Após as catástrofes
terríveis que sofrera, e uma semana de silêncio em grande dor na
companhia de seus três amigos silenciosos, Jó expressou em palavras os
pensamentos que o estavam oprimindo, sob a crítica e olhos acusadores
dos seus amigos (Jó 3).
Primeiro, ele amaldiçoou o dia em que nasceu e a noite em que diziam que fora concebido:
- “Que pereçam ao mesmo tempo”
- “Que aquele dia se converta em trevas …”
- “Que aquela noite seja tomada pela escuridão… não é para ser contada”
- “Que aqueles que amaldiçoam o dia amaldiçoem a noite, aqueles que são peritos em suscitar o leviatã”
- “Que aquela noite nunca veja a luz…”
Jó estava simplesmente dizendo: “Eu desejo que nunca tivesse
existido”. Desejava que a data em que nascera e a noite em que fora dada
a notícia que tinha sido concebido fossem eliminadas do calendário, e
isso só era possível se não tivesse existido. Não é incomum que as
pessoas digam que desejam que nunca tivessem vindo a existir, quando sob
o peso de tensão mental e frustração devido a alguma catástrofe
avassaladora ou decepção.
A atitude “eu gostaria de nunca ter nascido” nunca resolve qualquer
dos problemas desta vida. Podemos desejar nunca ter nascido, mas não
podemos desfazer o fato que nascemos. Podemos desejar morrer, mas não
vamos morrer por desejar. É tudo um desperdício de tempo. Pode ajudar
uma pessoa a se desabafar. Isto parece ser o que Jó estava fazendo.
Jó deve ter sido um homem de grande cultura, e assim pôde
expressar-se muito viva e poeticamente, mesmo quando em grande tristeza.
A referência sobre “os que são peritos em despertar o leviatã” não é
clara. Alguns analistas sugerem que naqueles tempos se contratavam
pessoas para pronunciar maldições, e Jó gostaria que figurativamente
despertassem o leviatã para engolir esse dia e essa noite. “Leviatã” é
uma palavra transliterada do hebraico (livyathan), que significa ”
torcida”, “enrolada”. Alguns interpretam isso como sendo um dragão,
outros como um animal de grande porte existente hoje, mas parece mais
provável que tenha sido um dinossauro, agora extinto, pois se encaixa
melhor com a descrição dada no final do livro. Era claramente uma
criatura terrível, para não ser despertada levianamente.
Como alternativa, Jó desejou que tivesse nascido morto: “Por que não
morri ao nascer?” Ele estava experimentando extrema dor física, assim
como luto pela perda de sua família e bens. Nestas circunstâncias, não é
de admirar que desejasse ter morrido ao nascer, pois nada tinha e ainda
sofria. Jó lamentou que a morte lhe fora recusada. Para começar,
desejou que nunca tivesse existido, mas como veio à luz, desejava ter
morrido ao nascer. Não entrou na questão de vida após a morte, e pode
muito bem ser que não lhe fora revelada ainda.
Na sequência destes pensamentos, Jó se perguntou por que é que quem
está em sofrimento e com a alma amargurada, e anseia e busca
ansiosamente pela morte (como ele) é mantido vivo? Essa pessoa se
alegraria muito em morrer. Essa pergunta é feita vez após vez, quando
vemos ou experimentamos grande sofrimento, e até mesmo alguns médicos
estão dispostos a praticar a eutanásia para aliviar seus pacientes de
uma dor excruciante quando nenhuma esperança de cura parece existir.
A sua visão era só deste mundo, e olhava para a morte como sendo o
descanso depois da vida neste mundo. Jó expressou os seus pensamentos
sobre a morte como sendo o grande nivelador. Todos igualmente morrem, a
criança que não chegou a nascer, os reis e os conselheiros da terra (que
construíram grandes monumentos para si, e com o tempo se tornaram em
ruínas), os príncipes mais ricos (que tiveram de deixar suas fortunas
para trás), o ímpio (que já não pode causar mais problemas), o cansado
(agora em repouso), os presos (libertos agora) e o servo (livre do seu
senhor). Os pequenos e os grandes se encontram no além-túmulo.
Em nossos dias esse entendimento é muito comum, se não dominante, e
está expresso na frase “descanse em paz” comumente colocada nos túmulos.
