“Se você pedir, Deus vai ter que lhe conceder”, “Deus é um Pai rico, portanto, podes exigir a tua herança que ele será obrigado a te dar”.
Estas frases são muito populares na atualidade. Basta estar ligado ao movimento neopentecostal que tais sentenças serão multiplicamente ouvidas. Basta ligar a televisão em um culto deste gênero ou mesmo assistir a um vídeo na internet. Estas frases resultam de uma visão altamente humana e racionalizada de Deus onde a funcionalidade de Deus “foi descoberta”. Deus existe para que o ser humano viva bem, esta é a única função de Deus. A prova da existência de Deus é o seu agir no subjetivo tocante à vida. Em outras palavras: a experiência pessoal atesta que Deus existe. Desta maneira, ao provar subjetivamente a existência de Deus, sabe-se como Deus funciona. Sabendo como Deus funciona, pode-se usá-lo como ferramenta, como objeto a um favor próprio.
O teólogo, físico e matemático moderno Isaac Newton (1642-1727) viveu em um período onde o empirismo e a racionalização das coisas naturais estavam ascendendo. Real é tudo aquilo que pode ser provado, experimentado e testado. Ao mesmo tempo, real é tudo aquilo onde este processo possa ser repetido. O que não pode ser repetido não é real. O mesmo período é marcado pelo subjetivismo onde as experiências pessoais é que contam. Descobre-se, por exemplo, que a natureza é guiada por razões físicas que, inclusive, podem ser matematicamente exprimíveis, o que excluí a interferência de qualquer divindade. Real é aquilo que se pode matematicamente formular. A força do Deus criador que controla e cuida da natureza é substituída por leis naturais. No entanto, o próprio Isaac Newton acreditava em Deus. “Para ele, Deus era o agente da força gravitacional por meio de um agente divino e imaterial”.[1] Citando o próprio Newton: “Esse Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo, mas como Senhor de tudo; e por causa de seu domínio, tem-se o costume de ser chamado Senhor Deus παντοκράτωρ, ou Régua Universal”.[2] Logo, a função da física é estudar a física, isto é, o material e o natural. A física não é capaz de estudar a metafísica (Deus) que criou e cuida da física. Neste caso, a existência de Deus para Newton é uma existência para além da física, mas de forma alguma nula. O agir metafísico de Deus na criação não é igual a zero, mas, ao mesmo tempo, não pode ser mensurado. Deus não entra nos sistemas humanos. Ou seja: Deus está além da física e não pode ser mensurado. Seu poder está no âmbito do Todo-Poderoso (παντοκράτωρ) que é demais para o ser humano.
Newton lançou suas três famosas leis consciente de que o Criador está acima delas e que tal Criador não pode ser configurado e estudado a partir delas. As suas leis estão interessadas em explicar fenômenos físicos, mas não metafísicos, pois os fenômenos metafísicos são demais para que o ser humano possa mensurar. Ao mesmo tempo, Jo 1 relata a vinda à terra do Deus que não nega o mundo físico, mas que se torna σὰρξ. O Deus totalmente outro metafísico se torna totalmente aqui físico através de sua revelação na pessoa e obra de Jesus Cristo. Portanto: conhecimento de Deus implica revelação de Deus. Deus se revela na sua palavra e em Jesus Cristo. Fé cristã é fé revelada. Somente quem recebe o dom da fé é que poderá crer em Deus. O estudo racional de Deus não se baseia em outra coisa senão na revelação, isto é, naquilo que o próprio Deus disse de si mesmo. A partir do dom da fé, recebida do próprio Deus, pode-se estudar o que Deus disse sobre si mesmo, mas sem a fé, tanto as escrituras como a obra da pessoa de Jesus Cristo não fazem sentido algum. Deus não pode ser totalmente absorvido pelos seres humanos, mas somente aquilo que ele mesmo revelar aos homens é que se pode conhecer e estudar. Nisto, como afirmou Martin Lutero, pode-se “deixar Deus ser Deus”.
