A Reforma Protestante do século XVI foi um fenômeno variado e complexo, que incluiu fatores políticos, sociais e intelectuais. Todavia, o seu elemento principal foi religioso, ou seja, a busca de um novo entendimento sobre a relação entre Deus e os seres humanos.
Neste artigo, Alderi Matos fornece um resumo histórico da Reforma Protestante:
Neste artigo, Alderi Matos fornece um resumo histórico da Reforma Protestante:
1. Antecedentes – final da Idade Média
1.1 Os Estados Nacionais
Nos séculos que antecederam a Reforma
Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto
político e social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. No
final da Idade Média, houve o surgimento dos chamados “estados
nacionais”, as modernas nações européias, o que representou uma grande
ameaça às pretensões do papado. Na Alemanha (Sacro Império Romano),
Rudolf von Hapsburg foi eleito imperador em 1273. Em 1356, um documento
conhecido como Bula de Ouro determinou que cada novo imperador seria
escolhido por sete eleitores (quatro nobres e três arcebispos). Havia
descentralização política, isto é, o poder dos príncipes limitava a
autoridade do imperador, e forte tensão entre a igreja e o estado.
Na França, houve o fortalecimento da
monarquia com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse rei enfrentou com
êxito o poder da Igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o
primeiro estado nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se
pela primeira vez em 1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de
Eduardo I (†1307), que subjugou os nobres e enfrentou com êxito o papa
na questão de impostos.
1.2 O Declínio do Papado
Este período começa com o pontificado de
BonifácioVIII (1294-1303), um papa arrogante e ambicioso que entrou em
confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e da autoridade
papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos, na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili (“Escuta, filho”), dirigida ao rei francês, e Unam Sanctam (1302),
denominada “o canto do cisne do papado medieval”. Irritado com as ações
papais, Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês
após ser libertado.
Seguiu-se um período de crescente
desmoralização do papado. Clemente V (1305-1314), um papa francês,
transferiu a Cúria, ou seja, a administração da Igreja, para Avinhão, ao
sul da França, no que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da
Igreja” (1309-1377). Em toda parte, cresceram as críticas às
extravagâncias e ao luxo da corte papal. João XXII (1316-1334)
mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para cobrir essas
despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que houve
dois e posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa
(1378-1417). Diante dessa situação constrangedora, surgiu em toda a
Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos membros”.
1.3 O Movimento Conciliar
Durante o “Grande Cisma”, cada papa
considerou-se o único legítimo e excomungou o rival. Assim, houve a
necessidade de um concílio para resolver a crise. O Concílio de Pisa
(1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois recusaram-se a serem
depostos, resultando em três papas ao mesmo tempo. João XXIII, o segundo
papa pisano, convocou o Concílio de Constança (1414-1417), que depôs os
três papas, elegeu Martinho V como único papa, decretou a supremacia
dos concílios sobre o papa e condenou os pré-reformadores João Wycliff,
João Hus e Jerônimo de Praga. O Concílio de Basiléia (1431-1449)
reafirmou a superioridade dos concílios. Finalmente, o Concílio de
Ferrara-Florença (1438-1445) tentou a união com a Igreja Ortodoxa
(frustrada pela conquista de Constantinopla pelos turcos em 1453) e
reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa fracassada de tornar a
Igreja mais democrática e governá-la através de concílios ficou
conhecida como conciliarismo.
1.4 Movimentos dissidentes
Outro aspecto desse período de
efervescência foi o surgimento de alguns movimentos dissidentes no sul
da França que despertaram forte oposição da Igreja Católica. Um deles
foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses (da cidade de
Albi), surgidos no século 11. Caracterizavam-se por um sincretismo
cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo radical (espiritual x
material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4° Concílio
Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para
combater esses e outros hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233.
Outro movimento foi liderado por Pedro
Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião, cujos seguidores ficaram conhecidos
como “homens pobres de Lião”. Tinham um estilo de vida comunitário,
ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte),
incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório.
Condenados pelo Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos,
refugiando-se em vales remotos e quase inacessíveis dos alpes italianos.
Mais tarde, abraçaram a Reforma Protestante, sendo assim uma das poucas
Igrejas protestantes anteriores à Reforma do Século 16.
1.5 Primeiros Movimentos de Reforma
Nos séculos 14 e 15, surgiram alguns
movimentos esporádicos de protesto contra certos ensinos e práticas da
Igreja Medieval. Um deles foi encabeçado por João Wycliff (1325?-1384),
um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Wycliff atacou as irregularidades do clero, as superstições (relíquias,
peregrinações, veneração dos santos), bem como a transubstanciação, o
purgatório, as indulgências, o celibato clerical e as pretensões papais.
Seus seguidores, conhecidos como os lolardos, tinham a Bíblia como
norma de fé que todos devem ler e interpretar.
João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e
professor da Universidade de Praga, na Boêmia, foi influenciado pelos
escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma vida semelhante à de
Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os eleitos são membros
da igreja e que o seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia na
autoridade suprema das Escrituras. Hus foi condenado à fogueira pelo
Concílio de Constança. Seus seguidores ficaram conhecidos como Irmãos
Boêmios (1457) e foram muito perseguidos. Foram os precursores dos
Irmãos Morávios, que veremos posteriormente, outro grupo protestante
cujas raízes são anteriores à Reforma do século 16. Outro indivíduo
incluído entre os pré-reformadores é Jerônimo Savonarola (1452-1498), um
frade dominicano de Florença, na Itália, que pregou contra a
imoralidade na sociedade e na Igreja, inclusive no papado. Governou a
cidade por algum tempo, mas finalmente foi excomungado e enforcado como
herege.
