Texto base: Mateus 7.24-27
Perto de concluir o sermão no monte, Jesus conta a ilustração dos
dois caminhos, cujo propósito era ensinar sobre “o caminho estreito
oposto ao largo”1 (vs.13-14). Por conseguinte ele alerta para
o cuidado que devemos ter para não sermos enganados pelos falsos
profetas (vs.15-16), enfatizando o exemplo das duas árvores que
identificam o verdadeiro e o falso profeta – “o fruto bom oposto ao
ruim”2 (vs.17-20).
Adiante, Jesus continua dizendo que nem todos, pelo fato de
professarem ser cristãos, estarem na igreja e possuírem dons
espirituais, significa que são verdadeiros cristãos. Contudo, aquele que
demonstra pelas suas atitudes fazer a vontade de Deus, observado os
seus mandamentos em amor é o verdadeiro cristão que está nos céus e será
salvo (vs.21-23). Finalmente, Jesus conclui o sermão do monte com a
parábola sobre os dois construtores e as duas casas.
Esta última seção mostra a atitude do homem sábio e do homem tolo em
relação aos ensinamentos de Jesus (7.24-27); “é uma ilustração da
absoluta necessidade de fazer a vontade de Deus, isto é, o que Ele nos
disse para fazer”.3“Jesus queria que seus ouvintes não apenas ouvissem, mas também praticassem o que ele lhes havia dito”4 em todo o sermão no monte (Lc 6.46).
Todavia, ele “fala primeiramente sobre o modo como o homem sábio
construiu a sua casa, ou seja, sobre a rocha; em segundo, sobre a prova à
qual essa casa foi submetida e, em terceiro, sobre o resultado dessa
prova e o motivo desse resultado. Não obstante, ele segue a mesma
sequência com respeito ao homem insensato e casa que ele construiu”.5
Portanto, Jesus adverte nesta parábola que a “profissão de fé sem a
consequência mudança no modo de viver é vazia. As meras obras por si só
não salvam; antes é necessário ter um relacionamento genuíno com Jesus.
No dia do julgamento, muitos dirão: Senhor, Senhor!, e apelarão às suas
ações. Mas Cristo responderá: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós
que praticais a iniquidade (vs.23)”.6
Senão vejamos as características que diferenciam os dois construtores e a maneira como foi construída as duas casas.
- O primeiro construtor (7.24-25)
Jesus descreve a pessoa que ouve as suas palavras e as põe em
prática, isto é, que age baseado nelas (BJC) ou que vive de acordo com
os seus ensinamentos (NTLH) como um homem sábio. Este é retrato do
primeiro dos dois construtores pintado por Jesus nesta parábola. Este
construtor é descrito como um homem sábio por construir a sua casa sobre
a rocha. Como resultado, a chuva, que provocou o transbordar dos rios e
os fortes ventos que vieram contra a sua casa, não puderam derrubá-la.
Mas como essa casa conseguiu resistir a uma forte tempestade? Como ela
não ruiu?
1.1 A base da construção (vs.24)
Os dois construtores que Jesus enfatiza construíram suas casas no
mesmo local. “Ambos construíram suas casas num vale que contém o leito
de um rio. Durante a estação de estio este leito fica seco, ou quase
seco, de modo que não oferece risco algum a nenhuma das casas”.7
Na Palestina, quando se constrói uma casa, é preciso pensar com
antecipação. No verão, os rios geralmente secavam e deixavam o seu leito
arenoso e vazio. Há muitos terrenos que no verão são lugares aprazíveis
e sombreados, mas no inverno, depois das chuvas de setembro, o rio seco
se converte em esmagadoras correntes de águas. E procurando um lugar
para construir sua casa, a pessoa poderia achar que um desses terrenos
baixos e arenosos protegido dos ventos e do sol, era o lugar mais
apropriado para a construção. Mas se a pessoa não fosse precavida, não
se daria conta de que sua casa estaria sendo construída justamente num
leito seco de um rio que tem a duração de uma estação, e que no inverno a
água a desintegraria.8
Portanto, construir num lugar assim, sem cavar até a rocha, era
preparar-se para o desastre, uma vez que as casas na época de Jesus não
eram construídas de forma tão sólida quanto às construções dos dias
atuais. “Os ladrões podiam furar as paredes e entrar (6.19). O teto,
feito de terra e palha, podia ser facilmente aberto (Mc 2.4; Sl 129.6).
Tudo dependia do alicerce”!9
Indubitavelmente, o primeiro construtor é sábio e precavido. Ele
percebe que a estação seca não durará por muito tempo, mais do que 3
meses, e que as fortes chuvas e os ventos virão com ímpeto contra a sua
casa e ela será completamente inundada e destruída. Por isso o primeiro
construtor se prepara para evitar este grande infortúnio. “Antes de
construir a casa ele remove a terra solta, e cava até encontrar a rocha
(Lc 6.48). Assim, ele assenta o alicerce na rocha”;10 ou seja, ele constrói a sua casa sobre um sólido e firme fundamento.
