Luiz Sayão
Em tempos de análise de ecossistemas, aquecimento global e sensibilidade apocalíptica, o Dilúvio torna-se tema importante em nossos dias. Será que o aquecimento global irá trazer um caos no clima mundial? O tema do Dilúvio é assunto global. É hora de verificar a previsão do clima e pensar numa “teologia do tempo”.
Afinal de contas, qual é a importância e relevância do Dilúvio? Quais as questões discutidas sobre o assunto? Que respostas temos para todas as perguntas?
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o Dilúvio não é assunto que se limita à narrativa bíblica. A grande verdade é que se trata de um tema universal. Documentos egípcios falam que “Ra” decidiu exterminar o homem com um dilúvio de sangue que atingiu a cidade de Heliópolis, morada dos deuses. Na mitologia indiana, conta-se que um peixe disse a “Manu” que um dilúvio destruiria todas as criaturas. Manu deveria construir uma embarcação e adorar o peixe, que acabaria por puxar o barco e salvar Manu, o único sobrevivente da grande enchente. Os gregos também mencionam um grande dilúvio em cinco lendas, conforme Plutarco. Na mais importante, Zeus envia um dilúvio, no qual Deucalião e Pirra salvaram os filhos e os animais a bordo de um navio na forma de caixa. A descrição de um grande dilúvio também é comum na China, e em muitas culturas asiáticas, africanas e ameríndias.
A semelhança maior com a Bíblia, porém, aparece na Babilônia. O documento mais famoso é a Epopeia de Gilgamés, que apresenta a principal correlação com o texto bíblico. O texto babilônico fala que Gilgamés é avisado sobre o dilúvio por “Utnapishtim”, que, como Noé, é salvo das águas do dilúvio. No relato, ele diz que o deus criador “Ea” o avisou do dilúvio e ordenou-lhe que construísse um barco, onde ele levou sua família, bens e todas as criaturas vivas. O texto ainda afirma que a tempestade durou até o sétimo dia, e a terra seca apareceu no décimo segundo dia, quando o barco repousou no monte Nisir.
Outro texto babilônico antigo paralelo ao Gênesis é o Épico de Atrahasis. A história, com a perspectiva religiosa babilônica, contém muitos detalhes semelhantes aos relatos bíblicos da criação e do dilúvio. No conto babilônico, os homens se multiplicaram na terra e se tornaram barulhentos; por isso, um dilúvio é enviado para destruir a humanidade. Um homem chamado “Atrahasis” é avisado sobre o dilúvio e recebe ordens para construir um barco. Ele constrói o barco e o enche de alimento, animais e pássaros. Assim, ele se salva enquanto o resto do mundo acaba morrendo. No final da história, Atrahasis oferece um sacrifício aos deuses, e o deus principal aceita que o homem continue a viver na terra.
Muitos tentaram explicar todos esses relatos das mais diversas formas. Alguns disseram que o Dilúvio é uma lenda universal que aponta para o “inconsciente coletivo” do ser humano, numa leitura psicanalítica do tema. Outros afirmaram que os relatos são independentes; eles apenas simbolizam o renascimento da vida depois da chuva. Houve também quem sugerisse que as lendas sobre um dilúvio são recordações derivadas do degelo da grande era glacial, ocorrida há vários milênios. Todavia, os relatos são muitos e por demais parecidos. Por isso, faz todo sentido entender que todos esses relatos comprovam que houve algum dilúvio, ou uma grande inundação. Não é possível que haja tantas histórias sem que nada tenha acontecido! Além disso, é impossível duvidar que uma grande inundação tenha acontecido pelo menos na região da Mesopotâmia, principalmente devido às semelhanças dos relatos.
Diante desse cenário, surge a questão da origem do relato. Os mais críticos do texto bíblico sugerem que os hebreus teriam copiado o dilúvio dos babilônios, já que relatos da Babilônia seriam mais antigos. Muitos, porém, desconsideram a relação entre as culturas semíticas ocidentais antigas e o fato de que os primeiros hebreus vieram da Babilônia (Abraão) e conheciam a história do Dilúvio. Todos conheciam a história primeira. A diferença está na interpretação teológica do dilúvio. Os babilônios o relatam a partir de suas crenças, os hebreus a partir da fé no Deus de Israel.
Do ponto de vista mais objetivo e concreto, a arqueologia já comprovou que, há cerca de 6 mil anos, uma gigantesca inundação atingiu a Mesopotâmia. Alguns sítios arqueológicos da antiga Suméria apresentam uma camada muito espessa de argila de aluvião, semelhante à que é depositada por inundações muito longas. A histórica obra de Werner Keller, “E a Bíblia Tinha Razão”, detalha bem o assunto, entre outros livros. No fim das contas, o Dilúvio é um dos fatos mais bem confirmados da Bíblia. As provas de que houve uma grande inundação na Mesopotâmia antes da era patriarcal são indiscutíveis. Há centenas de tradições no Oriente Próximo e em todo mundo que contam a seu modo a história do grande Dilúvio.
