Luiz Sayão
A comunidade evangélica se vê em turbulência diante dessa discussão com frequência
A comunidade evangélica se vê em turbulência diante dessa discussão com frequência
Se existe um tema que mexe com a cabeça e com as emoções de todos é o
fim do mundo! O Apocalipse e o Armagedom já conquistaram até o cinema. É
mais do que compreensível! A comunidade evangélica se vê em turbulência
diante dessa discussão com frequência. Nos últimos anos, muitos têm
procurado vaticinar a volta de Cristo e o fim dos tempos. A combinação
de dados astronômicos com uma leitura bíblica inadequada, associadas a
elementos do contexto judaico, têm trazido todo tipo de previsão. É
preciso estudar o tema com atenção e muito tato.
A Bíblia deixa claro que a esperança final de quem crê nas Escrituras
é a segunda vinda de Jesus Cristo, nosso Senhor. Essa expectativa tão
destacada e enfatizada no Novo Testamento apresenta algumas
características muito definidas:
1. A volta de Cristo será física e real (At 1.11; Ap 1.7). Não é uma utopia ou mera vinda psicológica (no coração de cada um).
2. A Bíblia fala de um milênio (Ap 20.1-6), de uma batalha entre o bem e o mal (Ap 16.13-16) e de um juízo final (Ap 20.11-15).
3. Haverá sinais que a precedem: fome, guerras, terremotos, sinais nos céus e falsos profetas (Mt 24; Mc 13; Lc 21).
4. Muito sofrimento terá lugar nesse momento da história. Virá a Grande Tribulação (Mt 24.21).
5. Acontecerá o que a Bíblia chama de arrebatamento da igreja (1Ts 4.13-17).
6. Um grande desvio da fé virá: a grande
apostasia (1Tm 4.1-5; 2Ts 2.3). Ao mesmo tempo, haverá um aumento
espantoso de pecado e maldade no mundo (Mt 24.12).
7. O evangelho será pregado a todas as nações (povos, etnias) (Mt 24.14).
8. Surgirá o homem do pecado, o Anticristo (2Ts 2.3-10).
9. Será o momento da salvação de Israel (Rm 11.25-27).
Ao observar essas características ligadas à volta de Jesus, é
importante enfatizar que devemos dar atenção a esses sinais, segundo a
orientação do próprio Jesus (Lc 21.28-31). O tema não é irrelevante. E
muita coisa digna de atenção tem acontecido na história recente:
1. Pela primeira vez o evangelho, de fato,
pode alcançar todas as tribos da terra pelo esforço missionário da
igreja de Cristo (somente neste século).
2. Além disso, ao mesmo tempo vê-se um
aumento da maldade e da libertinagem no mundo enquanto uma cristandade
apóstata também é fato.
3. O povo de Israel está de volta em sua
terra, ao mesmo tempo em que a fraternidade entre judeus e cristãos
bíblicos nunca foi tão forte, e muitos judeus passam a seguir o Messias
Jesus.
4. A intolerância e a perseguição contra os
cristãos alinhados com as Escrituras têm se intensificado nas últimas
décadas. Os regimes marxistas, os países secularizados e os estados
islâmicos colecionam milhares de cristãos perseguidos, aprisionados e
mortos nas últimas décadas. Sinais físicos no céu e na terra também
podem ser constatados. Todavia, apesar de tantos elementos que apontam
para o dia da redenção, é preciso ter cuidado e ouvir o próprio Jesus,
em Mateus 24.36:
“Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai.“
Não é correto tentar adivinhar a data da volta de Cristo. Isso não
faz sentido. Só por uma análise rápida do que vimos até agora, sabemos
que isso não acontecerá até que seja manifestado o “homem do pecado”, o
Anticristo. Também o evangelho ainda não chegou a todas as nações
(tribos e etnias) da terra. Por isso, o fim ainda não veio. Ainda
devemos esperar um antagonismo cada vez maior contra o povo de Deus
(Tribulação) e contra Israel (Zc 12.9-14 – profecia pós-exílica), que
alcançará sua salvação (redenção – geulah).
A pergunta que se levanta é o que devemos fazer no sentido
escatológico da palavra, enquanto o Reino de Deus não chega de maneira
plena e definitiva. A resposta está no começo do Novo Testamento. O fato
é que a escatologia bíblica não se dirige apenas para o futuro, ela
também é presente. Por exemplo: vários anticristos têm surgido pelo
mundo (1Jo 2.18), mas haverá o Anticristo no futuro; a tribulação já era
realidade no primeiro século, mas haverá uma grande tribulação futura.
Essa escatologia bíblica é também uma escatologia inaugurada, realizada.
Afinal, o Reino de Deus já está entre nós (Lc 17.20-21). Há uma tensão
dialética entre a espera do Reino pleno e futuro e a celebração e a
caminhada no Reino já presente.
Pensando nisso, vemos que no início do primeiro evangelho se destacam
de modo especial os capítulos de 5-7. Neles encontramos um resumo do
ensino de Jesus sobre o Reino de Deus. É uma coletânea que resume o que
Jesus compartilhou com seus discípulos à beira do mar da Galileia. O
assunto é a chegada do Reino de Deus. Há ali o conhecido Sermão do
Monte, que tanto impactou a vida de cristãos e não cristãos. Gandhi e
Dostoiévski, por exemplo, confessaram um profundo respeito pelo Sermão
do Monte e foram tremendamente atingidos por suas declarações.
Jesus abre suas mensagens tão conhecidas falando sobre as
bem-aventuranças. O termo usado em Mateus é makarios, que tem o
significado de “feliz” e “bem-sucedido”, tradicionalmente traduzido por
bem-aventurado. Na verdade, o termo makarios é usado por Jesus no
contexto do anúncio da chegada do Reino de Deus. Esse Reino é entendido a
partir da aliança que Deus fizera com Davi no Antigo Testamento (2Sm
7). O Reino implicava na devida submissão a Deus e do reconhecimento de
sua soberania e poder. A expectativa indevida da época é que o Reino
seria conquistado pela força e por meios militares. Jesus surpreende os
seus ouvintes ao anunciar um Reino de Deus que começa no coração, por
uma transformação espiritual radical que tem efeitos permanentes.
Assim, esse Reino já presente deve nos levar a fazer do mundo um
lugar melhor, a confrontar o erro com os valores do Reino e a anunciar a
salvação que chega com a vinda do Reino. É bom destacar que o Reino tem
desdobramentos peculiares que fazem toda a diferença. O enfoque de
Jesus em Mateus está em contraste com a espiritualidade mística do
paganismo e distancia-se do legalismo limitador de grande parte da
religiosidade da época, problemas que continuam a prejudicar a
espiritualidade de diversas pessoas em todo o mundo.
Por isso, a vida do discípulo de Jesus assume um perfil único e
desafiador, perfil radical em seus contornos de compromisso com Deus. O
ensino de Jesus é que devemos ser “Sal da Terra e Luz do Mundo”. É hora
de fazer diferença na realidade à nossa volta. Não vale a pena continuar
tentando descobrir quando será o fim do mundo. Afinal, o fim só virá
quando o evangelho alcançar os confins da terra (Mt 14.14; At 1.8). Para
que isso aconteça, a igreja precisa focar na missão, precisa ser sal e
luz.
Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
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