Nathanael Winkler
Em Filipenses 3.2 lemos: “Cuidado com os
‘cães’, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa
circuncisão!”. Paulo passa esse tipo de advertência em quase todas as
suas cartas. Ele adverte contra falsos mestres que penetram na igreja e
ensinam algo diferente do que Paulo e os apóstolos. Ele descreve os
falsos mestres como cães, como quem pratica o mal e como aqueles que
introduzem uma falsa circuncisão. Quando se trata do evangelho, Paulo
não contemporiza. Do ponto de vista atual, isso não é “politicamente
correto”. Em nossos dias, muitos – especialmente políticos – procuram
enfeitar o que dizem para de modo nenhum ferir alguém. Paulo, no
entanto, não pode tolerar nada que afaste da doutrina da graça.
Quem são os cães a que Paulo se refere? Naqueles tempos, os cães eram
diferentes daqueles que conhecemos hoje. Para nós, o cão é um animal
doméstico e é tido como agradável, gentil e o melhor amigo. Naqueles
tempos, porém, os cães eram selvagens, circulavam em bandos e só viviam
em busca de vítimas. O mesmo comportamento é o dos falsos mestres que
penetram na igreja. Eles procuram a quem possam devorar e onde estão os
pontos fracos.
No Salmo 59.4-5 diz: “Mesmo eu não tendo culpa de nada, eles se
preparam às pressas para atacar-me. Levanta-te para ajudar-me; olha para
a situação em que me encontro! Ó Senhor, Deus dos Exércitos, ó Deus de
Israel! Desperta para castigar todas as nações; não tenhas misericórdia
dos traidores perversos”. Davi descreve aqui os descrentes, os pagãos.
Mas em quem Paulo pensa? De certo modo, Paulo também se refere aos
descrentes. Em Filipenses 3.3 ele enfatiza: “Pois nós é que somos a
circuncisão”. Os falsos mestres eram judaístas e pregavam a circuncisão.
Afirmavam que os crentes deveriam circuncidar-se para serem membros
efetivos da igreja.
Paulo era judeu e em geral enfrentava oposição dos judeus. Aonde quer
que ele fosse, seu primeiro destino era sempre a sinagoga. De fato,
esse era o melhor ponto de partida para evangelizar numa cidade. Em
geral, os judeus causavam então algum tumulto por não concordarem com
Paulo. Onde há tumulto, costuma juntar gente para ver o que há. Uma
oportunidade como essa pode ser aproveitada para pregar a todos. Assim,
naquele tempo viviam no Império Romano muitos judeus espalhados por toda
parte, e Deus usou essa situação para divulgar o evangelho. Paulo
enfrentava oposição por perseguição. Os judaístas ensinavam “Jesus e a
circuncisão” ou “Jesus e o sábado” ou “Jesus e uma outra lei”. Não era
mais a graça somente.
Se alguém pregar um evangelho diferente daquele anunciado pelos apóstolos, ele será um falso mestre e amaldiçoado.
Paulo identifica esses “cães” também com “esses que praticam o mal”. O
termo “praticam” designa pessoas ativas e que, nesse caso, vêm trazer
um outro evangelho. Esse também era o problema das igrejas na Galácia:
“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que
os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na
realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os
estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda
que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que
pregamos a vocês, que seja amaldiçoado!” (Gl 1.6-8). Também aqui Paulo
não deixa dúvidas. Ele diz que, se alguém pregar um evangelho diferente
daquele anunciado pelos apóstolos, ele será um falso mestre e
amaldiçoado.
Esses “que praticam o mal” talvez fossem externamente perfeitos,
talvez seu estilo de vida parecesse impecável. Talvez tais pessoas
tenham sido observadas e tenham impressionado com sua aparência exemplar
e decente. No entanto, não devemos deixar-nos enganar: Satanás não é
tolo, ele sabe como pode seduzir os crentes. Em Filipenses 3.18 Paulo
escreve em prantos: “Pois, como já disse repetidas vezes, e agora repito
com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo”. O
apóstolo conhece o mal que esses inimigos poderão provocar. Ele adverte
os filipenses a ficarem atentos e, com respeito aos judaístas, que
deverão guardar-se do legalismo.
Tendemos facilmente a pensar que devemos oferecer algo a Deus para
receber algo dele. É a natureza humana: se eu trabalhar, serei
remunerado. Em parte, também pensamos assim em relação à obra da
redenção: preciso fazer algo a fim de merecê-la.
Não, nós nada podemos oferecer a Deus. Jesus Cristo realizou tudo por
nós. É graça e apenas graça. Será que isso significaria então que
podemos fazer o que bem entendemos? Não, um cristão que pensa assim
precisaria se questionar se ele realmente experimentou um novo
nascimento. Um cristão em quem realmente habita o Espírito de Deus
desejará viver segundo o padrão de Deus. Ele será transformado pelo
Espírito de Deus. Mas se começarmos a pregar a necessidade de praticar
isso e mais aquilo para conquistar a salvação, como por exemplo guardar
sábados e determinadas festas, observar leis de pureza, jejuar,
confessar-nos, isto será um outro evangelho, que não encontramos na
Bíblia.
