Artigo publicado na edição 329 da revista Ultimato
Fui criada num lar evangélico e a palavra de Efésios 5.22 foi
comentada muitas vezes, tanto em casa quanto na igreja. Sempre me senti
extremamente desconfortável com a interpretação passada, pois tinha
sempre um enfoque machista.
A expressão “o marido é o cabeça, mas a esposa é o pescoço, que a
vira para onde quer” é muito comum, e demonstra como tal conceito ainda
gera desconforto e incompreensão. O fato de haver uma divisão de assunto
entre os versículos 21 e 22 faz com que se perca a fluência natural do
texto escrito.
Quando em encontros para casais, meu esposo inicia uma palestra
provocativamente com a frase do título (maridos: sejam sujeitos às suas
mulheres), logo surgem intensas reações! Na forma literal, não há esse
versículo na Bíblia. Porém, em Efésios, imediatamente antes de falar
sobre a submissão da mulher, Paulo afirma: “Sujeitem-se uns aos outros”
(Ef 5.21). Ora, “uns aos outros” significa que os maridos devem
sujeitar-se às suas esposas da mesma forma que elas, aos maridos.
Infelizmente, em uma parte significativa das igrejas cristãs, existe
dificuldade em lidar com a questão do funcionamento dos papéis na
relação conjugal.
Influenciados pelos ranços culturais de matizes machistas, tendemos a
distorcer o propósito de Deus na criação e vivemos um modelo alicerçado
na temporalidade da queda.
A relação entre homem e mulher, de acordo com René Padilla, passa
por três momentos distintos ao longo da história. O primeiro é o da
perfeita harmonia na criação, em que homem e mulher se vêem como iguais e
complementários: “Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha
carne” (Gn 2.23). O segundo é o da distorção causada pela queda, em que o
pecado causa uma hierarquização e uma crise relacional: “E o teu desejo
será para o teu marido, e ele te dominará” (Gn 3.16). O terceiro é o da
restauração da intenção perfeita de Deus em Cristo, em que: “Não pode
haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher;
porque todos vós sois um em Cristo” (Gl 3.28), porque “se alguém está em
Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se
fizeram novas” (2Co 5.17). Em Cristo realmente se inicia uma nova era na
humanidade (1Co 15.45), em que os padrões da queda não devem mais ser
vigentes para os que abraçam a fé cristã.
A mutualidade da sujeição na relação conjugal aponta para a intenção original de Deus na criação e, ao mesmo tempo, denuncia as disputas por poder e a
distorção gerada pela verticalização nessa relação. Na unidade mística
da relação conjugal não há hierarquização, mas sim complementaridade, a
partir da ternura, que gera a unidade.
É necessária a compreensão de que o único modelo de liderança aceito em qualquer relação, a partir de Cristo, é o modelo do próprio Cristo: o líder-servo (Jo 13.14 e 15; Mt 20.25 e 26) que dá a sua vida em favor de seus liderados. Dar a vida não é apenas uma ação heroica quando o outro está em uma situação de perigo. A vida é, em essência, uma quantidade indeterminada de tempo doada por Deus a cada um de nós. Assim, dar a vida é abrir mão disso que me foi doado e oferecer ao outro — mesmo que seja o tempo do passatempo predileto.
Agindo assim é que conheceremos verdadeiramente o que é uma relação de amor (1Jo 3.16).
http://ultimato.com.br/sites/casamentoefamilia/2012/03/16/maridos-sejam-sujeitos-as-suas-mulheres/#more-24
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