Por Pr. Plínio Sousa
“Disse então o Senhor a Satanás: Reparou em meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele, irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal” – Jó 1:8.
Isso não é
uma parábola, mas sim, o relato de um homem real que foi reconhecido
como sincero e reto por pessoas e por Deus. Tais características que
Deus arroga e atribui a Jó, sabemos que se faz presente na vida dos
eleitos, pois quem atesta tais virtudes é o próprio doador – Deus. De
acordo com os textos de Efésios 1:4 e 2 Timóteo 1:9, fica evidenciado
que os eleitos de Deus são possuidores destas virtudes, pois o eleito é
servo, é íntegro, é irrepreensível e evita o mal, um vez que foi chamado
em “santa vocação”, em santificação, sendo uma criatura santificada no
mundo e para Deus. O temor do Senhor, que é o começo da sabedoria, foi o
sinete da qualidade de Jó. A fonte de sua vida e caráter foi a religião
da aliança da fé no Cristo da promessa, “o qual para nós foi feito por
Deus sabedoria” (1 Coríntios 1:30; cf. Isaías 11:2).
Podemos destacar nas conversações de Satanás com Deus seis coisas:
(1) Satanás deve prestar contas a Deus (1:6 – 2:7), pois veio se apresentar diante de Deus com os santos anjos (1:6).(2) A mente de Satanás é um livro aberto diante de Deus – as perguntas de Deus forçam Satanás à confissão.(3) Satanás está por trás dos males que afligem a terra (2:7).(4) Satanás não é onipresente nem onisciente.(5) Ele não pode fazer nada sem a permissão divina (1:10).(6) Quando Deus concede “permissão”, Satanás atua dentro dos limites definidos pelo poder de Deus (em relação aos eleitos, porquanto os réprobos lhe pertencem e a sua hora não tarda).
Jonathan
Edwards, no sermão Pecadores nas mãos de um Deus irado, pregado no dia
08 de Julho de 1741 em Enfield, Connecticut, nos Estados Unidos,
declara:
Portanto, tais homens já estão destinados ao inferno. (…) O que não crê já está julgado (João 3:18). Assim, todo impenitente pertence, verdadeiramente ao inferno. Ali é o seu lugar, ele é de lá, como temos em João 8:23: “vós sois cá debaixo” e para lá são destinados. Este é o lugar em que a justiça, a Palavra de Deus e a sentença de sua Lei imutável reservam para eles. O diabo está pronto a cair sobre os ímpios, para apoderar-se deles como coisa sua, no momento em que Deus o permitir. Eles lhe pertencem, suas almas encontram-se em seu poder e sob seu domínio. As Escrituras os apresentam como propriedade de Satanás (Lucas 11:21). Os demônios os espreitam, estão sempre ao seu lado, à sua direita, esperando por eles como leões esfaimados e enfurecidos que veem a presa, aguardando a hora de agarrá-la, mas são restringidos por enquanto. Se Deus retirasse Sua mão, a qual os refreia, eles cairiam sobre suas pobres almas num instante. A velha serpente está pronta a dar o bote. O inferno escancara sua boca para recebê-los. E se Deus permitisse, seriam rapidamente engolidos e consumidos.
Diferentemente
dos eleitos, que Deus preserva a alma, como foi com Jó, e partindo do
pressuposto que Satanás é um ser dotado de inteligência (Mateus 8:29; 2
Coríntios 11:3; 1 Pedro 1:12; 2 Samuel 14:20; Mateus 24:36; Efésios
3:10; 2 Pedro 2:11), todos aqueles que Deus preserva a alma, ele sabe
que são seus escolhidos. Ele sabe quem são os eleitos de Deus, por que
os tais não vivem sobre seu domínio, nem são seus filhos (cf. 1 João
3:10, 12).
Não
sejamos como Caim, que pertencia ao Maligno e matou seu irmão. E por que
o matou? Porque suas obras eram más e as de seu irmão eram justas
(v.12).