1.6 Movimentos Devocionais
Além dos movimentos que romperam com a
Igreja, houve outros que permaneceram na mesma por se concentrarem na
vida devocional, sem críticas aos dogmas católicos. Um deles foi o
misticismo, bastante forte na Inglaterra, Holanda e especialmente na
Alemanha (Reno). Os principais místicos dessa época foram Meister
Eckhart (†1327); Tauler (†1361) e os “Amigos de Deus”, Henrique Suso
(†1366) e mais tarde o célebre teólogo e líder eclesiástico Nicolau de
Cusa (1401-1464). O misticismo dava ênfase à união com Deus, ao amor, à
humildade e à caridade, e produziu uma belíssima literatura devocional.
Outro importante movimento foi a Devoção
Moderna, que se manteve forte durante todo o século 15. Suas ênfases
recaíam sobre a espiritualidade, a leitura da Bíblia, a meditação e a
oração. Também valorizava a educação, criando ótimas escolas. Foi um
movimento leigo, para ambos os sexos, e também exerceu grande influência
sobre os reformadores protestantes. Os participantes eram conhecidos
como Irmãos da Vida Comum. A obra mais importante e popular produzida
por esse movimento foi o belíssimo livreto devocional A Imitação de Cristo (1418), escrito por Thomas à Kempis.
1.7 Os humanistas bíblicos
O interesse pelas obras da Antiguidade
levou ao estudo da Bíblia nas línguas originais pelos chamados
humanistas bíblicos. Os principais deles foram o italiano Lorenzo Valla
(†1457), estudioso do Novo Testamento; o inglês John Colet (†1519),
estudioso das epístolas paulinas; o alemão Johannes Reuchlin (†1522),
notável hebraísta; o francês Lefèvre D’Étaples (†1536), tradutor do Novo
Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã (1466?-1536), “o príncipe
dos humanistas”, que publicou uma edição crítica do Novo Testamento
grego com uma tradução latina, talvez a obra mais importante publicada
no século 16, que serviu de base para as traduções de Lutero, Tyndale e
Lefèvre e muito influenciou os reformadores protestantes. Esse retorno
às Escrituras muito contribuiu para a Reforma do Século 16.
1.8 Situação Geral
O final da Idade Média foi marcado por
muitas convulsões políticas, sociais e religiosas. Entre as políticas
destacou-se a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre a Inglaterra e a
França, na qual tornou-se famosa a heroína Joana D’Arc. Houve também
muitas revoltas camponesas, o declínio do feudalismo, a expansão das
cidades e o surgimento do capitalismo. No aspecto social, havia fomes
periódicas e o terrível flagelo da peste bubônica ou peste negra (1348).
As guerras, epidemias e outros males produziam morte, devastação e
desordem, ou seja, a ruptura da vida social e pessoal. O sentimento
dominante era de insegurança, ansiedade, melancolia e pessimismo. Isso
era ilustrado pela “dança da morte”, gravuras que se viam em toda parte
com um esqueleto dançante.
Na área religiosa, houve a erosão do
ideal da cristandade ou “corpus christianum”, a sociedade coesa sob a
liderança da igreja e dos papas. A religiosidade era meritória, com
missas pelos mortos, crença no purgatório e invocação dos santos e
Maria. Ao mesmo tempo, havia grande ressentimento contra a igreja por
causa dos abusos praticados e do desvio dos seus propósitos. Isso é
ilustrado pela situação do papado no final do século 15 e início do
século 16. Os chamados papas do renascimento foram mais estadistas e
patronos das artes e da cultura do que pastores do seu rebanho. A
instituição papal continuou em declínio, com muitas lutas políticas,
simonia, nepotismo, falta de liderança espiritual, aumento de gastos e
novos impostos eclesiásticos. Como papa Alexandre VI (1492-1503), o
espanhol Rodrigo Borja foi um generoso promotor das artes e da carreira
dos seus filhos César e Lucrécia; Júlio II (1503-1513) foi um papa
guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; Leão X (1513-1521), o
papa contemporâneo de Lutero, teria dito quando foi eleito: “Agora que
Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”.
2. A Reforma Protestante – 1ª Parte
2.1 O contexto social e religioso
Vimos, no final da seção anterior,
alguns elementos que caracterizavam a sociedade européia às vésperas da
Reforma. Havia muita violência, baixa expectativa de vida, profundos
contrastes socioeconômicos e um crescente sentimento nacionalista. Havia
também muita insatisfação, tanto dos governantes como do povo, em
relação à Igreja, principalmente ao alto clero e a Roma. Na área
espiritual, havia insegurança e ansiedade acerca da salvação em virtude
de uma religiosidade baseada em obras, também chamada de religiosidade
contábil ou “matemática da salvação” (débitos = pecados; créditos = boas
obras).
Foi bastante inusitado o episódio mais
imediato que desencadeou o protesto de Lutero. Desde meados do século
14, cada novo líder do Sacro Império Romano era escolhido por um colégio
eleitoral composto de quatro príncipes e três arcebispos. Em 1517,
quando houve a eleição de um novo imperador, um dos três arcebispados
eleitorais (o de Mainz ou Mogúncia) estava vago. Uma das famílias nobres
que participavam desse processo, os Hohenzollern, resolveu tomar para
si esse cargo e assim ter mais um voto no colégio eleitoral. Um jovem da
família, Alberto, foi escolhido para ser o novo arcebispo, mas havia
dois problemas: ele era leigo e não tinha a idade mínima exigida pela
lei canônica para exercer esse ofício. O primeiro problema foi sanado
com a sua rápida ordenação ao sacerdócio.