Naquele tempo, o que penetrava na igreja eram os judaístas e
adicionalmente as marcas das religiões pagãs. E como é a situação nas
nossas igrejas? Em Mateus 7.21-23 lemos: “Nem todo aquele que me diz:
‘Senhor, Senhor!’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a
vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia:
‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não
expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes
direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam
o mal!”.
Trata-se aqui de pessoas ativas na igreja, mas cuja motivação não é
bíblica. Nem são renascidas e penetram na igreja por ganância. Essa
gente, que Paulo chama de “cães” e praticantes do mal, introduzirá uma
falsa circuncisão.
Teria Paulo algo contra a circuncisão? Em Filipenses 3.5 ele diz de
si mesmo: “Circuncidado no oitavo dia”. Mas ali ele fala da sua vida
quando ainda não era crente. Contudo, o que foi que ele fez depois com
Timóteo? Atos 16.1-3 relata: “[Paulo] Chegou a Derbe e depois a Listra,
onde vivia um discípulo chamado Timóteo. Sua mãe era uma judia
convertida e seu pai era grego. Os irmãos de Listra e Icônio davam bom
testemunho dele. Paulo, querendo levá-lo na viagem, circuncidou-o por
causa dos judeus que viviam naquela região, pois todos sabiam que seu
pai era grego”.
Paulo circuncidou Timóteo. A mãe de Timóteo era judia e sua
circuncisão era uma expressão do seu pertencimento ao povo de Israel.
Ele era judeu, e por isso não havia nenhum problema em que ele se
circuncidasse. A circuncisão foi feita para que ele não escandalizasse
os judeus. Paulo mesmo escreveu que ele se tornou judeu para os judeus e
grego para os gregos (1Co 9.20-21). Esse foi um passo muito sábio de
Paulo a fim de não se expor desnecessariamente a ataques. No entanto,
isso de modo nenhum significa que ele pregasse a circuncisão. Ele
enfatizava que aqueles que introduziam a falsa circuncisão exigiam a
circuncisão de todos.
Também nós precisamos ficar atentos em relação ao judaísmo para não
nos ocuparmos com coisas que nos conduzam de volta à lei da antiga
aliança ou de introduzi-las em nossa vida, afastando-nos assim da graça
de Cristo. Pergunto-me por que um cristão deveria de repente colocar um
quipá na cabeça se o Senhor e os apóstolos não mandaram fazer isso.
Talvez alguém goste disso, mas o faz para quem? E se alguém quiser
guardar o sábado, que o faça, mas então essa pessoa deveria guardar
ainda muito mais da lei da antiga aliança. Temos alguém que cumpriu toda
a lei: Jesus Cristo. Ele nos salvou. O objetivo de Paulo era anunciar
que não precisamos mais retornar à lei.
Deus não quer que vivamos a nossa fé em função da nossa própria força, porque assim fracassaremos.
Ele explica: “Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a
Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na
carne” (Fp 3.3, RA). Nós que pertencemos a Jesus Cristo é que somos a
circuncisão, tanto gentios como judeus. Deus não quer que vivamos a
nossa fé em função da nossa própria força, porque assim fracassaremos. A
nossa própria força nos levará ao desespero.
Quando Paulo enfatiza aqui o termo “carne”, ele não se refere a algum
comportamento pecaminoso. A lei não é pecado; antes, a lei revela a
nossa pecaminosidade. Quando a Bíblia fala de carne, geralmente ela
trata da oposição entre a carne e o espírito. Muitas vezes interpretamos
a ideia de “carne” como pecado, imoralidade, adultério, prostituição,
mas aqui não se trata de pecado e sim de algo que queremos alcançar na
carne por meio da nossa própria força. A carne é a essência do “eu”: eu
preciso fazer, eu preciso cumprir a lei, eu preciso orar cinco vezes por
dia etc. Confiar na carne busca uma redenção por obras – e nesse caso
estaríamos perdidos. Quando vivemos no Espírito, não nos orgulhamos do
nosso próprio desempenho, mas tão somente de Cristo, e é exatamente isso
que Paulo faz nos versículos seguintes, em que ele mostra que, se um
judeu pudesse orgulhar-se de tudo aquilo que conseguiu por meio da
carne, então esse judeu seria ele mesmo. Mas Paulo considera tudo isso
como perda, como lixo. Para Paulo, Jesus Cristo tornou-se tudo.
“Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos” (Ef 2.8-10).
https://www.chamada.com.br/mensagens/cuidado_com_os_caes.html
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