Contudo,
há aqui uma grande verdade que temos que notar, pois, quando Deus
permitiu que Satanás afligisse Jó, disse ao mesmo: “Vê que podes
destruir todos os seus haveres, mas não toques em sua pessoa”. E, mesmo
depois que esse arruinou todos os bens, disse: “Tu podes tocar na pessoa
dele, mas não te aproximes de sua alma”. Nisso vemos que Deus sempre
guarda a alma de Jó, de modo tal que Satanás só pode atormentá-lo em
seus bens, em sua vida mortal e em sua honra, visto que não possui poder
para entrar até na alma, para fazer Jó cair em erro e extravasar em
impaciência.
“O Senhor disse a Satanás: Pois bem, ele está nas suas mãos; apenas poupe a vida dele” (Jó 2:6).
Vejamos as marcas da eleição em Jó.
(1) Íntegro e reto.
Não se
refere à perfeição sem pecado, (cf. “Jó reconhecendo seus pecados” em
7:20; 13:26; 14:16), mas à integridade sincera, especificamente a
lealdade para com a aliança (cf. Gênesis 17:1, 2). Havia uma harmonia
honesta entre a sua profissão de fé e a sua vida, exatamente o oposto da
hipocrisia da qual ele foi acusado por Satanás e mais tarde por seus
amigos. Não existe nenhuma dúvida de que Jó seja um pecador alcançado
pela eleição de Deus.
(2) Temente a Deus
No Antigo
Testamento, “o temor do Senhor” é o nome da religião verdadeira. A
piedade de Jó era fruto de submissão genuína ao Senhor diante de quem
ele andava em reverência, rejeitando resolutamente o que Ele tivesse
proibido. Aquele que é sábio para a salvação está cônscio da dimensão
demoníaca da história, a fúria secular de Satanás contra “a semente” da
mulher (cf. Gênesis 3:15), isto é, Cristo e o Seu povo (corpo). O
Adversário protestou, dizendo que a piedosa sabedoria de Jó não era
genuína, que a sua piedade era apenas temporária e resultante de sua
prosperidade. Mas provado, Jó esmagou Satanás sob os pés, demonstrando
que estava pronto a servir a Deus “debalde”. Uma vez que a verdadeira
sabedoria e o temor a Deus são dons divinamente concedidos, a acusação
de Satanás contra Jó foi realmente uma desafiadora negação da sabedoria
de Deus, um desafio à eficácia soberana do decreto redentor de Deus de
“pôr inimizade” entre os eleitos e a serpente (Gênesis 3:15). O
propósito primário do sofrimento de Jó, desconhecido para ele, foi que
permanecesse diante dos homens e anjos como um “troféu” do poder
salvador de Deus, uma exibição dessa sabedoria divina que é o protótipo,
o fundamento da verdadeira sabedoria humana. (cf. 1 Coríntios 2:6, 7;
Tiago 3:17).
Sem
interesse algum de expor uma teologia especulativa, pretendo expor quão
grande é a nossa segurança, que costumeiramente limitamos a esta esfera
terrena e finita, em desacordo com a realidade bíblica que nos apresenta
como filhos de Deus e que, de fato, estão envolvidos em uma esfera
infinitamente superior, e diametralmente oposta à dimensão que estamos
inseridos. Paulo exorta-nos em relação a nossa verdadeira batalha, que
por sua vez é espiritual, uma guerra invisível, que tratamos com a
sabedoria de Deus revelada, confiante e triunfante em Cristo.
Vistam
toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do
diabo, pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e
autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as
forças espirituais do mal nas regiões celestiais (Efésios 6:11, 12).
A guerra
deve ser travada tenazmente, pois o inimigo é nada menos que o diabo
(Mateus 4:1, 5, 8, 11; João 8:44; 1 Pedro 5:8; Judas 9; Apocalipse 2:10;
12:9; 20:2). É evidente que o apóstolo cria na existência de um
príncipe do mal pessoal. Paulo estava escrevendo a pessoas das quais
muitas, antes de sua bem recente conversão à fé cristã, nutriam grande
temor pelos espíritos maus, como também é verdade hoje entre os pagãos. É
quase impossível apreciar quão difundido, obsessivo e dominante é este
medo de demônios que se deparam no seio do paganismo. De que maneira
Paulo neutraliza esse medo? Disse o que muitos dizem hoje: “O mundo dos
espíritos malignos é uma grande irrealidade, pura invenção da
imaginação”? Certamente que não. Em vez disso, sem aceitar a demonologia
ou o animismo pagão, ele enfatiza a grande e sinistra influência de
Satanás. De igual modo, procedem os demais escritores inspirados.
