraniano das Relações Exteriores, Hossein Amir Abdolahian, no primeiro encontro a este nível desde a eleição do presidente iraniano, Hassan Rohani, há mais de um ano.
A Arábia Saudita sunita e o Irã xiita mantêm habitualmente relações tensas. O encontro abordou os “desafios que a região enfrenta, como o extremismo”, segundo um diplomata iraniano. Enquanto a comunidade internacional aborda a situação no Iraque e na Síria, o Catar mantém uma crise diplomática há seis meses com Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Em março, os três
países chamaram para consultas seus embaixadores em Doha, ao acusar o Catar de se envolver em seus assuntos e de desestabilizar a região devido ao seu apoio ao movimento islâmico e à Irmandade Muçulmana.
Frente teerã-Ryhad deve ser pontual
Frederic Wehrey, especialista sobre o Golfo no instituto Carnegie Endowment for International Peace, mostrou-se, em entrevista para a AFP, prudente sobre a formação de uma frente árabe comum e de uma coalizão militar contra o EI, já que os países têm problemas para cooperar militarmente entre eles devido à desconfiança mútua.
Wehrey também não considera que a “hostilidade mútua de Ryadh e Teerã em relação ao EI evolua até uma cooperação realmente positiva”, já que existem outros assuntos estratégicos que separam os dois países.
– Não são apenas as divisões sunitas versus xiitas e persas versus árabes, mas também Síria, Líbano, Bahrein, o programa nuclear (iraniano) e, em especial, a presença americana na região que Riad quer e Teerã rejeita – analisa.
Mais de 3 milhões de sírios fugiram do país em razão da guerra civil e das atrocidades do EI. “A crise síria se tornou a maior emergência humanitária do nosso tempo. Contudo, o mundo não consegue responder às necessidades dos refugiados e dos países de acolhimento”, lamenta, em comunicado, o Acnur, braço da ONU para refugiados. A ONU estima que 191 mil pessoas morreram no país desde março de 2011.
Extraído do site:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/08/as-origens-e-a-brutalidade-do-grupo-terrorista-estado-islamico-4587195.html
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