A Terceira Lei de Newton diz: “A toda ação há sempre uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempres iguais e dirigidas a partes opostas”.[3] Em síntese: toda ação provoca uma reação. No início foram citadas algumas frases. Elas possuem muita similaridade com a Terceira Lei de Newton: se você fizer aação de determinar algo a Deus, ele vai ter que reagir aceitando o seu pedido. Percebe-se que o mundo neopentecostal não só tem sua ideologia da prosperidade na lógica do Pai rico que deixou uma herança para seus filhos, mas também em uma lógica reacionista onde “compreendeu-se” o agir de Deus, isto é, como Deus funciona e, a partir disso, como se usa Deus para o que bem se aprouver. Deus foi obrigado a aceitar uma lei natural da ordem das coisas. Deus passou a ser enquadrado na regra do “tem que”. Em outras palavras, o próprio Deus não pôde escapar das leis que queriam explicar fenômenos naturais e não sobrenaturais, físicos e não metafísicos. Nota-se que, a partir desta lógica, o Deus metafísico que se torna, humildemente, físico na sua humilhação de cruz (Jo 1.1-14, Fp 2.5-8) não é crido pela fé, mas pela razão. A loucura da Cruz (1 Co 1.18-25) foi transformada em lucidez, senso, juízo e sanidade pela racionalidade humana. É muito mais fácil e compreensível para a mentalidade humana abster-se do Deus ilógico, incalculável, imensurável e informulável para a aceitação de algo que seja saciável e concordante com a razão. Crer no Deus que é obrigado a saciar as necessidades físico-materiais-emocionais humanas é mais fácil do que crer no Deus que morre loucamente na cruz. Acreditar na prosperidade é mais fácil do que acreditar no Deus que acompanha e sente a dor com o ser humano em meio ao seu sofrimento. Perceba: Nem tudo que concorda com a razão, concorda também com a realidade. É na demência, na insanidade, no paradoxo que se encontra a fé cristã: Deus morreu na cruz. Ele também ressuscitou, mas as marcas, isto é, as chagas permaneceram: foi um fato único que não pode ser repetido, por isso a fé! A partir do dom da fé, recebida do próprio Deus, pode-se estudar o que Deus disse sobre si mesmo, mas sem a fé, as escrituras não fazem sentido algum. A loucura da cruz não faz sentido, mas pela fé, pode-se crer que dessa loucura Deus produz consolo, acompanhamento e salvação.
Fé cristã não é a fé que possui o seu centro na salvação, mas que possui o seu centro no evento de Jesus Cristo que produziu a salvação. Fé cristã é revelação crida somente pela fé e que racionaliza apenas o que se deixou para ser racionalizado: aquilo que Deus já falou sobre si mesmo nas Escrituras e em Jesus Cristo. Da mesma forma, leis naturais são para explicar fenômenos naturais. Leis físicas existem para explicar fenômenos físicos. Neste sentido, a fé não anula a razão e a razão não anula a fé. Religião e Ciência podem e precisam andar juntas, pois a Religião só é outro tipo de ciência, com outro “objeto”; a ciência só é outro tipo de religião, com outras divindades. Neste caso, a religião possui, através da ciência, bons métodos e a ciência, através da fé cristã, o verdadeiro Deus. Como disse Albert Einstein (1879-1955):
“Ciência sem religião é paralítica, religião sem ciência é cega”. [4] Ou como disse Carl Sagan (1934-1996):
“Se um Deus Criador existe, Ele ou Ela, qualquer que seja o pronome adequado, vai preferir um bronco que adore sem nada entender? Ou vai preferir que seus devotos admirem o universo verdadeiro em toda a sua complexidade? Sugiro que a ciência é, pelo menos em parte, adoração informada. Minha crença profunda é que, se existe um deus do tipo tradicional, nossa curiosidade e nossa inteligência nos são dadas por este mesmo deus”.[5]
Da mesma forma, é inútil determinar o que Deus deve ou não deve fazer, pois Deus é Deus e os seres humanos são humanos. Isso não significa que não existam milagres ou prosperidade, mas tais fenômenos não estão sob o ser humano, mas somente sob Deus. Inclusive, pode-se pedir os ditos cujos a Deus, mas a sua realização está debaixo da soberana vontade de Deus. Ainda assim, o ser humano pode contentar-se com o Deus louco que falece por ele na cruz e que nela sentiu todas as suas dores e conhece cada resquício de sofrimento. Na cruz, Deus sente a pobreza e a doença humanas. Esse ilógico e louco consolo é verdadeiro, pois pode ser crido e recebido somente pela fé, por causa de Cristo.
NOTAS:
[1] BARRETO, Márcio. Física para o Ensino Médio. Campinas: Papirus, 2002. p. 39.
[2] VERNOR, Thomas (ed). Philosophers Speak for Themselves: From Descartes to Locke. Chicago: The University of Chicago Press, 1940. p. 336. Tradução própria.
[3] BARRETO, Márcio. Física para o Ensino Médio. Campinas: Papirus, 2002. p. 26.
[4] BRAKEMEIER, Gottfried. Ciência ou Religião. Quem vai conduzir a história?. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2006. p. 25.
[5] SAGAN, Carl. Variedades da Experiência Científica. Uma Visão Pessoal da Busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 51.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Márcio. Física para o Ensino Médio. Campinas: Papirus, 2002.
BRAKEMEIER, Gottfried. Ciência ou Religião. Quem vai conduzir a história? São Leopoldo: Sinodal/EST, 2006.
SAGAN, Carl. Variedades da Experiência Científica. Uma Visão Pessoal da Busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
VERNOR, Thomas (ed.). Philosophers Speak for Themselves: From Descartes to Locke. Chicago: The University of Chicago Press, 1940.
http://teoligado.blogspot.com.br/2014/08/a-terceira-lei-de-newton-e-o.html
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