Norbert Lieth
Justamente Paulo, o apóstolo aos gentios (Gl 2.7-8), que também se designa “mestre dos gentios” (1 Tm 2.7; 2 Tm 1.11), é quem, na Carta aos Romanos, explana a posição básica de Israel nos planos de Deus.
Martim Lutero chamava a Carta aos Romanos de “a peça mais importante do Novo Testamento”.
Nessa carta o apóstolo Paulo proclama o maravilhoso plano da salvação
onde o Deus justo justifica pecadores. A carta revela como o homem
torna-se justo não por meio das obras da Lei, mas através do sacrifício
de Jesus e mostra como a obra de Jesus Cristo traz mais glória a Deus e
concede aos homens uma bênção maior do que aquilo que perderam pelo
pecado de Adão. Também mostra como a graça possibilita uma vida
santificada, jamais possível debaixo da Lei.
A Carta aos Romanos é o fundamento neotestamentário da nossa fé, e é
justamente nesse texto que Paulo fala exaustivamente sobre Israel. Nos
capítulos 9-11, em um trecho especial, ele explica a ação divina, os
desígnios de Deus para Israel e com as nações. E no meio de suas
palavras acerca da não-rejeição de Israel, o apóstolo sublinha em
Romanos 11.13: “Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério”.
Em um quinto da Carta aos Romanos, o apóstolo testifica às nações (gentios) que Israel foi eleito de forma permanente.
Nenhum apóstolo aos judeus (como Pedro) proclamou dessa forma a
posição de Israel nos planos de Deus como fez Paulo, o apóstolo aos
gentios. É como se ele quisesse gravar essa realidade muito
profundamente nas mentes dos gentios, de quem é apóstolo e mestre. Em
lugar algum Paulo afirma que as promessas do Antigo Testamento feitas a
Israel foram transferidas à Igreja.
Por isso deveríamos nos envergonhar de termos perdido de vista, no
decorrer dos séculos, a doutrina paulina acerca de Israel. Nós, cristãos
evangélicos, enaltecemos as profundas verdades da Carta de Paulo aos
Romanos, mas parece que estamos esquecendo o que ele diz sobre Israel
nos capítulos 9-11.
Paulo apresenta diversos argumentos, especialmente em Romanos 11,
provando que Deus não desistiu de Seu povo. O que chama a atenção em sua
argumentação é o empenho do apóstolo insistindo e sublinhando que
Israel não foi rejeitado para sempre.
Primeiro argumento
“Terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum!
Porque eu também sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de
Benjamim. Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu...”
(Rm 11.1-2).
A pequena expressão “de modo nenhum!” exprime, em grego, que é espantoso sequer admitir essa possibilidade.
Paulo repete essa exclamação por dez vezes na Carta aos Romanos,
inclusive em relação a temas bem diferentes. Se quisermos questionar o “de modo nenhum!” em relação a Israel, teríamos de questionar igualmente seu uso em relação a outros assuntos, como em Romanos 6.15: “E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum!”.
E Paulo usa a si mesmo como argumento. Ele é judeu, da tribo de
Benjamim. Se todo o Israel tivesse sido rejeitado para sempre, ele
próprio não poderia ter chegado à fé no Messias.
Paulo ressalva, sim, que alguns israelitas foram endurecidos (Rm
11.7) e que alguns galhos foram arrancados da oliveira boa chamada
Israel (Jr 11.16) por causa de sua incredulidade (Rm 11.20), mas que
isso tem uma finalidade específica dentro do Plano de Salvação de Deus
para com as nações. E mesmo neste tempo da Igreja, “também agora, no tempo de hoje”, Deus preservou um remanescente (Rm 11.5). Em outra ocasião, Paulo chama esse remanescente crente de “Israel de Deus” (Gl 6.16).
Segundo argumento
Já em Romanos 11.1 Paulo diz que Israel não tropeçou para que caísse
nem para ficar caído e ser excluído completamente, sem restauração. “De modo nenhum!” também neste caso. O sentido mais profundo do tropeço de Israel é que, assim, os gentios foram salvos.
“Pergunto, pois: porventura, tropeçaram para que caíssem? De modo
nenhum! Mas, pela sua transgressão, veio a salvação aos gentios, para
pô-los em ciúmes” (Rm 11.11).
Terceiro argumento
O apóstolo segue com a explicação de que Deus não rejeitou Israel.
Paulo menciona já em Romanos 3.3 o relevante fato de que a
incredulidade de Israel não anula a fidelidade de Deus. Deus não
retribui o mal com o mal.
“E daí? Se alguns não creram, a incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma!...” (Rm 3.3-4). E em Romanos 11 ele enfatiza:
“Ora, se a transgressão deles redundou em riqueza para o mundo, e o seu
abatimento, em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude!”
(Rm 11.12).
No versículo 15 o apóstolo repete mais uma vez: “Porque, se o
fato de terem sido eles rejeitados trouxe reconciliação ao mundo, que
será o seu restabelecimento, senão vida dentre os mortos?” (Rm 11.15).
– Tão certamente como veio a queda temporária de Israel, tão garantida está sua restauração e sua plenitude futura.
