Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse
Uma figura metafórica sempre tenebrosa e muito utilizada, em especial
no cinema, é a dos quatro cavaleiros do Apocalipse, que espalham terror
e destruição por onde passam. Aproveitando a metáfora, gostaria de
pensar nos quatro principais inimigos de um relacionamento conjugal, ou
seja, queria partilhar, a partir de minha experiência clínica de
consultório e de minha experiência como palestrante de encontros de
casais, quais são os principais elementos que destroem um
relacionamento, em especial o relacionamento conjugal.
Creio que o primeiro cavaleiro destruidor dos relacionamentos no
casamento é a má comunicação. Embora este tema já tenha sido amplamente
explorado por estudiosos da área e até best-seller em prateleiras de
livrarias (Homens são de Marte…), ainda continua sendo um dos inimigos
principais de um relacionamento.
Paul Watzlawick em seu clássico livro “A Pragmática da Comunicação
Humana” citando Gregory Batenson dizia que se chutamos uma pedra ao
caminhar, isso é transmissão de energia, mas se chutarmos um cão, isso é
comunicação, em virtude da imprevisibilidade da resposta do outro e
conclui: ‘Não é possível não se comunicar’, em se tratando de seres
vivos. Todo o tempo estamos comunicando algo – mesmo com nosso silêncio.
A questão não é se comunicamos ou não, mas COMO comunicamos algo.
Tenho atendido centenas de casais que tem demandas legítimas um em
relação ao outro no casamento, mas que não sabem comunicar isso de forma
funcional. Como a esposa que demanda carinho de seu marido (algo bom),
mas que comunica isso em forma de cobranças (algo ruim), fazendo com que
o marido sinta-se controlado (algo pior) e acabe afastando-se ainda
mais da esposa (algo destruidor). Assim uma má comunicação transforma
algo bom em algo destruidor para o relacionamento. Exemplificando: ‘O
marido, ao sair do trabalho no final de expediente, encontra um amigo e
fica conversando, não percebendo que as horas passam. A esposa, em casa,
fica aflita com a demora do marido – porque espera que ele chegue para
ter o carinho dele – liga para o celular do esposo e diz bruscamente:
‘Onde você está?’ O marido sente isso como uma cobrança e ao invés de
informar o ocorrido, devolve um: ‘Já estou indo para casa’. Ela se
ressente ainda mais e, quando ele chega em casa ela, que queria tanto o
carinho dele, o recebe friamente, ou com afirmações genéricas tipo:
‘Ninguém deixa a esposa em casa sozinha para ficar pelos bares com os
amigos, especialmente sabendo que ele precisa dele’. Já o esposo
interpreta isso não como um pedido de acolhimento e carinho e sim como
cobrança de participação nas tarefas e entra por outro atalho dizendo:
‘Eu já tenho muito trabalho e preocupações em meu emprego e tenho o
direito de me divertir’. E assim o diálogo vai se deteriorando cad vez
mais e se afastando de suas intenções originais que eram a demanda de
carinho, atenção, afeto e cuidado com o outro. O COMO comunicamos é
fundamental para o relacionamento.
O segundo cavaleiro do apocalipse nos relacionamentos é, sem dúvida, o
desligamento da família de origem. Jay Halley diz que ‘não podemos
estar casados com duas pessoas ao mesmo tempo’, referindo-se à idéia
que, se não nos ‘divorciarmos’ plenamente de nossas famílias de origem e
iniciarmos a construção de algo novo com nosso cônjuge, jamais nos
sentiremos realizados nos nossos relacionamentos conjugais.
Muitas são as razões pelas quais as pessoas relutam em tornarem-se
plenamente independentes dos pais ou da família de origem. Pode ser por
insegurança, uma auto-estima debilitada, mas o mais comum é que pais
tenham dificuldade de ‘soltarem’ seus filhos para estes desenvolverem
uma nova família porque viveram toda a vida em função dos filhos e a
saída destes pode ameaçar a relação do casal que, após 25, 30 anos de
vida comum, se vêem como estranhos em relação ao outro – desenvolveram
mundos independentes e apoiados na relação parental – não na conjugal.
Não penso aqui em casais que tem dificuldades de relacionamento com
os progenitores de um ou de ambos os cônjuges, mas em famílias realmente
fusionadas, que não conseguem estabelecer limites neste relacionamento
com a família de origem e onde constantemente sofrem interferências dos
pais, que continuam tratando os filhos como se fossem adolescentes.
O princípio milenar bíblico: deixar pai e mãe continua muito válido
em nossos dias, confirmam os terapeutas familiares. Somente quando você
pode deixar a família de origem e partir nesta maravilhosa aventura de
construção de um relacionamento a dois, é que você pode colocar em
prática toda sua criatividade (construir algo novo) e tornar-se
co-participante no mandato cultural de “crescer” e multiplicar-se e
tornar-se mais semelhante da imago dei, de um Deus criador e criativo.
O terceiro cavaleiro do Apocalipse nos relacionamentos é a
infidelidade. Não somente a infidelidade sexual, embora esta seja, em
geral, a mais destruidora de todas, mas também a infidelidade de
compromisso de prioridade do relacionamento. Muitos não traem o cônjuge
com uma outra pessoa, mas o traem priorizando ou dando mais importância a
outras coisas em detrimento do relacionamento.