O que
todos eles dizem ao descrever o poder do demônio pode ser resumido mais
ou menos assim:
Tendo
sido expulso do céu, ele se encheu de fúria e de inveja. Sua
malevolência é dirigida contra Deus e Seu povo. Seu propósito é
destronar seu grande inimigo e lançar todo o povo de Deus – aliás, toda
pessoa no inferno. Anda em derredor como um leão, que ruge buscando a
quem possa devorar. Possui um exército poderoso e bem organizado (como
se demonstrará em momento oportuno), e estabeleceu um posto avançado
dentro dos corações daqueles a quem ele almeja destruir. Ademais, seus
métodos, diz Paulo, são astutos (cf. Efésios 4:14).
As artimanhas do enganador
Os
crentes não ignoram esta verdade (2 Coríntios 2:11). Ora, a expressão
“métodos astutos” não passaria de som oco a menos que lhe demos um
conteúdo bíblico. Alguns desses ardis manhosos ou estratagemas malignos
são: confundir a mentira com a verdade de forma a parecer plausível
(Gênesis 3:4, 5, 22); citar (melhor, citar erroneamente!) as Escrituras
(Mateus 4:6); disfarçar-se em anjo de luz (2 Coríntios 11:14) e induzir
seus “ministros” a fazerem o mesmo, “aparentando ser apóstolos de
Cristo” (2 Coríntios 11:13); arremedar a Deus (2 Tessalonicenses 2:1 –
4, 9); reforçar a crença humana de que ele não existe (Atos 20:22);
entrar em lugares onde não se espera que entre (Mateus 24:15; 2
Tessalonicenses 2:4); e, acima de tudo, prometer ao homem que, por meio
das más ações, se pode obter o bem (Lucas 4:6, 7).
À luz de
tudo isso, é possível ver claramente porque, no nome de seu Senhor que o
enviara, o apóstolo ordena a mobilização: “Vistam-se da armadura
completa de Deus. Não se esqueçam de nenhuma de suas peças. Vão precisar
de cada uma delas. Não tentem avançar contra o diabo e seu exército com
equipamento de seu próprio arsenal.” Antes, digam como Davi: “Não posso
andar com isto, pois nunca o usei” (1 Samuel 17:39).
Nesta
batalha, se possível, ele usaria de sua maior arma: “o engano” para
roubar as almas. Mas isso não é possível por duas razões:
(1) Porque as almas pertencem a Deus (Ezequiel 18:4)(2) Porque Deus protege os eleitos (Salmos 91:1 – 16)
Assim, ele fica limitado em sua empreitada demoníaca pelo poder de Deus.
“Contudo, o firme fundamento de Deus permanece inabalável e autenticado com esse selo: “O Senhor conhece os Seus” e “Aparta-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2 Timóteo 2:19. (cf. 1 Pedro 1:5; 1 João 5:18; Mateus 24:24).
“E se
Deus comunicou a Satanás sobre o Seu servo Jó quão grande proteção, não
comunicaria Deus a de todos os Seus eleitos?”. A resposta é sim. Vejamos
a ação de Satanás, em seus intentos diretos contra os eleitos de Deus
no Novo Testamento.
(1) Pedro e Satanás (Lucas 22:31, 32).
Jesus
inicia suas graves palavras a Simão Pedro com a repetição do nome:
“Simão, Simão (…)” (v.31). Isto realça a preocupação de Jesus com Pedro.
A causa desta preocupação é o ataque que Satanás estava para iniciar
contra Pedro e Seus companheiros. Ao chama-lo de Simão ao invés de
Pedro, Jesus pode estar sugerindo que o discípulo logo agirá de acordo
com sua antiga natureza, que é uma das fraquezas humanas, e é por ela
que Satanás atua de forma sorrateira, que age secretamente, às
escondidas, dissimuladamente, e de fato são nas tentações e graves
investidas que ele ataca os eleitos de Deus.
