Craig L. Parshall
Alguns autores sempre parecem rápidos em
atrair leitores com a promessa de revelar a verdade por trás de
determinados “mistérios” da Bíblia. A última vez que procurei, na
Amazon.com, por livros com as palavras mistério e Bíblia
nos títulos, encontrei nada menos que 1.959 títulos. Muitos, eu
presumo, são simplesmente especulações desenfreadas daqueles que carecem
de fé na infalibilidade e na inspiração divina das Escrituras.
Após essa introdução, entretanto, deixe-me dizer que existe realmente
um verdadeiro mistério em Atos 8. Enquanto o evangelista Filipe pregava
o Evangelho por toda a Samaria, ele encontrou um homem chamado Simão,
que praticava suas obscuras artes mágicas. Esse mágico impressionava a
muitos e, assim, garantiu uma ampla audiência. Quando Filipe anunciou a
Jesus Cristo, os seguidores de Simão o deixaram, creram no Salvador e
passaram a ser batizados. Lucas, o autor de Atos, observa: “O
próprio Simão abraçou a fé; e, tendo sido batizado, acompanhava a Filipe
de perto, observando extasiado os sinais e grandes milagres praticados”
(At 8.13).
Porém, a história não termina assim. Depois de observar a poderosa e
sobrenatural habilidade dos apóstolos de conceder o Espírito Santo aos
crentes em Samaria, através da imposição das mãos, Simão começou a
cobiçar o mesmo poder (At 8.18-19).[1] Quando tentou comprá-lo do
apóstolo Pedro, recebeu uma das mais severas repreensões encontradas no
Novo Testamento (At 8.20-23). A descrição bíblica termina com Simão
implorando a Pedro para rogar ao Senhor em seu nome, esperando escapar
das consequências da condenação que Pedro lançou sobre ele (At 8.24).
Então, eis o mistério: esse antigo mágico creu em Cristo verdadeiramente? O que aconteceu com ele depois do versículo 24?
A resposta a essas perguntas é mais do que um mero detalhe na Bíblia.
É a chave para entender o perigo da heresia e da falsa espiritualidade
que afligem a cultura popular do século 21, e que tem contagiado a
“erudição” bíblica ultraliberal corrente.
A ascensão e a queda de Simão, o Mago
A História registra que o mesmo Simão retornou anos depois como
“Simão, o Mago”, um líder de culto herético que apareceu durante o
desenvolvimento da igreja primitiva e fundou uma seita pseudo-cristã
rival. Os primeiros pais da igreja que escreveram em defesa do
verdadeiro Evangelho depois da morte dos apóstolos, dos quais alguns
foram até martirizados por isso, relataram extensivamente sobre Simão, o
Mago.

Ruína bizantina em Pafos, na costa de Chipre, onde o apóstolo Paulo
cegou o mago Elimas (At 13.4-12), depois do confronto de Pedro com
Simão, o Mago.