No entanto, a grande dúvida entre os estudiosos das Escrituras hoje é qual foi a extensão do Dilúvio? Será que atingiu toda a Terra? Ou foi apenas uma grande inundação regional? As duas hipóteses trazem suas dificuldades.
As dificuldades para a comprovação da hipótese de um dilúvio universal podem ser aqui resumidas:
- De onde veio e para onde foi tanta água? O volume de água para uma inundação mundial de quase nove quilômetros de altura seria oito vezes superior ao que temos no planeta. Isso destruiria todos os vegetais da terra. Além disso, como essa água desapareceu depois?
- Poderiam os animais de outros continentes caber na arca e viajar até Noé? A arca tinha 135 metros de comprimento por 22,5 de largura e 13,5 de altura, com três andares (NVI). Além de ser difícil acomodar todos animais do mundo, como os animais que vivem em outros continentes teriam se deslocado até lá?
- A mistura entre mares e rios não mataria muitos peixes? Sabemos que peixe de água doce não vive em água salgada. Se as águas do planeta se misturaram, os peixes dos rios teriam sido extintos.
- Como armazenar alimento para tantos animais? Se já é bem difícil acomodar os animais, como armazenar e alimentar tantos bichos por mais de um ano. Seria viável?
- Por que Noé não foi anunciar a todos os povos o castigo de Deus? Se o Dilúvio atingiu todo o planeta, não seria esperável que Noé tivesse viajado para avisar a todos os povos?
Em função dessas dificuldades, muitos estudiosos acreditam que o
Dilúvio foi regional, ainda que com significado universal. Apesar disso,
eles também têm perguntas difíceis a serem respondidas:
- Por que seria necessário construir uma arca, se os animais poderiam ter fugido para um outro lugar? Se a inundação atingiu somente uma região, faria sentido construir uma arca enorme para preservá-los? Não seria mais simples fazê-los migrar? O que dizer das aves migratórias? Elas entraram na arca?
- A própria Bíblia não afirma que o Dilúvio cobriu toda a terra? Ainda que se argumente que “debaixo do céu” refira-se a uma região, o texto de Gênesis 7.19-23 parece dar uma ideia de inundação global e não regional.
- Como acreditar que o Dilúvio foi parcial, se as águas cobriram os montes de Ararate? Seria possível que uma inundação cobrisse os altos montes do Ararate sem que a Europa e África fossem inundadas?
- Se Deus afirmou que o Dilúvio não se repetiria, como pode ter sido parcial? Parece não fazer sentido crer que uma inundação parcial não se repetiria. Através dos anos, centenas de inundações têm assolado o planeta. Como a promessa de Deus pode ser cumprida, se o Dilúvio foi apenas uma inundação local?
- Como toda a humanidade pode ser descendente de Noé? A Bíblia (Gênesis 10.32) nos diz que a Terra foi povoada a partir dos filhos de Noé. Se o Dilúvio foi apenas regional, como isso poderia ser possível?
Cada leitor deve avaliar as dificuldades das duas perspectivas e tomar a sua posição. Parece-nos menos difícil a hipótese de um dilúvio parcial. Mas, ainda que o Dilúvio tenha sido parcial, o seu significado é universal. O Deus justo puniu a arrogância e maldade dos homens quando essas atingiram limites máximos. A misericórdia divina preservou Noé e sua família, mantendo a esperança de redenção.
Vale ressaltar que o texto bíblico traz consolo e esperança: Nunca mais haverá um outro dilúvio para destruir a terra (Gênesis 9.11). Nunca mais haverá um Dilúvio. Todavia, não se pode esquecer que Jesus confirmou a realidade do Dilúvio e afirmou de maneira incisiva em Mateus 24.37-39: “Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda do Filho do homem. Pois nos dias anteriores ao Dilúvio, o povo vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e eles nada perceberam, até que veio o Dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá na vinda do Filho do homem”.
Num mundo de impunidade, de corrupção e de violência, a previsão do tempo alerta: Ainda que sem muitas águas, o julgamento divino irá chegar! Como da primeira vez, é importante saber se preparar.
Vale ressaltar que o texto bíblico traz consolo e esperança: Nunca mais haverá um outro dilúvio para destruir a terra (Gênesis 9.11). Nunca mais haverá um Dilúvio. Todavia, não se pode esquecer que Jesus confirmou a realidade do Dilúvio e afirmou de maneira incisiva em Mateus 24.37-39: “Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda do Filho do homem. Pois nos dias anteriores ao Dilúvio, o povo vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e eles nada perceberam, até que veio o Dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá na vinda do Filho do homem”.
Num mundo de impunidade, de corrupção e de violência, a previsão do tempo alerta: Ainda que sem muitas águas, o julgamento divino irá chegar! Como da primeira vez, é importante saber se preparar.
Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
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