– Tão concretamente como houve uma rejeição temporária, tão assegurada está sua renovada aceitação.
Paulo, como nenhum outro, viu entre as nações o fruto advindo da
queda de Israel na pessoa dos gentios salvos. Profeticamente ele já
antevia toda a bênção que viria sobre as nações, no futuro Milênio de
Deus sobre a terra, através da restauração espiritual de Israel.
Quarto argumento
Paulo não cessa de argumentar e continua explicando: “E, se forem
santas as primícias da massa, igualmente o será a sua totalidade; se
for santa a raiz, também os ramos o serão” (Rm 11.16).
“As primícias” devem ser entendidas como o Israel dos primeiros dias,
o tempo dos patriarcas, bem como o Israel que surgiu no Egito, que Deus
elegeu para Si e separou dizendo: “...vós me sereis... nação santa” (Êx 19.6).
Isso significa que se Israel foi santo no passado também será santo no futuro (separado para Deus).
A mesma coisa é expressa com a analogia dos ramos e da raiz,
mostrando que houve um começo abençoado com Israel e que haverá um final
abençoado, em santidade.
Zacarias fala da santidade futura de Israel, no reino messiânico divino sobre a terra: “Naquele dia, será gravado nas campainhas dos cavalos: Santo ao Senhor...” (Zc 14.20).
Quinto argumento
Paulo traz o exemplo da oliveira. Ramos judeus foram, sim, arrancados
da oliveira boa chamada Israel por causa de sua incredulidade, mas os
gentios que se tornaram crentes seriam enxertados como ramos bravos na
oliveira boa. Isso não significa que as nações se tornaram Israel, mas
que agora compartilham da mesma raiz com Israel (veja Ef 2.19; Ef 3.6).
Paulo anuncia ainda que, mais tarde, Deus voltará a enxertar, como ramos
naturais, os israelitas que se tornarem crentes (Rm 11.17-24).
A oliveira tem relação com os pais de Israel (os patriarcas), de quem se formou a futura nação de Israel.
Quando nós, como nações, somos enxertados na oliveira, ou seja, na fé
de Abraão, somos aparentados com Israel (v.19). Em Romanos 4.16 Paulo
diz que Abraão é “pai de todos nós”.
A igreja em Roma era formada por crentes judeus e gentios, mas os
cristãos gentios se elevavam acima dos judeus. Por isso, Paulo os
admoestou:
– “...sabe que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz, a ti” (Rm 11.18). A salvação vem dos judeus (Jo 4.22). Abraão, Isaque e Jacó são a fonte da bênção para os gentios.
– “Não te ensoberbeças, mas teme” (Rm 11.20).
– Se não, poderia acontecer que Deus não poupará também a ti (Rm 11.21-22).
Mas no decorrer dos séculos esses alertas foram levados pelo vento, e
ao invés de atentar às exortações de Paulo, a Teologia da Substituição
foi ganhando terreno e Israel foi sendo rejeitado pelos cristãos.
Por essa razão, no fim dos tempos o cristianismo nominal será
rejeitado pelo Senhor e o cristianismo institucionalizado sucumbirá
diante do império anticristão. A Igreja verdadeira será arrebatada e
todo o Israel será salvo e, assim, enxertado outra vez. Desse modo, a
declaração de Paulo também é um alerta profético (Rm 11.21).
Sexto argumento
Posteriormente Paulo menciona que Israel continua sendo “amado” por causa dos patriarcas e que “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.28-29). Com essas palavras Paulo está se referindo à aliança abraâmica, uma aliança unilateral e indissolúvel.
Sétimo argumento
Finalmente, Paulo descortina um mistério (Rm 11.25-27), ou seja, que veio endurecimento em parte a Israel até que haja entrado a plenitude dos gentios no Corpo espiritual de Cristo. Depois disso todo
o Israel será salvo; não apenas parte dele, como hoje (v.5). Portanto, a
rejeição de Israel vai durar um período de tempo limitado e jamais foi
definitiva.
Depois que o Corpo da Igreja, formada por judeus e gentios, unir-se
ao Cabeça (Cristo) por ocasião do Arrebatamento, o Senhor voltará em
glória para Sião, para salvar todo o Israel (Ap 14.1; Is 59.20; Ez
36.33; Sl 14.7).
No final, Deus voltará Sua misericórdia para os judeus da mesma forma que a demonstrou pelos cristãos gentios.
– Nós não críamos e experimentamos misericórdia.
– Eles não creem agora mas experimentarão a misericórdia futura. Deus usará de misericórdia para com todos (Rm 11.30-32).
Paulo só consegue louvar e adorar diante dessa revelação e diante da sabedoria divina em lidar com Israel e com as nações.
Deus usa até a falha de Israel para transformá-la em bênção, o que
conduz o apóstolo à adoração que encerra esse trecho de suas
explanações: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?
Ou quem foi o seu conselheiro: Ou quem primeiro deu a ele para que lhe
venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm
11.33-36).
(Norbert Lieth)
Extraído de Revista Notícias de Israel março de 2014
Norbert Lieth é Diretor da Chamada da Meia-Noite Internacional.
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