Irineu atribuiu a ascensão do gnosticismo herético a Simão, o qual
descreveu como um propagador do falso conhecimento (o gnosticismo
enfatiza a obtenção esotérica do “conhecimento secreto” de Deus. Justino
Mártir condenou os ensinos de Simão. Hipólito relatou que Simão criara
uma vasta filosofia gnóstica e que tentara imitar a ressurreição de
Cristo, sendo sepultado vivo, com a promessa de ressuscitar três dias
depois. Entretanto, as coisas finalmente acabaram mal para ele quando o
“milagre” fracassou.[2]
Os pais da igreja primitiva citaram amplamente os escritos das
religiões antigas e heréticas, repletos de menções a Simão, o Mago. O
livro apócrifo A Grande Revelação, do século 2, supostamente escrito por Simão (embora mais provavelmente por seus discípulos); o apócrifo Atos de Pedro, do século 3; e a literatura Pseudo-Clementina. A Grande Revelação
fala abertamente sobre a posição de Simão como um pretenso redentor; os
outros livros mostram Simão como oponente de Pedro, lutando com ele até
a morte em Roma. Contam que Pedro supostamente frustrou a tentativa de
Simão de flutuar no ar, fazendo com que ele caísse por terra.[3]
O gnosticismo é uma seita herética que desapareceu lentamente, mas a
significância de Simão como progenitor da falsa espiritualidade
continuou por quase dois milênios, através de representações na arte e
na cultura. Michelangelo desenhou um esboço da batalha mítica entre
Simão e Pedro; o artista Avanzino Nucci, no século 17, pintou uma cena
representando a disputa de Pedro com Simão; e numerosos outros artistas
usaram Simão, o Mago, como tema. Simão até aparece em altos-relevos de
catedrais. A Divina Comédia de Dante menciona Simão no Canto XIX, na parte interior do inferno:
Ó Simão, o Mago, e todos aqueles que te seguiram, profanando e vendendo as coisas de Deus pelo preço de ouro e prata! Em vossa homenagem devo soar a trombeta, pois é aqui, nesta terceira vala, onde estais!”.
A ascensão do ceticismo
Então, com a aproximação do século 20, algo aconteceu. Simão, o Mago,
que fora visto por quase dois mil anos como um modelo de heresia,
obteve um tipo de salvo-conduto histórico. Típico da história das
igrejas liberais que começam a duvidar da sua influência concreta é o
texto:
Teorias (dos pais da igreja primitiva) sobre as origens e fontes do
gnosticismo (que eles gostavam de remontar ao passado, por uma sucessão
de mestres até Simão, o Mago, representado na narrativa de Atos 8.9-24),
foram, na maioria, produzidas para servir às necessidades da sua
polêmica... seu entendimento e seu tratamento das idéias gnósticas podem
ser parciais e não-simpáticas mesmo quando seus relatos são fiéis”.[4]
Note que os motivos dos pais da igreja primitiva são
considerados suspeitos, não a precisão de seus escritos sobre Simão, o
Mago. Muitos teólogos e historiadores da igreja citados acima (do Union Theological Seminary,
um baluarte do pensamento religioso liberal) também admitiram
relutantemente: “As fontes que esses escritores usaram [muitas vezes]
são dignas de confiança e o relato deles é preciso”.[5]
Outra razão para o declínio da posição de Simão como herético ocorre
pelo fato de que o próprio conceito de heresia caiu de moda. Heresia
(falsa doutrina) implica que haja uma doutrina verdadeira. Porém, os
estudiosos liberais tentam reduzir o credo doutrinário e o fundamento da
fé à irrelevância total.
O auto-declarado liberal John Shelby Spong afirmou abertamente que os
cristãos precisam enfrentar “uma devastadora compreensão – a saber, que
o credo doutrinário elementar da fé cristã foi criado para atender uma
condição humana que simplesmente não é verdadeira”.[6] Robert Funk,
fundador do ultraliberal Jesus Seminar, escreveu que a ascensão
dos “heréticos” realmente começou apenas quando bispos discordantes
recusaram apoio à “ortodoxia” oficial, no Concílio de Nicéia, em 325.[7]
Por alguma razão, Funk, que admite que o Credo dos Apóstolos pode ser
até da época do século 2[8], não vê a ironia nessa datação: o Credo –
que antecede o Concílio de Nicéia de Constantino em mais de 100 anos –
foi criado para sistematizar as crenças fundamentais da igreja primitiva
e para distingui-las das heresias. Essas heresias ameaçavam distorcer a
verdade histórica sobre Jesus e a mensagem verdadeira do Evangelho.