A
sabedoria de Deus, o conhecimento acerca de Deus e das obras de Suas
mãos é a nossa arma contra essas investidas (cf. João 5:39; 17:17;
Efésios 6:13 – 18; 1 Coríntios 1:24, 30). Não é Deus quem tenta os Seus
eleitos (Tiago 1:13); antes, é Satanás (Mateus 4) e muitas vezes nossas
próprias concupiscências (Tiago 1:14). E, sabendo que Satanás não pode
roubar de Deus as almas, pois a Deus pertence todo o poder, por quais
objetivos ele tenta os eleitos? A resposta pode ser superficial aos
nossos olhos, por se tratar de sofrimentos passageiros, mas muitos são
os cristãos que sofrem por estes motivos reais e temporários, e muitos
não conseguem compreender tais sofrimentos. A própria doutrina do mal é
mal debatida – não conseguem exaltar a salvação em Cristo nas exposições
acerca desta doutrina, e talvez seja esta a esperança a ser exposta
neste artigo. A “permissividade” de Deus nos revela algo grandioso,
magnífico: a salvação de nossas almas e o fim destes sofrimentos
(Apocalipse 21:4).
É como se
Deus nos mostrasse todos os dias a necessidade de nossa salvação, a
necessidade do cristão desenvolver a salvação (Filipenses 2:12), a
necessidade do homem se render a Cristo, a necessidade do redentor, são
por esses motivos doloridos e passageiros que Deus manifesta a
verdadeira vida, a vida eterna abundante que nos foi preparada desde a
fundação do mundo com amor zeloso. A grande verdade é que, nestes
sofrimentos, nos desligamos do que verdadeiramente importa, e é bem
verdade que no final deste afastamento estamos mais unidos ao que
verdadeiramente importa – a esperança na vida, unidos com o Deus trino
em amor para todo sempre. Nesses acontecimentos, se manifesta o amor e a
justiça de Deus para o louvor da Sua glória para todo sempre, e por
isso louvamos a Ele, porquanto é digno de todo o louvor.
Na
vergonha, na culpa, nos problemas, nas tristezas, nas consequências
graves em decorrência de pecados cometidos; na queda temporária da
graça, no afastamento de Deus, nas doenças psicossomáticas, na
espiritualidade superficial, nos escândalos, nas dúvidas, e muitas
outras coisas, é que nos apegamos no intransponível e verdadeiro lar; é a
partir do sofrimento terreno que contemplamos o alívio celestial,
vivemos para encontrar a Deus, e é nisto que começa a vida eterna,
quando começamos viver para o encontrar.
Devo
enfatizar que Satanás tenta a todo custo, de forma acusativa, mostrar a
Deus que não somos merecedores de tal graça, pois vivemos em hipocrisia,
e de fato isso é verdade. Por isso a necessidade da justificação e
santificação, mas também devo afirmar que são nesses acontecimentos
sombrios – as “noites escuras da alma” –, que Deus sempre mostra o Seu
amor protetivo para com o Seu povo, assim como foi com Jó, Pedro (como
veremos mais adiante) e os outros. Sabendo que não pode penetrar na alma
dos eleitos porque são selados com o Espírito Santo (Efésios 1:13, 14; 1
Coríntios 12:12 – 14) – e “porque maior é o que está em nós do que o
que está no mundo” (1 João 4:4) – Satanás, em sua natureza má e
perversa, sente gozo em ver os eleitos sofrerem, mesmo que
temporariamente. Jesus Cristo, Paulo e todos os apóstolos nos consolam a
caminhar para o alvo, sabendo que, nesta vida, o que nos mantém vivos
em esperança são as aflições (cf. João 16:33; 1 Coríntios 2:9; 2
Coríntios 4:7 – 11, 17, 18; 1 Pedro 1:3 – 9).
“Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo” (v.31).
Pediu a
quem? Pediu a Deus, claro. E Deus permitiu. Ainda que o maligno possa
“cirandar” com os servos do Senhor, observe que ele não o faz sem a
“permissão de Deus.” Louvado seja o Deus Eterno que tem o Diabo sob
controle! O poder de Satanás é limitado, tanto em relação ao tempo como
em seu alcance. Tanto é que a derrota de Satanás já está decretada e seu
final descrito em Apocalipse 20:10. Na experiência de Jó, Satanás
pleiteou autorização para, inicialmente, tocar nos bens de Jó e depois
na saúde. O maligno agiu dentro do limite estabelecido por Deus.