1.2 O resultado da construção (vs.25)
Após um período significativo de trabalho árduo, tendo de cavar o
chão bem fundo até encontrar o firme alicerce para servir como base para
construir a sua casa (Lc 6.48), o primeiro construtor, depois de
terminado todo o seu trabalho, vai poder desfrutar de segurança e
tranquilidade pelo resultado de ter construído a sua casa sobre um
sólido fundamento. As chuvas e os fortes ventos não poderiam destruir a
casa por ela estar construída sobre a rocha.
APLICAÇÃO PRÁTICA
A pessoa que ouve as palavras de Jesus e as prática é o construtor
sábio. A casa construída sobre a rocha representa a vida alicerçada em
Cristo e no evangelho. A tempestade denota as provas da vida, as
adversidades, tentações, perdas, enfermidades e tantas outras coisas.
“Tudo depende de pôr em prática o que Jesus disse. Somente é sensato
ou sábio aquele que transpõe a palavra do Senhor para a prática”.11
Champlin salienta que esses 2 aspectos, ouvir e praticar, sempre andam
juntos (Tg 1.22-25). Nesse ponto é que falhavam os falsos profetas. E
que os falsos discípulos fingiam fazer. E é isso que os autênticos
discípulos devem fazer.12
William Barclay acentua que somente a vida cujo fundamento é firme
pode suportar as provas. Jesus exigia duas coisas. Exigia que os homens o
ouvissem e exigia que os homens pusessem em prática o que ele dizia. O
conhecimento deve transformar-se em ação; a teoria deve passar à
prática; a teologia deve chegar a ser vida.13
Existem muitas pessoas na igreja que ouvem os ensinos de Jesus, porém
não colocam nada daquilo que aprenderam em prática. Se dissermos que
somos cristãos, temos estas duas obrigações: ouvir e praticar, que se
resume na palavra obedecer!
Salmo 119.60 – Apressei-me, e não me detive, a observar os teus mandamentos.
- O segundo construtor (7.26-27)
Jesus destaca agora a pessoa que ouve as suas palavras e não as põe
em prática, isto é, que não age baseado nelas (BJC) ou que não vive de
acordo com os seus ensinamentos (NTLH) como um homem tolo. Em outras
palavras, um homem sem entendimento.
Todavia, este segundo construtor é descrito como um homem sem bom
senso ou sem discernimento porque construiu a sua casa sobre a areia.
Como resultado pela falta de sabedoria, choveu, os rios transbordaram, o
vento soprou contra a casa, e ela caiu (BJC) e foi totalmente
destruída. Por que esta casa não resistiu à forte tempestade e ruiu?
2.1 A base da construção (vs.26)
A descrição de Mateus acerca desta parábola não mostre todos os
detalhes da maneira em que cada um dos dois homens construíram as suas
casas. No entanto, temos um paralelo desta mesma parábola também
relatada por Lucas em seu evangelho, onde é relatado detalhes
imprescindíveis para entendermos melhor sobre a o processo da
construção.
Simon Kistemaker diz que os dois evangelistas, Mateus e Lucas,
mostram algumas diferenças na narrativa desta parábola. Mas estes
pormenores diferentes não alteram em nada o significado da parábola.14
No evangelho de Lucas (6.48) é mencionado um detalhe sobre o modo em
que o homem sábio construiu a sua casa e que já tratamos na seção
anterior. Lucas diz a respeito do primeiro construtor que ele cavou bem
fundo e pôs o alicerce sobre a rocha. Sobre o segundo construtor, é dito
no versículo 49 que ele construiu a sua casa na terra, porém sem o
alicerce.
Destarte, se examinarmos atentamente a passagem em voga, iremos
perceber dois erros que o segundo construtor cometeu. Vejamos, pois, os
dois erros:
- ELE QUIS EVITAR O TRABALHO ÁRDUO
O segundo construtor não queria trabalhar duro cavando fundo o chão
até na rocha, a fim de alicerçar a sua casa firmemente. Porém, construir
sobre a areia era muito mais fácil e menos trabalhoso, oferecia menos
problemas e, ademais, a conclusão da obra seria mais rápida.
APLICAÇÃO PRÁTICA
O segundo construtor preferiu a maneira fácil de construir a sua
casa. Por vezes nós agimos como este segundo construtor. Construímos
nossa casa espiritual não sobre a rocha, mas sobre a areia. É muito mais
fácil não viver uma vida de oração, de leitura e estudo das Escrituras,
de obediência aos mandamentos do Senhor, do que construir nossa casa
espiritual em uma vida pautada nestas disciplinas espirituais, isto é,
na rocha. Não praticar estas disciplinas que fazem parte de uma vida
cristã autêntica e normal implica construir nossa casa espiritual na
areia.