A última distorção de Funk (deveríamos chamá-la de “heresia”
histórica) foi refletida no romance de Dan Brown, famosamente impreciso e
popular: O Código Da Vinci. Um dos personagens do livro proclama: “A igreja primitiva literalmente roubou
Jesus dos Seus seguidores originais, monopolizou Sua mensagem humana,
envolveu-o em um manto de divindade e usou isso para expandir seu
próprio poder”. E, além disso: “Constantino encomendou e financiou uma
nova Bíblia, que omitiu esses evangelhos [gnósticos] que falam dos
traços humanos de Jesus e embelezou aqueles evangelhos que o fazem divino”.[9]
Não é de admirar que o pensamento popular dos séculos 20 e 21
esqueceu a moral por trás da história de Simão, o mago de Samaria.
Quando a possibilidade da verdade teológica objetiva é colocada em
dúvida e a história é reescrita com tendenciosidade antibíblica, a ideia
da verdade doutrinária torna-se arcaica – uma curiosidade antiquada.
O ressurgimento do Mago
Ao mesmo tempo em que os estudiosos liberais estavam tentando fazer
Simão, o Mago parecer irrelevante, um novo fenômeno crescia, celebrando
abertamente sua influência herética. Em 1875, Helena Blavatsky lançou um
novo movimento, chamado “teosofia”. Estabeleceu-se a Sociedade
Teosófica, que afirma que só se pode conhecer a Deus através do
misticismo.[10] Os princípios do movimento apresentavam uma forte
semelhança com os antigos ensinos do gnosticismo e da filosofia de
Simão, o Mago, em particular. G. R. S. Mead, um líder teosofista do
começo do século 20, escreveu:
O renascimento atual da pesquisa teosófica lança uma enxurrada de luz
nos ensinos de Simão, sempre que podemos encontrar qualquer relato de
primeira mão deles, e mostra que eram idênticos em seus fundamentos com a
Filosofia Esotérica de todas as grandes religiões do mundo.[11]
Enquanto a teosofia é um movimento formal extinto, suas raízes
gnósticas permanecem; e elas continuam a energizar e dar informação às
religiões do movimento Nova Era.[12] O sucesso mundial de O Código da Vinci e a publicidade com relação ao “Evangelho de Judas”, um texto gnóstico destacado pela National Geographic,
são evidências de que as doutrinas fraudulentas de Simão, o Mago, e de
sua laia, que se imaginava extintas há muito tempo, rondam agora os
salões da academia religiosa e se manifestam na cultura popular.
Por que a verdade é relevante
Apesar de sua aparente conversão, Simão de Samaria era realmente um
herege camuflado com motivos corruptos, mantidos ocultos até seu contato
dramático com Pedro em Atos 8.18-24?
Os fatos históricos apoiam fortemente essa conclusão. Vários
comentaristas bíblicos, incluindo F. F. Bruce, duvidam da sinceridade da
profissão de fé de Simão (v. 13). De fato, alguns importantes sinais no
texto bíblico nos ajudam a concluir que a profissão de fé de Simão não
foi sincera. Sua “conversão” aconteceu somente depois que ele perdeu sua
audiência para Filipe (At 8.11-12). A Bíblia conta que Pedro e João
impuseram as mãos para que os cristãos samaritanos recebessem o Espírito
Santo (At 8.17). Mas Simão, cujo nome foi referido nos versículos
10-13, não é citado entre os que receberam o Espírito Santo.

O gnosticismo é uma seita herética que desapareceu lentamente, mas a
significância de Simão como progenitor da falsa espiritualidade
continuou por quase dois milênios, através de representações na arte e
na cultura. O artista Avanzino Nucci, no século 17, pintou uma cena
representando a disputa de Pedro com Simão.
Mais importante ainda: as ações de Simão evidenciaram os frutos podres de um coração que não se arrependeu. Pedro o acusou de “maldade” e de estar em “fel de amargura e laço de iniquidade” (At 8.22-23). Além disso, quando Pedro instruiu Simão a arrepender-se e a orar por perdão, ele não o fez. Em vez disso, pediu a Pedro: “Rogai vós por mim ao Senhor, para que nada do que dissestes sobrevenha a mim” (At 8.24). A fala de Simão não revela arrependimento sincero, simplesmente um desejo de evitar o julgamento.