Quanto ao impedimento da idade, era
necessária uma autorização especial do papa, o que levou a um negócio
altamente vantajoso para ambas as partes. A família nobre comprou a
autorização do papa Leão X mediante um empréstimo feito junto aos
banqueiros Fugger, de Augsburgo. Ao mesmo tempo, o papa autorizou o novo
arcebispo Alberto de Brandemburgo a fazer uma venda especial de
indulgências, dividindo os rendimentos da seguinte maneira: parte
serviria para o pagamento do empréstimo feito pela família e a outra
parte iria para as obras da Catedral de São Pedro, em Roma. E assim foi
feito. Tão logo foi instalado no seu cargo, Alberto encarregou o
dominicano João Tetzel de fazer a venda das indulgências (o perdão das
penas temporais do pecado). Quando Tetzel aproximou-se de Wittenberg,
Lutero resolveu pronunciar-se sobre o assunto.
2.2 Martinho Lutero (1483-1546)
Martinho Lutero nasceu em 1483 na
pequena cidade de Eisleben, na Turíngia, em um lar muito religioso. Seu
pai trabalhava nas minas e a família tinha uma vida confortável.
Inicialmente, o jovem pretendeu seguir a carreira jurídica, mas em 1505
defrontou-se com a morte em uma tempestade e resolveu abraçar a vida
religiosa. Ingressou no mosteiro agostiniano de Erfurt, onde se dedicou a
uma intensa busca da salvação. Em 1512, tornou-se professor da
Universidade de Wittenberg, onde passou a ministrar cursos sobre vários
livros da Bíblia, como Gálatas e Romanos. Isso lhe deu um novo
entendimento acerca da “justiça de Deus”: ela não era simplesmente uma
expressão da severidade de Deus, mas do seu amor que justifica o pecador
mediante a fé em Jesus Cristo (Rom 1.17).
No dia 31 de outubro de 1517, diante da
venda das indulgências por João Tetzel, Lutero afixou à porta da igreja
de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, a maneira usual de
convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum assunto. Logo,
uma cópia das teses chegou às mãos do arcebispo, que as enviou a Roma.
No ano seguinte, Lutero foi convocado para ir a Roma a fim de responder à
acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado pelo cardeal
Cajetano e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um
debate em Leipzig com o dominicano João Eck, no qual defendeu o
pré-reformador João Hus e afirmou que os concílios e os papas podiam
errar.
Em 1520, a bula papal Exsurge Domine (=
“Levanta-te, Senhor”) deu-lhe sessenta dias para retratar-se ou ser
excomungado. Os estudantes e professores da universidade queimaram a
bula e um exemplar da lei canônica em praça pública. Nesse mesmo ano,
Lutero escreveu várias obras importantes, especialmente três: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão.
Isso lhe deu notoriedade imediata em toda a Europa e aumentou a sua
popularidade na Alemanha. No início de 1521, foi publicada a bula de
excomunhão, Decet Pontificem Romanum. Nesse ano, Lutero
compareceu a uma reunião do parlamento, a Dieta de Worms, onde reafirmou
as suas idéias. Foi promulgado contra ele o Edito de Worms, que o levou
a refugiar-se no castelo de Wartburgo, sob a proteção do
príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio. Ali, Lutero começou a
produzir uma obra-prima da literatura alemã, a sua tradução das
Escrituras.
2.3 A Reforma na Alemanha
A partir de então, a reforma luterana
difundiu-se rapidamente no Sacro Império, sendo abraçada por vários
principados alemães. Isso levou a dificuldades crescentes com os
principados católicos, com o novo imperador Carlos V (1519-1556) e com o
parlamento (Dieta). Na Dieta de 1526, houve uma atitude de tolerância
para com os luteranos, mas em 1529 a Dieta de Spira reverteu
essa política conciliadora. Diante disso, os líderes luteranos fizeram
um protesto formal que deu origem ao nome histórico “protestantes”. No
ano seguinte, o auxiliar e eventual sucessor de Lutero, Filipe
Melanchton (1497-1560), apresentou ao imperador Carlos V a Confissão de Augsburgo,
um importante documento que definia em 21 artigos a doutrina luterana e
indicava sete erros que Lutero via na Igreja Católica Romana.
Os problemas político-religiosos levaram
a um período de guerras entre católicos e protestantes (1546-1555), que
terminaram com um tratado, a Paz de Augsburgo. Esse tratado assegurou a
legalidade do luteranismo mediante o princípio “cujus regio, eius
religio”, ou seja, a religião de um príncipe seria automaticamente a
religião oficial do seu território. O luteranismo também se difundiu em
outras partes da Europa, principalmente nos países nórdicos, surgindo
igrejas nacionais luteranas na Suécia (1527), Dinamarca (1537), Noruega
(1539) e Islândia (1554). Lutero e os demais reformadores defenderam
alguns princípios básicos que viriam a caracterizar as convicções e
práticas protestantes: sola Scriptura, solo Christo, sola gratia, sola fides, soli Deo gloria. Outro princípio aceito por todos foi o dosacerdócio universal dos fiéis.
2.4 Ulrico Zuínglio (1484-1531)
Ulrico Zuínglio recebeu uma educação
esmerada, com forte influência humanista. Inicialmente, foi sacerdote em
Glarus (1506) e em Einsiedeln (1516). Influenciado pelo Novo Testamento
publicado por Erasmo de Roterdã, tornou-se um estudioso das Escrituras e
um pregador bíblico. Com isso, foi chamado para trabalhar na catedral
de Zurique em 1518. Quatro anos mais tarde, surgiram as primeiras
divergências com a doutrina católica. Zuínglio defendeu o consumo de
carne na quaresma e o casamento dos sacerdotes, alegando não serem essas
coisas proibidas nas Escrituras. Ele propôs o princípio de que tudo
devia ser julgado pela Bíblia.
