Por Marcelo Berti
Não é novidade que a
liderança da igreja evangélica contemporânea tem falhado no ensino e
instrução de suas igrejas. Enquanto o apelo pelo funcional e prático
transformou os cultos um modo de moeda de troca pelo benefício da
popularidade, o moralismo e o legalismo se tornaram a referência da
espiritualidade da igreja. Pouco tempo se investe em questões de
natureza ontológica, e muito tempo em questões práticas. Não é à toa que
tal inversão de valores [em comparação com a igreja dos primeiros
séculos] tem criado um rebanho imaturo e despreparado para defender sua
própria fé.
Isso fica evidente na pesquisa publicada hoje (28/Out/14) pelo LifeWay Researchintitulada “Americans believe in heaven, hell and a lit bit of heresy” (Americanos acreditam no céu, inferno e em algumas heresias). De acordo com Stephen Nichols, o diretor acadêmico do Ligonier Ministries, a pesquisa “revela um significante nível de confusão teológica“. Ed Stetzer
afirma que o cristão norte-americano “gosta de acreditar em um tipo de
Deus quasi-cristão com doutrinas de padaria. No entanto, quando
perguntado sobre doutrinas mais complexas, coisas que a igreja
considerou e continua a considerar como ortodoxia, os números mudam."
SOBRE A TRINDADE
É assustador como o
conceito da Trindade não é compreendido pelos cristãos de modo geral.
Aquela doutrina considerada parte integral das mais importantes
doutrinas do cristianismo parece não ter clara definição no credo do
cristão comum norte-americano. De acordo com a pesquisa cerca de 70% dos
americanos acreditam que existe apenas um Deus que subsiste em três
pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. Ao mesmo tempo, 58% dos
evangélicos entendem o Espírito Santo como uma força e não como uma
pessoa, enquanto 17% acreditam que Jesus Cristo é primeira criatura.
Entre os Católicos o número é ainda mais assustador: 75% acreditam que o
ES é uma força, não uma pessoa e 28% entendem a Cristo como a primeira
criatura criada por Deus. Para piorar, 15% dos cristãos acredita que o ES é
menos divino que o Pai, enquanto 33% acreditam que o Pai e mais divino
que o Filho. A confusão teológica aqui é clara, pois é evidente que a
definição adotada é negada pelas definições que assumem. Ao que parece,
boa parte dos cristãos tem dificuldade para entender o conceito.
SOBRE A BÍBLIA
De acordo com a mesma
pesquisa, apenas 48% dos americanos acreditam que a Bíblia é de fato a
Palavra de Deus. Entre os evangélicos, enquanto 18% entendem que a
Bíblia tem sua utilidade, mas que ela não é literalmente verdadeira,
apenas 76% afirmam que a Bíblia é 100% verdadeira em tudo o que ensina.
Entre os protestantes não evangélicos, 50% deles afirmam que a Bíblia,
apesar de sua utilidade, não é literalmente verdadeira e apenas 36%
acreditam que a Bíblia é de fato verdadeira. Mas, a pior parte não é a
latente confusão teológica em relação a Bíblia, mas a visão que os
americanos tem em relação a outros livros religiosos. Por exemplo, 10%
dos americanos afirmam que o Livro de Mórmon é inspirado por Deus
enquanto 36% não tem certeza do mesmo.
SOBRE A SALVAÇÃO
No que se refere à
salvação, 68% dos evangélicos afirmam que a humanidade primeiro busca a
Deus, que então responde com Sua graça; 56% dos evangélicos afirmam que a
salvação é realizada em cooperação com Deus; 67% consideram que a
humanidade está habilitada a voltar-se a Deus por iniciativa própria.
Por outro lado, apenas 18% acreditam que a salvação é meritória, baseado
em atos de bondade realizados no passado ou presente. Um dado
interessante é que a visão da autossuficiência para salvação também
afeta a visão que o cristão tem da igreja e da necessidade de outras
pessoas para a saúde de sua vida espiritual. Cerca de 52% afirmam que a
adoração solitária tem o mesmo papel que a adoração comunitária, e por
isso não veem necessidade estarem conectados a uma igreja. 56% acreditam
que o sermão pastoral não tem qualquer autoridade sobre suas vidas e
45% acreditam que a Bíblia foi escrita para eles como indivíduos e que
como tal, eles tem o direito de interpretar as escrituras como quiserem.