- ELE AGIU DE MANEIRA IMPRUDENTE
O tolo construtor não se preocupou em pensar o que poderia acontecer
com o lugar que havia escolhido para construir a sua casa quando o
período de chuvas chegasse. Ele foi negligente em não pensar no futuro,
preocupando-se só com o presente. Ele não sabia do risco que estava
sujeito como alvo das consequências desastrosas e do grande prejuízo que
as fortes chuvas poderiam lhe causar.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Assim como o segundo construtor, existem muitos crentes que pensam
apenas no presente, isto é, em aproveitar a vida e os prazeres do
pecado. “Em cada decisão que tomamos na vida há uma perspectiva de curto
alcance e outra de longo alcance. Feliz é o homem que nunca troca o bem
futuro pelo prazer presente. Feliz é o homem que vê as coisas, não à
luz do momento, e sim à luz da eternidade”15 (Mt 7.13-14; Cl 3.1-3; Hb 12.1-2a).
2.2 O resultado da construção (vs.27)
O construtor sábio teve como resultado por construir sua casa sobre
uma base sólida uma casa firme que resiste às fortes chuvas. O segundo
construtor, por sua vez, como resultado de sua negligencia por construir
sua casa sobre a areia, choveu, os rios transbordaram, o vento soprou
contra a casa, e ela caiu (BJC) e foi totalmente destruída.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Fritz Rienecker ressalta que ouvir apenas proporciona uma posse
aparente, que se quebra justamente quando deve ser comprovada. Porém
para aquele ouvinte que realiza o que ouviu, a palavra de Jesus se torna
um poder e uma força bendita;16 que não foi o caso deste
segundo construtor. Simon Kistemaker sublinha que quando a adversidade
chega como um furacão, a casa que não tem Jesus tomba, e sua ruína é
completa.17
CONCLUSÃO
Lloyd Jones corrobora que o propósito desta parábola foi o de
mostrar-nos a diferença entre a verdadeira e a falsa profissão do
cristianismo; a diferença entre o crente e o crente somente na
aparência, entre os indivíduos realmente nascidos do alto, que são os
filhos de Deus, e os indivíduos que somente pensam que o são.18 Os dois construtores descritos por Jesus representam o verdadeiro e o falso crente.
Os dois construtores, assim como as duas casas que foram construídas
no mesmo lugar, são iguais por fora. Mas a diferença entre eles, entre o
verdadeiro e o falso crente, no qual estes dois homens e as duas casas
representam, e que convivem no mesmo lugar, na igreja, será revelada
somente quando vierem as provações.
D. A. Carson afirma que apenas a tempestade revela a qualidade da obra dos dois construtores.19
É somente por meio das provas, da tribulação, das tentações, das
perdas, das enfermidades e, de acordo com o contexto no versículo 22,
onde o Senhor Jesus afirma que muitos me dirão naquele dia – uma
expressão referente ao dia do juízo, é que será manifesto e comprovado
quem é o verdadeiro e o falso crente.
John Stott complementa, dizendo que a verdade sobre a qual Jesus está
insistindo nestes dois parágrafos finais do Sermão é que nem um
conhecimento intelectual dele, nem uma profissão de fé verbal, embora
ambos sejam essenciais em si mesmos, podem substituir a obediência. O
que Jesus está destacando é que, aqueles que verdadeiramente ouvem o
Evangelho e professam a sua fé sempre hão de obedecê-lo, expressando a
sua fé em suas obras 20 (Tg 2.14-17).
Construir a casa sobre a areia significa construir uma vida cristã
sem profundidade, sem firmeza, fraca e temporária; uma falsa vida cristã
que certamente irá desabar. Como Judas Iscariotes não permaneceu em
Cristo, assim o falso crente também não permanecerá nele! Por outro
lado, construir a casa sobre a rocha é construir uma vida cristã
profunda, firme, forte e permanente em Cristo Jesus, o nosso Senhor!
NOTAS:
- David S. Dockery. Manual bíblico Vida Nova, pág 585.
- Ibid.
- Bíblia de Estudo Plenitude. Notas de Rodapé, pág 958.
- Simon Kistemaker. As parábolas de Jesus, pág 33.
- William Hendriksen. Mateus, volume 1, pág 536.
- David S. Dockery. Manual bíblico vida nova, pág 585.
- William Hendriksen. Mateus, volume 1, pág 537.
- William Barclay. Mateus, pág 314.
- William Hendriksen. Mateus, volume 1, pág 537, 536.
- Ibid, pág 537.
- Fritz Rienecker. Mateus – Comentário Esperança, pág 78.
- Russel Norman Champlin. Mateus, pág 336.
- William Barclay. Mateus, pág 314.
- Simon Kistemaker. As parábolas de Jesus, pág 32-33.
- William Barclay. Lucas, pág 74.
- Fritz Rienecker. Mateus, pág 78.
- Simon Kistemaker. As parábolas de Jesus, pág 33.
- D.M.Lloyd Jones. Estudos no Sermão do Monte, pág 567.
- D.A. Carson. Comentário Bíblico de Mateus, pág 235.
- John Stott. O Sermão do Monte, pág 97.
Autor: Leonardo Dâmaso
Divulgação: Reformados 21
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