Em 1523, houve o primeiro debate público em Zurique e a cidade começou a tornar-se protestante. O reformador escreveu os Sessenta e Sete Artigos –
a carta magna da reforma de Zurique – nos quais defendeu a salvação
somente pela graça, a autoridade da Escritura e o sacerdócio dos fiéis,
bem como atacou o primado do papa e a missa. Esse movimento suíço,
conhecido como a “segunda reforma”, deu origem às igrejas “reformadas”,
difundindo-se inicialmente na Suíça alemã e no sul da Alemanha. Em 1525,
o Conselho Municipal de Zurique adotou o culto em lugar da missa e em
geral promoveu mudanças mais radicais do que as efetuadas por Lutero.
Como estava acontecendo na Alemanha,
também na Suíça houve guerras entre católicos e protestantes. Em 1529,
travou-se a primeira batalha de Kappel. No mesmo ano, a Dieta de Spira mostrou
aos protestantes a necessidade de uma aliança contra os seus
adversários. Para tanto, era necessário que resolvessem algumas
diferenças doutrinárias. Isso levou ao Colóquio de Marburg,
convocado pelo príncipe Filipe de Hesse. Luteranos e reformados
concordaram sobre a maior parte das questões doutrinárias, mas
divergiram seriamente sobre o significado da Santa Ceia. Em 1531,
Zuínglio morreu na segunda batalha de Kappel.
2.5 Os Reformadores Radicais (Anabatistas)
O terceiro movimento da Reforma
Protestante surgiu na própria cidade de Zurique. Em 1522, homens como
Conrado Grebel e Félix Mantz começaram a reunir-se com amigos para
estudar a Bíblia. Inicialmente, eles apoiaram a obra de Zuínglio, mas a
partir de 1524 passaram a condenar tanto Zuínglio quanto as autoridades
municipais, alegando que a sua obra de reforma não estava sendo profunda
o suficiente. Por causa de sua insistência no batismo de adultos, foram
apelidados de “anabatistas”, ou seja, rebatizadores, sendo também
chamados de radicais, fanáticos, entusiastas e outras designações. Por
causa de suas atividades de protesto, nas quais chegavam a interromper
cultos e celebrações da ceia, os líderes anabatistas sofreram punições
de severidade crescente. Em 1526, Grebel morreu em uma epidemia, mas seu
pai foi decapitado, Mantz foi afogado e outro líder, Jorge Blaurock,
foi expulso da cidade.
O movimento logo se difundiu nas
vizinhas Alemanha e Áustria e em outras partes da Europa. Um importante
líder em Estrasburgo foi Miguel Sattler (c.1490-1527), que presidiu a
conferência de Schleitheim (1527), na qual os anabatistas aprovaram a Confissão de Fé de Schleitheim.
Essa confissão definiu os princípios anabatistas básicos: ideal de
restauração da igreja primitiva; igrejas vistas como congregações
voluntárias separadas do Estado; batismo de adultos por imersão;
afastamento do mundo; fraternidade e igualdade; pacifismo; proibição do
porte de armas, cargos públicos e juramentos. Os anabatistas foram os
únicos protestantes do século 16 a defenderem a completa separação entre
a igreja e o estado.
Os anabatistas adquiriram uma reputação
negativa por causa de acontecimentos ocorridos na cidade de Münster
(1532-1535). Influenciados por Melchior Hoffman, que anunciou o fim do
mundo e a destruição dos ímpios, alguns anabatistas implantaram uma
teocracia intolerante naquela cidade alemã. Finalmente, foram todos
mortos por um exército católico. Já na Holanda, o movimento teve um
líder equilibrado e capaz na pessoa de Menno Simons (1496-1561),
do qual vieram os menonitas. Outro líder de expressão foi Jacob Hutter
(†1536), na Morávia. Os menonitas e os huteritas viviam em colônias,
tendo tudo em comum (ver Atos 2.44; 4.32). Cruelmente perseguidos em
toda a Europa, muitos deles eventualmente emigraram para a América do
Norte.
2.6 João Calvino (1509-1564)
João Calvino nasceu em Noyon, no
nordeste da França. Seu pai, Gérard Cauvin, era secretário do bispo e
advogado da igreja naquela cidade; sua mãe Jeanne Lefranc, morreu quando
ele ainda era uma criança. Após os primeiros estudos em sua cidade,
Calvino seguiu para Paris, onde estudou teologia e humanidades
(1523-1528). A seguir, por determinação do pai, foi estudar direito nas
cidades de Orléans e Bourges (1528-1531). Com a morte do pai, retornou a
Paris e deu prosseguimento aos estudos humanísticos, publicando sua
primeira obra, um comentário do tratado de Sêneca Sobre a Clemência.
Calvino converteu-se provavelmente em
1533. No dia 1º de novembro daquele ano, seu amigo Nicholas Cop fez um
discurso de posse na Universidade de Paris repleto de idéias
protestantes. Calvino foi considerado o co-autor do discurso e os dois
amigos tiveram de fugir para salvar a vida. Calvino foi para a cidade de
Angouleme, onde começou a escrever a sua obra mais importante, Instituição da Religião Cristã ou Institutas,
publicada em Basiléia em 1536 (a última edição seria publicada somente
em 1559). Após voltar por breve tempo ao seu país, Calvino decidiu
fixar-se na cidade protestante de Estrasburgo, onde atuava o reformador
Martin Butzer (1491-1551). No caminho, ocorreu um episódio marcante.
Impossibilitado de seguir diretamente para Estrasburgo por causa de
guerra entre a França e a Alemanha, o futuro reformador fez um longo
desvio, passando por Genebra, na Suíça francesa. Essa cidade havia
abraçado o protestantismo reformado há apenas dois meses (maio de 1536),
sob a liderança de Guilherme Farel (1489-1565). Este, sabendo que o
autor das Institutas estava de passagem pela cidade, o “convenceu” a permanecer ali e ajudá-lo.