RESUMO DA ÓPERA
Caso ainda não tenha ficado evidente, no evangelicalismo norte-americano sobrevivem três diferentes heresias históricas:
Arianismo: A
visão trinitária apresentada pelos evangélicos americanos em muito se
assemelha com a doutrina heterodoxa de Ário, o presbítero do quarto
século que ganhou notoriedade ao ensinar que Cristo era a primeira
criatura criada por Deus. Dificilmente os cristãos dos nossos dias
conhecem esse homem com detalhes suficientes para defender suas ideias
baseadas no seu ensino. Talvez parte da confusão tenha sido semeada pelo
investimento ‘missionário’ das igrejas unitaristas e movimentos
neo-arianos dos nossos dias. Entretanto, o que é evidente é que a
cultura de consumismo religioso tem extirpado da igreja a necessidade do
ensino aprofundado das escrituras e criado um cristianismo aquém das
Escrituras.
Humanismo: A
visão elevado do homem e de sua autossuficiência tem influenciado o
pensamento cristão de tal modo que a salvação tem sido vista como
meritória. Em uma cultura na qual o indivíduo é senhor do seu destino
(acadêmico, profissional), o cristão assume que seu relacionamento com
Deus é realizado do mesmo modo. Entre os americanos a ideia de ‘eu faço’
ou ‘eu posso’ faz parte de sua cultura, e infelizmente tal ideologia
parece ter também invadido a mentalidade dos cristãos. R.C. Sproul
afirma que essa pesquisa aponta “o que fica claro nessa pesquisa é a
penetrante influência do humanismo.” Tal humanismo não afeta apenas a
percepção da salvação do indivíduo, mas também da necessidade da
comunidade para uma vida cristã saudável. O humanismo tem gerado nas
igrejas homens solitários que pensam viver o evangelho isolados do corpo
de Cristo.
Pelagianismo: A
visão da autossuficiência humana tem levado cristãos a afirmarem que a
humanidade é habilitada para voltar-se a Deus sem que qualquer agência
divina seja necessária. Aos poucos, o evangelicalismo norte-americano
volta-se para a doutrina de Pelágio, o monge Britânico que defendeu que o
pecado de Adão afetou apenas a Adão e não sua posteridade, e que,
portanto, a humanidade não é inábil para adquirir sua própria salvação.
Essa mesma heresia que foi tão combatida por Agostinho, encontrou nos
ensinos de Pedro Abelardo e Pedro Lombardo seu caminho de volta para a
igreja Católica Romana. Hoje tal doutrina volta a ameaçar a sã doutrina
através dos pregadores da prosperidade e pelo humanismo latente da
cultura norte-americana.
UM APELO AOS PASTORES
Ninguém pode garantir
que os números da igreja norte-americana representam a realidade da
igreja brasileira, mas meu palpite é que os números não serão muito
diferentes dos que vimos acima. Apesar do humanismo impactar a igreja
brasileira de outros modos, as mesmas três doutrinas estão vivas e muito
bem na igreja brasileira.
Por isso, gostaria de
conclamar nossos pastores para que observem a realidade da igreja dos
nossos dias e ouçam o conselho de Paulo para cuidar da doutrina que lhes
foi confiada. Não acreditem em fórmulas de sucesso manufaturadas pelo
humanismo, nem se rendam a popularidade. Evitem tanto quanto puderem a
superficialidade bíblica e teológica. Não acreditem na mentira do
pragmatismo de que as escrituras não funcionam. Não abandonem o ensino
das escrituras, o discipulado dos cristãos e a mentoria dos líderes da
igreja, custe o que custar.
Afinal, nós precisamos
voltar ao evangelho. Nós precisamos ensinar em nossas igrejas a mensagem
dos apóstolos, aquela mensagem que levou os à morte e não ao ‘sucesso’.
Aquela mensagem que era considerada loucura tanto por gregos como pelos
judeus, mas que ainda assim os apóstolos deram suas vidas para levar às
igrejas. Nós precisamos aprender a perseverar na doutrina dos
apóstolos, como a comunidade primitiva fazia.
Enquanto o show for mais
importante que a adoração, a individualidade mais importante que a
comunidade, a superficialidade mais importante que o ensino das
escrituras, a multiplicação de participantes mais importante que o
discipulado de cristãos, a heresia será apenas mais uma convidada no
show de horrores do cristianismo contemporâneo.
Fonte: NAPEC
VIA: http://ministeriobbereia.blogspot.com.br/2014/11/as-heresias-favoritas-dos-evangelicos.html
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