Daniel Lima
Reflexão sobre a campanha contra a
futura ministra dos Direitos Humanos, a sra. Damares Alves, e o que os
cristãos devem aprender e lembrar com isso.
Nas últimas semanas, mesmo após o resultado das eleições
presidenciais, vejo um Brasil ainda muito dividido. Há pessoas que têm
promovido ainda mais a polarização, tanto de um lado como de outro. O
argumento da esquerda é mostrar como o presidente eleito já demonstra
que o seu governo será o pior desde, talvez, o início do Brasil
República. Já os apoiadores do presidente eleito vibram com cada passo,
alegando que cada um comprova o momento ímpar que estamos e vamos viver
como nação. É óbvio que temos e devemos ter pontos de vista diversos e
conflitantes. Nem estranho muito a vibração a favor ou contra. O que tem
me chocado é a hostilidade e a baixeza dos argumentos nesta discussão.
Quero tratar da atual e gritante campanha contra a futura ministra
dos Direitos Humanos, a sra. Damares Alves. No entanto, por reconhecer
que este tipo de ataque não é prerrogativa da esquerda, quero ao menos
mencionar a deplorável campanha contra a deputada Maria do Rosário.
Muito embora eu tenha profundas divergências com as opiniões desta
personagem política, a exposição de fotos de sua filha menor de idade em
condições de abuso de substância e talvez desequilíbrio, além de ser
criminoso, não contribui para nenhuma discussão, mas unicamente para
acirrar o ódio. Será que quem posta fotos assim acredita que sua família
está acima desses dramas? Na verdade, essa técnica de destruir
reputações para invalidar posições é tão antiga quanto a política e
representa o que há de pior nos relacionamentos humanos. A estratégia é
ridicularizar a pessoa que apresenta uma posição contrária para desta
forma anular qualquer pretensão de validade em seus argumentos.
No caso da sra. Damares Alves, esse padrão foi seguido à risca. Muito
embora todos saibam que a escolha de ministros é prerrogativa do
presidente eleito, é natural que muitos discordem da indicação dessa
senhora para esse cargo. Mas causa uma certa surpresa o tom das
críticas, pois tem-se a impressão de que esta senhora é a primeira
pecadora a ser conduzida em um panteão de santos. Infelizmente, pessoas
das mais variadas – e às vezes questionáveis – qualificações já ocuparam
esses postos sem tanta crítica. É também natural que pessoas queiram
veicular sua discordância. O que tem chocado muitos é a hostilidade e
mesmo a crueldade dos argumentos.
O ponto principal dos ataques é a declarada fé da futura ministra. No
centro da campanha de destruição da reputação está seu relato sobre um
momento especial em que, aos 10 anos de idade, após uma experiência de
anos de abusos sexuais perpetrados por um membro adulto da família, ela
decide tirar a própria vida. De posse de um vidro de veneno, ela sobe em
uma goiabeira e, enquanto estava criando coragem para o ato, tem uma
visão em que Jesus sobe na goiabeira e a convence a não tirar a própria
vida. Essa experiência, nas palavras dela, fez com que ela não só
desistisse do suicídio, mas que assumisse uma postura de enfrentamento
na vida.
Para a grande maioria dos cristãos, inclusive eu, essa história é,
sim, plausível, pois cremos em um Deus que intervém na história. Se ele
fez com que um jumento falasse, por que não subir num pé de goiaba?
Cremos em um Deus que se fez humano e entrou na história para interagir
conosco. É exatamente isso que comemoramos no Natal. Essa é uma história
relatada por uma menina abusada e traumatizada quanto ao seu
enfrentamento de uma experiência paralisante e deformadora da alma. O
mínimo que um leitor honesto teria de admitir é que essa experiência
(imaginária ou não) levou esta menina a ressignificar sua experiência de
abuso e construir um novo elemento fundamental em sua identidade: seu
valor pessoal. Tendo lidado com muita gente que sobreviveu a abusos,
minha oração é que todas as crianças abusadas possam passar por
experiências que as levem ao mesmo resultado.