2.7 A Reforma em Genebra
Logo, Calvino e Farel entraram em
conflito com os magistrados de Genebra e dois anos depois foram
expulsos. Calvino seguiu então para Estrasburgo, onde passou os três
anos mais felizes e produtivos da sua carreira (1538-1541). Naquela
cidade, ele pastoreou uma igreja de refugiados franceses, casou-se com a
viúva Idelette de Bure (†1549), lecionou na academia de João Sturm,
participou de conferências religiosas ao lado de Martin Butzer e
publicou algumas obras importantes, entre elas a segunda edição das Institutas e o Comentário de Romanos, o primeiro dos muitos que escreveu.
Eventualmente, os magistrados de Genebra
insistiram no seu retorno. Calvino aceitou com a condição de que
pudesse escrever a constituição da Igreja Reformada de Genebra. Essa
importante obra, as Ordenanças Eclesiásticas, previa quatro
categorias de oficiais: pastores, encarregados da pregação e dos
sacramentos; doutores para o estudo e ensino da Bíblia; presbíteros, com
funções disciplinares; e diáconos, encarregados da beneficência. Os
pastores e os doutores formavam a Companhia dos Pastores; os pastores e
os presbíteros integravam o Consistório, uma espécie de tribunal
eclesiástico. Calvino teve um relacionamento tenso com as autoridades
municipais até 1555. No final desse período, em 1553, o médico espanhol
Miguel Serveto foi condenado e executado por heresia. Calvino teve uma
participação nesse episódio, lamentada por seus herdeiros, o que não
anula a sua grande obra como reformador, escritor, teólogo e líder
eclesiástico. Em 1559, um ano especialmente significativo, o reformador
tornou-se cidadão de Genebra, fundou a sua Academia, embrião da
Universidade de Genebra, e publicou a última edição das Institutas.
A visão do reformador francês era tornar
Genebra uma cidade-cristã-modelo através da reorganização da Igreja, de
um ministério bem preparado, de leis que expressassem uma ética bíblica
e de um sistema educacional completo e gratuito. O resultado foi que
Genebra tornou-se um grande centro do protestantismo, preparando líderes
reformados para toda a Europa e abrigando centenas de refugiados. O
calvinismo veio a ser o mais completo sistema teológico protestante,
tendo por princípio básico a soberania de Deus e suas implicações,
soteriológicas e outras. Foi essa a origem das Igrejas reformadas
(continente europeu) ou presbiterianas (Ilhas Britânicas). Os principais
países em que se difundiu o movimento reformado foram, além da Suíça e
da França, o sul da Alemanha, a Holanda, a Hungria e a Escócia.
Calvino também se notabilizou como um
erudito bíblico. Escreveu comentários sobre quase todo o Novo Testamento
e os principais livros do Antigo Testamento. Seus sermões e preleções
também expuseram amplamente as Escrituras. Além disso, escreveu muitos
opúsculos, tratados e cartas. Mas a maior das suas obras são as Institutas,
nas quais ele expôs todos os aspectos da doutrina cristã, apelando às
Escrituras e ao testemunho dos antigos pais da igreja. Em muitas de suas
obras, se vê uma mão que sustenta um coração, e ao redor as palavras Cor meum tibi offero Domine, prompte et sincere (“O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero”).
2.8 Implicações Práticas
Os reformadores não estavam buscando
inovar, mas restaurar antigas verdades bíblicas que haviam sido
esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas tradições humanas. Sua
maior contribuição foi chamar a atenção das pessoas para a importância
das Escrituras e seus grandes ensinos, especialmente no que diz respeito
à salvação e à vida cristã. Para que as Igrejas Evangélicas atuais
possam manter-se fiéis à sua vocação, é preciso que julguem tudo pelas
Escrituras, acolhendo o que é bom e lançando fora o que é mau. Os
reformadores nos mostraram que o critério da verdade não são os ensinos
humanos, nem a experiência espiritual subjetiva, mas o Espírito Santo
falando na Palavra e pela Palavra.
3. A Reforma Protestante – 2ª Parte
3.1 A Reforma na Inglaterra
Vários fatores contribuíram para a
introdução da Reforma Protestante na Inglaterra: o anticlericalismo de
uma grande parcela do povo e dos governantes, as idéias do
pré-reformador João Wycliff, a penetração de ensinos luteranos a partir
de 1520, o Novo Testamento traduzido por William Tyndale (1525) e a
atuação de refugiados que voltaram de Genebra. Todavia, quem deu o passo
decisivo para que a Inglaterra começasse a tornar-se protestante foi o
rei Henrique VIII.
Henrique VIII (1491-1547) começou a
reinar em 1509. Sendo muito católico, em 1521 escreveu um folheto contra
Lutero que lhe valeu o título de “defensor da fé”. Era casado com a
princesa espanhola Catarina de Aragão, viúva do seu irmão, que não
conseguiu dar-lhe um filho varão, mas somente uma filha, Maria. Henrique
pediu ao papa Clemente VII que anulasse o seu casamento com Catarina
para que pudesse casar-se com Ana Bolena (Anne Boleyn), mas o papa não
pode atendê-lo nesse desejo. Uma das principais razões foi o fato de que
Catarina era tia do sacro imperador germânico Carlos V. Em 1533, Thomas
Cranmer (1489-1556) foi nomeado arcebispo de Cantuária e poucos meses
depois declarou nulo o casamento do rei. Em 1534, o parlamento aprovou o
Ato de Supremacia, pelo qual a Igreja Católica inglesa desvinculou-se
de Roma e o rei foi declarado “Protetor e Único Chefe Supremo da Igreja
da Inglaterra.” O bispo John Fisher e o ex-chanceler Thomas More
opuseram-se a essas medidas e foram executados (1535); os numerosos
mosteiros do país foram extintos e suas propriedades confiscadas
(1536-1539). Nos anos seguintes, Henrique ainda teria outras quatro
esposas: Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr.