São situações expressas em termos populares como: ‘sou apaixonado
pelo meu time de futebol’; ‘o meu trabalho vem antes de tudo’; ‘não sei
porque ele(a) tem tantos ciúmes de meus amigos (meu hobby)’; ‘se eu não
for à igreja e ficar no domingo com meu marido/esposa sinto que Deus vai
me reprovar’…. Na verdade são todas expressões que ocultam uma só
verdade: algo é mais importante que o relacionamento conjugal.
Tecnicamente os terapeutas familiares denominam este elemento de
‘Preferida’ e o mesmo está na gênese de muitos rompimentos conjugais.
Algumas vezes a pessoa que tem a ‘Preferida’ não se dá conta que isso
está deteriorando o relacionamento conjugal porque acredita que a
‘Preferida’ é algo bom. ‘Trabalho 12 horas por dia para proporcionar
mais conforto e bem estar para minha família’, afirma o empresário. Ele
nem se apercebe que agindo assim está priorizando o seu tempo para o
emprego e sendo infiel com aqueles a quem ama e quer o melhor.
Quando a ‘Preferida’ é outra pessoa e a infidelidade deslizou para o
campo sexual, é necessário se rever todo o relacionamento, pois se um
dos cônjuges é capaz de buscar intimidade com alguém de fora é porque
realmente algo na intimidade a dois (o mais profundo do relacional) não
vai bem. Também será necessário o exercício do perdão – que é mais
difícil para quem não vive uma relação com Deus e sentiu-se também
perdoado um dia. Um excelente livro sobre o perdão é o do psiquiatra
Fábio Damasceno.
Finalmente o quarto cavaleiro do Apocalipse é o individualismo. Este
venerado ‘deus’ do nosso século, exaltado nos cultos à globalização, é
talvez o mais destruidor de todos os quatro elementos relacionais. Cada
vez mais se torna difícil a sociedade em geral e os relacionamentos em
particular pensarem em termos de NÓS.
A ideologia dominante de mercado incentiva que cada pessoa deve
buscar o que é bom para si, não se importando muito se isso vai agradar
ou não o outro. Um princípio do neoliberalismo é que tudo é relativizado
em função do indivíduo. O juízo moral se define em termos de
prazer/desprazer individual (creio que este é um perverso desvirtuamento
do princípio freudiano) e os princípios universais de direitos humanos
estão cada vez mais sendo reduzidos ao conceito de ‘prazer biológico’.
‘Se seu cônjuge não te dá o ‘prazer’ sexual que você esperava dele(a),
troque por um modelito mais competente, afinal você ‘merece’ realizar
todas suas fantasias’.
Os relacionamentos tornaram-se descartáveis como os produtos e o
compromisso passa a ser redefinido como contrato transitório enquanto as
partes obtenham vantagens. Torna-se fácil trocar de cônjuge com as leis
pró-divorcistas; difícil é investir e tentar buscar acordos que
satisfaçam ambas as partes – o NÓS! Lembro, metaforicamente, das
palavras de Jesus que dizem que fácil e largo é o caminho que conduz à
perdição e difícil e estreito é o caminho que conduz à vida. Realmente é
sempre mais difícil tentar e tentar e tentar de novo estabelecer algo
bom com o cônjuge – bom para ambos! Mais fácil é: se o outro pensa
diferente de mim, vou ‘encontrar’ alguém que me entenda! Pobre ilusão do
mercado. O mercado quer pessoas que se comprometam só com ele mesmo.
Que melhor para uma multinacional que o empregado jovem, solteiro e
disponível, querendo crescer em sua carreira, que se dispõe a trabalhar
12 a 15 horas por dia e que nem tem ninguém em casa para reclamar e que
possa vir a disputar este quinhão de dedicação. Ainda mais, sem um
compromisso o jovem e ambicioso empregado pode ser remanejado a qualquer
hora, para qualquer lugar do planeta. É prezado leitor, nosso sistema
econômico conspira contra a família e por isso apóia o divórcio fácil, a
liberação geral de toda e qualquer expressão sexual (já não se precisa
nenhum compromisso para se ter sexo) e tudo que facilite o
individualismo.
Ser adulto, solteiro(a), acima de 30 anos e bem posicionado
profissionalmente é a aspiração da maioria dos adolescentes de hoje.
Casamento é palavra estranha e ‘ficar’ é a palavra de ordem. Rüdiger
Safranski, um filósofo alemão contemporâneo, autor de “O mal ou o drama
da liberdade” nos alerta dos perigos de uma sociedade escravizada pelo
mercado e que não estabelece regras morais para seu seguimento.
Certamente existem outros elementos que conspiram contra e destroem
os relacionamentos, mas creio que estes quatro são os mais alarmantes.
Necessitamos de ações preventivas e terapêuticas e, neste sentido, creio
que a Igreja está em uma posição privilegiada, pois semanalmente pode
instruir centenas de fiéis sobre princípios de um relacionamento
saudáveis, gerando uma sociedade mais sólida e saudável, ao invés de
discursos de uma espiritualidade desencarnada, individualista e servil
ao ‘deus’ mercado.
Creio que não é por acaso que a Bíblia compara o relacionamento
conjugal com a relação entre Cristo e sua Igreja. Ele quer se comunicar,
íntima e profundamente com ela; Ele precisou ser abandonado pelo Pai
para entregar-se e morrer por ela; Ele permanece fiel, mesmo quando ela
se mostra infiel e ele quer formar com ela o novo céu e a nova terra
para desfrutarem juntos de um lugar onde não há dor, nem pranto
(Apocalipse 21:9).
http://ultimato.com.br/sites/casamentoefamilia/2012/03/20/os-quatro-cavaleiros-do-apocalipse/
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