Cremos em um Deus que se fez humano e entrou na história para interagir conosco. É exatamente isso que comemoramos no Natal.
Reconhecidamente, há muitos pontos que alguém poderia (não estou
convencido de que deveria...) discutir nessa história. Como uma menina
conseguiu veneno? Será que ela ia mesmo tomar o veneno? Em sua conversa
com Jesus, ela precisava falar o que falou? E, finalmente, era mesmo
Jesus? No entanto, todas essas perguntas, embora curiosas, são
irrelevantes para um fato crucial da história: uma menina abusada pensa
em tirar a própria vida, mas após uma experiência decide que vale a pena
viver e enfrentar o abuso. Muito mais relevante do que as perguntas
alistadas acima são outras perguntas que se impõem: como a família nunca
percebeu o abuso e protegeu a menina? Como um líder religioso consegue
justificar ou racionalizar uma prática assim? Como a família ou a
comunidade da igreja nunca promoveu um ambiente em que ela pudesse
procurar ajuda? Como nós, enquanto sociedade, ainda permitimos que isso
ocorra entre nós? O que temos feito como sociedade para que crianças
abusadas sejam apoiadas e que abusadores sejam enfrentados e tratados?
Curiosamente, essas são as perguntas que a futura ministra se propõe a
debater, mas que a mídia não parece tão interessada em discutir; afinal,
expor alguém ao ridículo parece trazer maior popularidade.
Há relatos anteriores à sua indicação para o ministério onde ela
afirma que “é hora de a igreja governar”. O contexto é inteiramente
outro, mas pessoalmente essa afirmação revela um descuido político e uma
imprecisão bíblico-teológica. Descuido político, pois, exceto se a sra.
Damares realmente crê num governo religioso, qualquer governante deve
exercer sua função para todos, religiosos ou não. Muito embora eu tenha
convicções cristãos muito claras, não posso forçá-las por força de lei
sobre os outros. Esse modelo político e religioso já foi tentado, com
resultados muito decepcionantes.
A imprecisão bíblico-teológica dá-se porque um governo da igreja
sobre um país não se encaixa em quase nenhuma visão teológica, exceto
por uma posição pós-milenista, que acredita que a igreja triunfará até a
vinda de Cristo, posição defendida por poucos teólogos hoje em dia. A
grande maioria do povo evangélico entende que a função da igreja nesta
era é promover o reino até que Cristo retorne. A perspectiva
pré-milenista é a de que haverá um período em que Cristo reinará por mil
anos na Terra e nós, a igreja, governaremos com ele. Isso, no entanto,
só ocorrerá após o período de tribulação e a base do governo na terra
não será a autoridade da igreja, mas a autoridade pessoal de Cristo. Uma
leitura introdutória excelente nesta área é o livro escrito por Ron
Rhodes, A Cronologia do Fim dos Tempos.
Existe também uma acusação de que uma ONG fundada por esta senhora
está enfrentando um processo na justiça por sequestro de crianças e
outros atentados contra indígenas. Sou leigo no assunto, mas investi
algum tempo lendo a respeito. As acusações são de grupos ideológicos e
ainda carecem de qualquer comprovação. É evidente, mesmo ao leitor
casual, que há um gigantesco conflito de interesses com respeito a como
lidar com povos indígenas e, nesse terreno, as ideologias se manifestam
de modo hostil, polarizando a discussão. Assim como a ONU parece sempre
ser parcial (assunto para outro artigo), as ONGs que militam na causa
indígena parecem, em muitos casos, mais comprometidas a validar sua
ideologia do que realmente buscar o bem-estar dos índios. Meu contato
com vários missionários com anos de atuação junto a comunidades
indígenas confirma os relatos da ONG fundada pela futura ministra dos
Direitos Humanos. Conheci uma jovem indígena que foi salva do
infanticídio e, em contraste, já ouvi pessoalmente antropólogos alegando
que não podemos interferir em casos de infanticídio, pois isso seria
afetar suas culturas... Pessoalmente, não sei se a sra. Damares fará um
bom trabalho no ministério ou não. Parece falar com convicção e sua
experiência de vida lhe dá paixão. Percebo em seu discurso alguns
exageros com os quais não concordo, mas é definitivamente cedo demais
para qualquer parecer conclusivo.