Henrique morreu na fé católica e foi
sucedido no trono por Eduardo VI (1547-1553), o filho que teve com Jane
Seymour. Os tutores do jovem rei implantaram a Reforma na Inglaterra e
puseram fim às perseguições contra os protestantes. Foram aprovados dois
importantes documentos escritos pelo arcebispo Cranmer, o Livro de Oração Comum (1549; revisto em 1552) e os Quarenta e Dois Artigos (1553),
uma síntese das teologias luterana e calvinista. Eduardo era doentio e
morreu ainda jovem, sendo sucedido por sua irmã Maria Tudor (1553-1558),
conhecida como “a sanguinária”, filha de Catarina de Aragão. Maria
perseguiu os líderes protestantes e muitos foram levados à fogueira. Os
mártires mais famosos foram Hugh Latimer, Nicholas Ridley e Thomas
Cranmer. Muitos outros, os chamados “exilados marianos”, foram para
Genebra, Estrasburgo e outras cidades protestantes.
Com a morte de Maria, subiu ao trono sua
meio-irmã Elizabete I (1558-1603), filha de Ana Bolena, em cujo reinado
a Inglaterra tornou-se definitivamente protestante. Em 1563, foi
promulgado o Ato de Uniformidade, que aprovou os Trinta e Nove Artigos. O resultado foi o acordo
anglicano, que reuniu elementos das principais teologias evangélicas,
bem como traços católicos, especialmente na área da liturgia. Além dos
anglicanos, havia outros grupos protestantes na Inglaterra, como os
puritanos, presbiterianos e congregacionais. Os puritanos surgiram no
reinado de Elizabete e foram assim chamados porque reivindicavam uma
Igreja pura em sua doutrina, culto e forma de governo. Reprimidos na
Inglaterra, muitos puritanos foram para a América do Norte,
estabelecendo-se em Plymouth (1620) e Boston (1630), na Nova Inglaterra.
Outro grupo protestante inglês foram os batistas, surgidos a partir de
1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys. Este fundou em 1612 a
primeira igreja batista geral.
No século 17, no contexto da guerra
civil entre o rei Carlos I e um parlamento puritano, foi convocada a
Assembléia de Westminster (1643-1649). Essa célebre assembléia elaborou
uma série de documentos calvinistas para a Igreja da Inglaterra, entre
os quais a Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve, que se tornaram os principais símbolos confessionais das Igrejas reformadas ou presbiterianas.
3.2 A Reforma na Escócia
O protestantismo começou a ser difundido
na Escócia por homens como Patrick Hamilton e George Wishart, ambos
martirizados. Todavia, o presbiterianismo foi introduzido graças aos
esforços do reformador John Knox (†1572), um discípulo de Calvino que,
após passar alguns anos em Genebra, retornou ao seu país em 1559. No ano
seguinte, o parlamento escocês criou a Igreja da Escócia
(presbiteriana). Knox fez oposição tenaz à rainha católica Maria Stuart
(1542-1587), prima de Elizabete, que viveu na França (1548-1561) e
voltou à Escócia para tomar posse do trono. A aceitação do
protestantismo ocorreu no contexto da luta pela independência do domínio
francês. Alguns anos mais tarde, Maria Stuart teve de fugir e buscar
refúgio na Inglaterra, onde foi executada por ordem de Elizabete em
1587.
Foi na Escócia que surgiu o conceito
político-religioso de “presbiterianismo”. Os reis ingleses e escoceses
sempre foram firmes defensores do episcopalismo, ou seja, de uma Igreja
governada por bispos. A razão disso é que, sendo os bispos nomeados
pelos reis, a Igreja seria mais facilmente controlada pelo estado e
serviria aos interesses do mesmo. À luz das Escrituras, os
presbiterianos insistiram em uma Igreja governada por oficiais eleitos
pela comunidade, os presbíteros, tornando assim a Igreja livre da tutela
do Estado. Foi somente após um longo e tumultuado processo que o
presbiterianismo implantou-se definitivamente na Escócia.
3.3 A Reforma na França
O movimento reformado francês surgiu na
década de 1530. Inicialmente tolerante, o rei Francisco I (1515-1547)
eventualmente mostrou-se hostil contra os reformados. Henrique II
(1547-1559) foi ainda mais severo que o seu pai. Em 1559, reuniu-se o
primeiro sínodo nacional da Igreja Reformada da França, que aprovou a Confissão Galicana.
Em 1561, havia duas mil congregações reformadas no país, compostas de
artesãos, comerciantes e até mesmo de algumas famílias nobres, como os
Bourbon e os Montmorency. Os reformados franceses, conhecidos como
huguenotes, estavam concentrados principalmente no oeste e sudoeste do
país, e recebiam decidido apoio de Genebra. Ao norte e leste estava a
facção ultracatólica liderada pela poderosa família Guise-Lorraine.
