Há quem use a religião para se alienar do mundo sociopolítico, usando como o “ópio do povo”, como criticou Karl Marx.
Há quem use a religião para se promover, embora pense em aja totalmente diferente do que ela ensina, difamando-a na prática.
Há quem pense que a Bíblia não tem nada a dizer sobre a política corrupta de nosso tempo, ignorando-a.
Mas este pequeno trecho bíblico – que representa grande parte da mensagem dos profetas – mostra que nada disso é verdade e nos orienta numa profunda visão da política, com esperança e crítica.
Isaías 32.1-8
Eis aí está que reinará um rei com justiça, e em retidão governarão príncipes (v.1)
A esperança anunciada pelo profeta é de um rei que reina com justiça e
de príncipes que governem de maneira correta. Essa promessa se refere
ao Messias de forma geral, mas também ao tipo de governo que Deus deseja
para seu povo, o que nos permite ampliar a aplicação desses princípios
às autoridades constituídas, tanto por esperança como por denúncia.
O
povo já estava cansado de viver o oposto do governo justo e Deus também
era contra isso, pois não fora para isso que ele constituiu autoridade e
o próprio povo.
A promessa de salvação da parte de Deus é dada também em termos
práticos e sociais. Para que todos entendessem também qual é a vontade
de Deus para o poder público e, assim, aqueles que vivessem pela
esperança, já vivessem de acordo com o que esperavam; o mesmo serve pra
nós (cf. Mateus 5.6).
Cada um servirá de esconderijo contra o vento, de refúgio
contra a tempestade, de torrentes de águas em lugares secos, e de
sombra de grande rocha em terra sedenta (v.2)
Na vida social e política, a função dos líderes (e também de cada cidadão) deve
ser a de servir de apoio e segurança nas dificuldades diversas que
podem vir ao povo. Algo que é até óbvio: na ocasião do vento, precisa-se
de um esconderijo; na tempestade, de um refúgio; em lugar seco,
torrentes de águas; na terra sedenta (ensolarada), grande sombra.
Essa, inclusive, foi a sabedoria de José, no Egito, na ocasião do
sonho do faraó prevendo fome (Gênesis 41). Sabendo que haveria escassez,
aproveitou a época das “vacas gordas” para preparar a nação para tal.
Entretanto não é essa a sabedoria que o povo estava vendo em suas
autoridades, assim como atualmente também não estamos. Como ironizou
Herbert Vianna na música “Lourinha Bombril”: “Lá vem o presidente
trazendo a solução: livro para comida e prato para educação”.
Os olhos dos que vêem não se ofuscarão, e os ouvidos dos que ouvem estarão atentos (v.3)
Quando a autoridade está agindo contrariamente a seu dever, precisa
esconder suas ações. É melhor que ninguém veja, não perceba e, muito
menos, fale.
Por isso o sistema injusto procura impedir a visão dos que vêem, seja
pela censura direta ou pela ofuscação da visão daqueles que pretendem
ver. Ofuscam a visão jogando outros interesses menores, discursos
demagógicos e até mesmo entretenimento. De modo que ainda que a visão
seja óbvia, fique ofuscada, como se não estivesse vendo o que devia ver.
Assim, aqueles que deveriam ao menos ouvir as denúncias dos que vêem –
sejam autoridades ou o povo acomodado – acabam nem sequer se
preocupando em ouvir, não querem nem saber.
Mas a esperança é que os que vêem possam ver claramente e, assim,
contribuir com sua visão. E que os que precisam ouvir deem atenção.
O coração dos temerários saberá compreender, e a língua dos gagos falará pronta e distintamente (v.4).
Esta situação confusa – onde o óbvio é ofuscado e onde ninguém quer
saber – produz muitas pessoas de coração temerário, ou seja,
precipitado, ansioso e perdido, ainda que com interesse em compreender.
Pessoas que pensam compreender os problemas, mas que acabam focando
questões secundárias e propondo soluções parciais e paliativas. Há
aqueles também que só buscam melhoras para o grupo específico a que
pertencem.
Outros ficam sem voz, ou com voz fraca e temerosa, para falar o que
gostariam, ou deveriam, e assim têm pouca ou nenhuma influência na
situação.
A promessa indica sabedoria para que se possa compreender, para que
mesmo o coração precipitado possa ser ponderado e sábio (Tiago 1.5-8).
Também indica que as pessoas poderão falar clara e prontamente, sendo respeitados ouvidos como cidadãos.
Ao louco nunca mais se chamará nobre, e do fraudulento jamais se dirá que é magnânimo.
Porque o louco fala loucamente, e o seu coração obra o
que é iníquo, para usar de impiedade e para proferir mentiras contra o
Senhor, para deixar o faminto na ânsia de sua fome, e fazer com que o
sedento venha a ter falta de bebida.
Também as armas do fraudulento são más; ele maquina
intrigas para arruinar os desvalidos, com palavras falsas, ainda quando a
causa do pobre é justa (v. 5-7).
Dessa maneira o louco e o fraudulento serão vistos como realmente
são; e não mais como nobres e magnânimos. A versão da Bíblia na
Linguagem de Hoje traduz “louco” como “sem-vergonha” e “fraudulento”
como “malandro”, o que faz muito sentido.
Quando tudo está encoberto ou ofuscado, os valores também são
trocados e não há clareza para se julgar. É aí que muitos maus acabam
sendo vistos como bons (cf. Isaías 5.20).
O
profeta denuncia que o que o louco (ou sem-vergonha) faz é falar
loucamente, fala muito, mas seu coração é injusto e impiedoso. Pode até
falar de Deus, mas o que fala é mentiras proferidas contra ele, pois na
prática faz o que é contra Deus: deixa o faminto com fome e o sedento
com sede. Jesus considera isso um crime contra ele mesmo (Mateus
25.31-46).
O fraudulento (malandro) é denunciado como aquele que “maquina
intrigas para arruinar os desvalidos”. Que usa o próprio sistema, a
própria burocracia e até mesmo as leis (ou suas “brechas) para fazer com
que a justa causa do pobre e do desvalido seja arruinada. De modo que
aqueles que deveriam ser protegidos pelas autoridades – como foi dito
acima – acabam sendo vítimas das próprias autoridades.
Mas o nobre projeta coisas nobres, e na sua nobreza perseverará (v. 8).
Mas aquele que é realmente nobre – honesto e justo – projeta coisas
nobres. Realmente vê, pensa e sugere soluções. Leva a sério sua função
(como descrita no v. 2) e trabalha por isso. Não apenas com palavras
vazias como do louco, mas com projetos que realmente identifiquem os
problemas e que sejam melhorias possíveis e reais. Que não sejam
“soluções” que apenas ofusquem mais a visão ou que apenas fechem as
bocas de alguns, mas que sejam realmente “nobres”, no melhor sentido da
palavra.
Quem for realmente nobre terá que perseverar nessa nobreza, pois tudo
conspira contra ela. Terá que se manter firme diante dos mais diversos
ataques, ofuscações e censuras. Terá que ter força interior para
realmente ir em frente,verdadeira motivação e ideologia para continuar.
É aí que a fé torna-se fundamental. Não fé como fuga da realidade ou
como “ópio do povo”, mas como o que nos mantém no caminho da justiça,
projetando coisas nobres e permanecendo nelas.
Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. (Mateus 5.10)
FONTE:
http://flaviogoliveira.wordpress.com/2012/09/03/a-esperanca-por-um-governo-justo/
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