Novamente, importa lembrar que tanto agentes da esquerda como da
direita usam o mesmo método de invalidar argumentos: atacando a
reputação de quem se posiciona. Na verdade, essa prática é parte do ser
humano quando acuado em uma discussão. Lembro-me então de uma passagem
que pode nos instruir em nossas discussões. É a palavra do apóstolo
Paulo em Efésios 4.31-32:
31Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade. 32Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo.
O apóstolo está falando a cristãos, mas é curioso o contraste
estabelecido. De um lado amargura, indignação, ira, gritaria, calúnia e
maldade; do outro bondade, compaixão e perdão. Estas campanhas de
destruição da reputação parecem se encaixar integralmente no primeiro
verso. De especial interesse são duas palavras selecionadas. A primeira é
“gritaria”: a palavra no original trazia um significado de tumulto, de
clamores de uma multidão. Não há comunicação nesse contexto, sendo
perdida qualquer esperança de compreender ou ser compreendido; aquele
que apela para a gritaria deseja apenas sobrepujar o outro pela força da
sua voz.
Jesus não evitava confrontações, mas não praticava a blasfêmia.
A segunda palavra de interesse é “calúnia”. No original, é a palavra
que dá origem à palavra “blasfêmia” em português. Em geral, tanto no AT
como no NT, blasfêmia é dirigida contra Deus. Nesse caso se refere a um
falar arrogante e depreciativo de outra pessoa. Ao lembrarmos que toda
pessoa (esquerda ou direita, ativista LGBT ou militante neonazista) traz
em si a imagem de Deus, temos de concluir que desprezo por pessoas vai
em direta oposição ao caráter de Deus. Tiago expressa este conceito com
clareza em Tiago 3.9: “Com a língua bendizemos o Senhor e Pai e com ela
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus”. Quando atacamos o
caráter ou a reputação de uma pessoa estamos ofendendo a Deus de modo
muito pessoal.
Em contraste, o verso 32 fala de bondade, compaixão e perdão. Nossa
comunicação deveria ser marcada por essas atitudes. Às vezes vejo
cristãos atacando pessoas como se eles fossem nossos inimigos. É verdade
que muitas vezes eles se declaram dessa maneira, mas a Palavra é clara
quando diz que não lutamos com carne ou sangue, mas com poderes
espirituais. Isso não nos impede de tomarmos posições, mesmo posições
que irritem outras pessoas. Jesus não evitava confrontações, mas não
praticava a blasfêmia.
Minha oração é que sejamos exemplos em meio a uma época e uma geração
perdida. Que meu falar, teu falar, nosso falar seja ungido num bálsamo
de amor. Que nossas discussões evitem a destruição de reputações como
estratégia de argumentação. Os que me conhecem sabem que considero
fundamental a tomada de posições. Por vezes, confesso, também tenho
caído nos ataques pessoais, mas ao olhar a Palavra não só reconheço meu
erro como também vejo em minha vida e em nossa sociedade os efeitos de
discussões que abandonam o tema e partem para ataques pessoais. Isso não
tem nenhuma relação com a promoção do reino.
Quanto à nossa irmã Damares, eu oro para que ela exerça sua função
com graça, sabedoria e entendimento muito além das capacidades que ela
já tem. Oro para que os direitos dos mais fracos sejam defendidos sem
que os mais fortes sejam injustiçados. Oro para que a justiça brilhe
mais e mais. E, por fim, ao passar por goiabeiras, abacateiros ou
qualquer outro lugar que meu Senhor escolher, quero estar atento, pois
gosto muito de me encontrar com meu Senhor Jesus!
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