No reinado de Francisco II (1559-1560),
os Guise controlaram o governo. Quando Carlos IX (1560-1574) tornou-se
rei, sendo ainda menor, sua mãe Catarina de Médici assumiu a regência,
mostrando-se inicialmente tolerante para com os huguenotes. Tentando
conciliar as duas facções, ela promoveu um encontro de católicos e
protestantes, o Colóquio de Poissy, em 1561. Com o fracasso desse
encontro, houve um longo período de guerras religiosas (1562-1598), cujo
episódio mais chocante foi o massacre do Dia de São Bartolomeu
(24-08-1572). Centenas de huguenotes achavam-se em Paris para o
casamento da filha de Catarina com o nobre protestante Henrique de
Navarra. Na calada da noite, os huguenotes foram assassinados à traição
enquanto dormiam, entre eles o seu principal líder, almirante Gaspard de
Coligny. Nos dias seguintes, muitos milhares foram mortos no interior
da França. Mais tarde, quando o nobre huguenote tornou-se rei, com o
título de Henrique IV, ele promulgou em favor dos seus correligionários o
Edito de Nantes (1598), concedendo-lhes uma tolerância limitada. Esse
edito seria revogado pelo rei Luís XIV em 1685, dando início a um novo
período de duras provações para os reformados franceses.
3.4 A Reforma nos Países Baixos
Os Países Baixos eram parte do Sacro
Império Germânico e depois ficaram sob o domínio da Espanha. Durante o
reinado do imperador Carlos V, surgiram naquela região luteranos,
anabatistas e principalmente calvinistas, por volta de 1540. Desde o
início foram objeto de intensas perseguições, tendo a repressão
aumentado sob o rei Filipe II (1555) e o governador Duque de Alba
(1567). A revolta contra a tirania espanhola foi liderada pelo alemão
Guilherme de Orange, grande defensor da plena liberdade religiosa, que
seria assassinado em 1584. Eventualmente, os Países Baixos dividiram-se
em três nações: Bélgica e Luxemburgo (católicas) e Holanda
(protestante).
A Igreja Reformada Holandesa foi
organizada na década de 1570. No início do século 17, surgiu uma forte
controvérsia por causa das idéias de Tiago Armínio. O Sínodo de Dort
(1618-1619) rejeitou as idéias de Armínio e afirmou os chamados “cinco
pontos do calvinismo”, cujas iniciais formam em inglês a palavra “tulip”
(tulipa): Depravação total ( Total depravity), Eleição incondicional
(Unconditional election), Expiação limitada (Limited atonement), Graça
irresistível (Irresistible Grace) e Perseverança dos santos
(Perseverance of the saints).
3.5 A Contra-Reforma
Ao analisarem as ações da Igreja
Católica Romana após o surgimento do protestantismo, os historiadores
falam em dois aspectos: Contra-Reforma e Reforma Católica. O primeiro
foi o esforço da Igreja Romana para reorganizar-se e lutar contra o
protestantismo. Essa reação ocorreu tanto no plano dogmático quanto
político-militar. Já a Reforma Católica revelou a preocupação de
corrigir certos problemas internos do catolicismo em resposta às
críticas dos protestantes e de outros grupos.
Foram vários os elementos dessa reação.
Na Espanha, houve notáveis manifestações de uma rica espiritualidade
mística, cujos representantes mais destacados foram Teresa de Ávila e
João da Cruz. Além do misticismo espanhol, outro sinal da revitalização
católica foi o surgimento de várias ordens religiosas, das quais a mais
importante foi a Sociedade de Jesus, fundada pelo espanhol Inácio de
Loiola (1491-1556) e oficializada pelo papa em 1540. Além dos votos
usuais de pobreza, castidade e obediência aos superiores, os jesuítas
faziam um voto adicional de submissão incondicional ao papa. Seu
objetivo era a expansão e o fortalecimento da fé católica através de
missões, educação e combate à heresia. Os jesuítas exerceram forte
influência sobre governantes e contribuíram decisivamente para a
supressão do protestantismo em várias regiões da Europa, como a Espanha e
a Polônia.
O instrumento mais eficaz tanto da
Contra-Reforma quanto da Reforma Católica foi o Concílio de Trento, que
se reuniu em três séries de sessões entre 1545 e 1563. Seus decretos
rejeitaram explicitamente as doutrinas protestantes e oficializaram o
tomismo (a teologia de Tomás de Aquino), a Vulgata Latina e os livros
denominados apócrifos ou deuterocanônicos. Outros instrumentos da
Contra-Reforma foram o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum,
1559) e a Inquisição, especialmente em suas versões espanhola e romana.
Como expressão do dinamismo católico nesse período, as ordens dos
franciscanos, dominicanos e jesuítas realizaram uma grande obra
missionária no Oriente e nas Américas.
No território do Sacro Império, os
conflitos entre católicos e protestantes continuaram por muitas décadas,
atingindo o seu auge na tenebrosa Guerra dos Trinta Anos, que envolveu
metade do continente europeu. Essa guerra terminou com a Paz de
Westfália (1648), que fixou definitivamente as fronteiras
político-religiosas da Europa e marcou o final do período da Reforma.
3.6 Implicações Práticas
A história da Reforma nem sempre é
agradável e inspiradora. Por causa das profundas conexões entre
elementos religiosos e políticos, esse período foi marcado por muita
violência em nome da fé. Porque a religião é uma coisa muito importante
para as pessoas, as paixões que desperta podem se tornar terrivelmente
destrutivas. Os erros cometidos nessa área por diferentes grupos nos
séculos 16 e 17 nos servem de advertência e de estímulo para a prática
da caridade cristã e da tolerância, conforme o exemplo de Cristo.
Podemos, sem abrir mão de nossas convicções, respeitar os que pensam
diferente de nós.
Ao mesmo tempo, nos impressionamos com o
heroísmo de tantos irmãos nossos da época da Reforma, que por causa de
sua fé enfrentaram muitas provações e até mesmo mortes cruéis. O
evangelho já não exige esse tipo de sacrifício da maioria dos cristãos
do Ocidente, mas isso não significa que estamos livres de grandes
desafios. São outras as maneiras pelas quais a nossa fé é testada no
tempo presente. Viver de acordo com os princípios e os valores do Reino
de Deus continua sendo uma prova difícil, mas necessária, para todos os
cristãos.