O texto de Atos 8, unido à reprovação dos pais da igreja primitiva em
relação a Simão, o qual consideravam o príncipe da heresia, leva-nos a
concluir que o coração dele nunca deixou as tendências pagãs de um mago.
Depois de seu contato superficial com o Cristianismo, ele simplesmente
adaptou sua filosofia corrupta para enfraquecer a recente formação da
Igreja de Jesus Cristo, como um parasita tira o alimento de seu
hospedeiro. O gnosticismo, que usa o nome de Cristo, mas exalta a falsa
ideia de alcançar a divindade através do conhecimento secreto, atendia
sua predileção pelas misteriosas artes secretas e esotéricas.
Esse tipo de falsa profissão de fé não é único no registro bíblico.
Em Gênesis, o sacrifício de Caim aparentou obediência; mas ocultou um
coração corrupto e ideias próprias de chegar a Deus. Nos Evangelhos do
Novo Testamento, Judas andou diariamente com os discípulos de Jesus, e
eles aparentemente não tiveram nenhuma suspeita de que ele era um
traidor e um impostor espiritual.
A proliferação de rituais religiosos, gurus espirituais e falsas
religiões é um desafio constante para a Igreja. A lição de Simão, o
Mago, ainda é clara: falsos profetas e ensinadores são um grande perigo
quando aparentam seguir práticas familiares e tradições cristãs,
enquanto alimentam ideias que são contrárias às Escrituras. Somos
avisados: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes,
provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas
têm saído pelo mundo fora” (1 Jo 4.1).
Porém, há ainda outra razão para atentar na lição de Simão de Samaria. O Senhor nos adverte a que nos apeguemos à verdade: “A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1.17). Vamos discernir a verdade, praticá-la e nos firmar em Jesus, o Único que veio para nos salvar.
(Craig L. Parshall — Israel My Glory — Chamada.com.br)
Craig L. Parshall é um destacado advogado em
processos envolvendo liberdades civis, direitos constitucionais e
liberdade religiosa. Ele é vice-presidente-sênior e conselheiro geral da
National Religious Broadcasters, e também um romancista aclamado pela crítica.
Notas:
- O Dr. Charles Ryrie explica que Deus geralmente concedeu o Espírito Santo no momento da fé em Cristo; entretanto, no caso dos samaritanos, o Senhor escolheu os apóstolos de Jerusalém como um veículo para transmitir o Espírito Santo. O método serviu como um meio de unificação e para assegurar que não houvesse uma igreja separada e rival de cristãos samaritanos. The Ryrie Study Bible (Chicago: Moody Press, 1978) 1658, n. Atos 8.14-17.
- F. F. Bruce, Commentary on the Book of Acts (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), 178 nn. 28, 29.
- Kurt Rudolf, Gnosis: The Nature and History of Gnosticism (Edinburgh: HaperCollins, 1987), 294-297.
- Williston Walker, Richard A. Norris, David Lotz, e Robert T. Handy, A History of the Christian Church, 4ª ed. (New York: Scribner, 1985), 62.
- Ibid.
- John Shelby Spong, A New Christianity for a New World (San Francisco: HarperCollins, 2001), 124-125.
- Robert W. Funk, Honest to Jesus: Jesus for a New Millennium (New York: HaperCollins, 1996), 37.
- Ibid, 43.
- Dan Brown, The Da Vinci Code (New York: Doubleday, 2003), 233-234.
- Encyclopaedia Britannica, 2006 CD, s.v. “Helena Blavatsky”.
- G. R. S. Mead, “Simon Magus: An Essay on the Founder of Simonianism Based on the Ancient Sources With a Re-Evaluation of His Philosophy and Teachings”, Project Gutenberg EBook of Simon Magus.
- W. C. Campbell-Jack, Gavin J. McGrath, eds., New Dictionary of Christian Apologetics (Leicester, England: InterVarsity Press, 2006), 288.
- Bruce, 183-184.
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