No entanto Deus já revelou à humanidade de forma muito clara, em Sua
palavra, que após a morte o pecador não salvo estará em tormentos e o
justo será bem-aventurado (Lucas 16:23).
As tribulações e a tristeza, temporárias ou duradouras, não destroem o
verdadeiro propósito da vida. A vida não é dada apenas para a
felicidade e a realização pessoal, mas para servirmos e honrarmos a
Deus. O valor e o significado da vida não se baseiam no que sentimos,
mas na única realidade que ninguém pode tirar – o amor de Deus por nós.
Não devemos supor que, porque Deus verdadeiramente nos ama, Ele vai nos
poupar o sofrimento. O oposto pode acontecer. O amor de Deus não pode
ser medido ou limitado pelo sofrimento maior ou menor que viermos a
passar. Romanos 8:38 e 39 nos ensinam que nada pode nos separar do amor
de Deus.
Jó indagou “Por que se concede luz ao homem cujo caminho está
escondido, e a quem Deus cercou de todos os lados?” (versículo 23). No
primeiro capítulo Satanás havia afirmado que Deus tinha construído uma
cerca em volta do Jó para protegê-lo. Por sua vez, Jó disse que Deus lhe
havia cercado de todos os lados contra o desfruto da vida e perguntou
por que lhe dera a vida em tais condições.
Jó estava muito aflito porque o que muito temia tinha caído sobre
ele, e aquilo do que se apavorava lhe tinha acontecido. Mesmo nos tempos
em que estivera desfrutando paz e prosperidade com a sua família e
propriedades, tinha ainda se preocupado com a incerteza do futuro.
Embora servisse o verdadeiro Deus e lhe oferecesse sacrifícios
regularmente, não tinha certeza que as coisas boas que tinha na vida
continuariam indefinidamente. Temia muito que pudessem chegar a um fim.
Esse é o medo de muita gente hoje. Temem que algo terrível venha a
lhes acontecer, como sabem acontecer com outras pessoas no mundo
inteiro. Esse medo traz ansiedade e depressão mental, que estraga a vida
até mesmo daqueles que consideraríamos aparentemente ser os mais
felizes entre os homens.
Jó temia a Deus e tinha evitado o mal de uma forma que fez dele um
excelente exemplo para todos, mas agora estava sobrepujado pelas
calamidades que sofrera a ponto de odiar a sua vida. Todos os princípios
pelos quais vivera estavam desmoronando, e começou a perder a sua
perspectiva. Essa poderia ter sido a encruzilhada da sua fé. Também o
que lhe aconteceu elimina muitos equívocos a respeito de Deus que
prevalecem até hoje, como a ideia que Ele sempre mantém livres de
aborrecimentos e da dor os que Lhe são fiéis, ou protege os seus entes
queridos. Jó se voltou agora aos princípios da sua fé em Deus. Tinha
apenas duas escolhas:
- Amaldiçoar a Deus e desistir de obedecer e servi-Lo, ou
- Confiar em Deus e obter força d’Ele para continuar.
Poderia parecer que nesta situação Jó tinha boas razões para perder a
sua fé, e imprecar contra Deus como Satanás pensava que iria fazer. Mas
não o fez. Esta foi apenas a queixa amarga de um homem que sentia o
gosto da borra no fundo da taça da vida e não entendia porque isso lhe
acontecera.
Jó entrou em longas discussões com seus amigos sobre esses assuntos, e
por fim recebeu a resposta do Senhor. Jó então se sentiu muito humilde e
declarou ao Senhor: “… Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos
teus planos pode ser frustrado… Certo é que falei de coisas que eu não
entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber… Meus ouvidos
já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por
isso me menosprezo a mim mesmo, e me arrependo no pó e na cinza” (Jó
42:1 a 6 – NVI).
Séculos mais tarde, sob a inspiração do Espírito Santo, Paulo
declarou “sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos
8:28). Tenhamos sempre presentes diante de nós a experiência de Jó e
estas palavras de Paulo, para nos mantermos firmes, mesmo nas maiores
provações. Deus é soberano, tem infinita sabedoria e misericórdia e
podemos assim nos confiar aos Seus cuidados, suportando com paciência os
dissabores desta vida, sabendo que é passageira e que nos espera uma
vida gloriosa na presença de Deus e Jesus Cristo, nosso Salvador.
Richard D. Jones
http://www.verdade-viva.net/a-angustia-de-um-crente/
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