4. Referências Bibliográficas
Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras, em português:
BETTENSON, Henry, Documentos da igreja cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
CAIRNS, Earle E., O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã (São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume disponíveis em português.
CLOUSE, Robert G., PIERARD, Richard V. e YAMAUCHI, Edwin M. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003 (1993). Obra de grande envergadura, com quase 600 p. no texto principal. Narrativa rica e abrangente.
DOWLEY, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da história do cristianismo (São Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Antigo e Novo Testamento).
GONZÁLEZ, Justo L., Uma história ilustrada do cristianismo, 10 vols. (São Paulo: Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez pequenos volumes na edição portuguesa. Agradável de ler e, como diz o título, fartamente ilustrada.
MATOS, Alderi Souza de., A caminhada cristã na história: a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje (Viçosa, MG: Ultimato, 2005). Coletânea de textos breves sobre temas variados da história da igreja.
NEILL, Stephen, História das missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário na Índia e na África.
NICHOLS, Robert H., História da igreja cristã, 11ª ed. rev. (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
NOLL, Mark A., Momentos decisivos na história do cristianismo, trad. Alderi S. Matos (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Ao abordar doze eventos especialmente significativos, o autor acaba por incluir boa parte dos tópicos mais importantes da história da igreja. Contém um apêndice sobre o Brasil, escrito pelo tradutor.
WALKER, W., História da igreja cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi publicada em português.
WALTON, Robert C., História da igreja em quadros (São Paulo: Editora Vida, 2000). As tabelas e esboços proporcionam um instrumento simples e agradável para estudar a história da igreja.
WILLIAMS, Terri, Cronologia da história eclesiástica em gráficos e mapas (São Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos temas mais importantes da história da igreja.
[/vc_column]
Por: Alderi Matos. © 2011 – DTI – Divisão de Tecnologia da Informação
Instituto Presbiteriano Mackenzie. Original: A Reforma Protestante do Século XVI.
Alderi Matos é Professor de História da Igreja, Coordenador da área de Teologia Histórica do Centro de Pós Graduação Adrews Jumper (CPAJ). Graduou-se em teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas (1974), sendo também bacharel em Filosofia pela Universidade Católica do Paraná (1979) e em Direito pela Escola de Direito de Curitiba (1983). Após vários anos de ministério no Paraná, fez seu mestrado em Novo Testamento (S.T.M.) na Andover Newton Theological School , em Newton Centre, Massashusetts, EUA (1988) e seu doutorado em História da Igreja na Boston University School of Theology (1996). Em 1997, o Dr. Alderi veio trabalhar no CPAJ, onde também atua como co-editor da revista teológica Fides Reformata. É escritor e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Ebénezer de São Paulo e articulista conhecido em diversos periódicos acadêmicos e populares.
FONTE:
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/10/historia-da-reforma-protestante/
BETTENSON, Henry, Documentos da igreja cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
CAIRNS, Earle E., O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã (São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume disponíveis em português.
CLOUSE, Robert G., PIERARD, Richard V. e YAMAUCHI, Edwin M. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003 (1993). Obra de grande envergadura, com quase 600 p. no texto principal. Narrativa rica e abrangente.
DOWLEY, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da história do cristianismo (São Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Antigo e Novo Testamento).
GONZÁLEZ, Justo L., Uma história ilustrada do cristianismo, 10 vols. (São Paulo: Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez pequenos volumes na edição portuguesa. Agradável de ler e, como diz o título, fartamente ilustrada.
MATOS, Alderi Souza de., A caminhada cristã na história: a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje (Viçosa, MG: Ultimato, 2005). Coletânea de textos breves sobre temas variados da história da igreja.
NEILL, Stephen, História das missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário na Índia e na África.
NICHOLS, Robert H., História da igreja cristã, 11ª ed. rev. (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
NOLL, Mark A., Momentos decisivos na história do cristianismo, trad. Alderi S. Matos (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Ao abordar doze eventos especialmente significativos, o autor acaba por incluir boa parte dos tópicos mais importantes da história da igreja. Contém um apêndice sobre o Brasil, escrito pelo tradutor.
WALKER, W., História da igreja cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi publicada em português.
WALTON, Robert C., História da igreja em quadros (São Paulo: Editora Vida, 2000). As tabelas e esboços proporcionam um instrumento simples e agradável para estudar a história da igreja.
WILLIAMS, Terri, Cronologia da história eclesiástica em gráficos e mapas (São Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos temas mais importantes da história da igreja.
[/vc_column]
Por: Alderi Matos. © 2011 – DTI – Divisão de Tecnologia da Informação
Instituto Presbiteriano Mackenzie. Original: A Reforma Protestante do Século XVI.
Alderi Matos é Professor de História da Igreja, Coordenador da área de Teologia Histórica do Centro de Pós Graduação Adrews Jumper (CPAJ). Graduou-se em teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas (1974), sendo também bacharel em Filosofia pela Universidade Católica do Paraná (1979) e em Direito pela Escola de Direito de Curitiba (1983). Após vários anos de ministério no Paraná, fez seu mestrado em Novo Testamento (S.T.M.) na Andover Newton Theological School , em Newton Centre, Massashusetts, EUA (1988) e seu doutorado em História da Igreja na Boston University School of Theology (1996). Em 1997, o Dr. Alderi veio trabalhar no CPAJ, onde também atua como co-editor da revista teológica Fides Reformata. É escritor e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Ebénezer de São Paulo e articulista conhecido em diversos periódicos acadêmicos e populares.
FONTE:
http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/10/historia-da-reforma-protestante/
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