O verbo
usado por Jesus, siniasai – σινιάσαι, cirandar, peneirar”, denota uma
agitação interna, equivalente a tentar a fé de alguém até o limite.
Descreve o processo de provas pelo qual o genuíno é separado do falso, o
bom do mau. Jesus alertou a Pedro de que problemas viriam e que Satanás
estaria atacando os apóstolos. O que podemos observar nesta passagem é
que Cristo orou, rogou para que a fé de Pedro fosse guardada. Observe
que, antes de qualquer reação de Pedro, Jesus acrescentou: “mas eu
roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (v.32). Vemos aqui o
cumprimento do que João escreveu em 1 João 2:1: “Jesus é nosso
advogado”. Jesus orou por Pedro para que este se recobrasse após as
turbulências que viriam. O Senhor sabia das três negativas que Simão
cometeria, e que isto seria superado (a culpa, as consequências e outros
males). Pedro recebe uma orientação de Jesus: “quando te converteres”
(Lucas 22:32), no grego epistrepsas – ἐπιστρέψας, que significa
“voltar-se para si mesmo”, dando a ideia de que Pedro seria
temporariamente usado, alienado por Satanás, mas não seria
definitivamente usado como Judas Iscariotes, como um “filho da
perdição”, fortaleça os teus irmãos (cf. João 21:14 – 19). Pedro foi o
primeiro dos doze a se encontrar com Jesus ressurreto e a entender o
fato da ressurreição (Lucas 24:34). É nítido entender que Satanás sabia
que Pedro era um dos eleitos, pois Pedro teve sua “tentação” autorizada
por Deus. Assim como Jó, em Pedro foi preservado a fé, o temor e a alma.
Pedro foi guardado por Deus, diferentemente de Judas Iscariotes, o qual
é apresentado como “filho da perdição”, sem qualquer proteção e
preservação divina.
Devemos elencar três pontos:
(1) Em alguns versículos anteriores, Satanás entrou em Judas sem pedir permissão a Deus (cf. Lucas 22:3).
(2) Na oração feita por Jesus, Ele ora ao Pai para que guarde os Seus (escolhidos): “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (João 17:15).
(3) Diferentemente de Judas Iscariotes: “(…) Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse” (v.12), Satanás se apoderou de Judas Iscariotes, pois o mesmo não fazia parte dos eleitos (escolhidos) de Deus.
Pedro foi
guardado porque era um escolhido, não por melhores obras ou por caráter
meritório. Judas andou com Cristo e fez as mesmas obras como discípulo.
A ênfase, porém, está na eleição. Por esta razão, Satanás não se
apoderou de Pedro, pois sabia que ele era um eleito. Existe um selo
colocado nos escolhidos de Deus desde a eternidade – o Espírito Santo.
(2) Paulo e Satanás (Atos 19:15, 16).
Mas o
espírito maligno lhes respondeu: Conheço Jesus e sei quem é Paulo; mas
quem é você? E o possesso do espírito maligno saltou sobre eles. Ele os
subjugou e de tal modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos,
fugiram daquela casa.
A
descrição de Lucas sobre o espírito maligno que fala pela boca do homem
endemoninhado encontra paralelos nos relatos dos Evangelhos sinóticos
(cf. Mateus 8:29; Marcos 1:24; Lucas 4:41). Nesses relatos, os demônios
reconheceram Jesus como o Filho de Deus. Em Éfeso, ao ouvir as palavras
pronunciadas pelo exorcista, o demônio respondeu com total conhecimento:
“Conheço Jesus e sei quem é Paulo; mas quem é você?” No texto grego,
Lucas usa duas palavras diferentes para o verbo conhecer. Talvez para
distinguir a natureza divina de Jesus da natureza terrena de Paulo. No
entanto, esses dois verbos são virtualmente sinônimos, pois ambos se
relacionam com o conhecimento adquirido e não inato.
A palavra
grega usada para “conhecer” é epistamai – ἐπίσταμαι. Esta mesma palavra
é usada em Marcos 14:68, quando Pedro diz: “Não o conheço (epistamai)
(…)”. O termo denota a ideia de “estar familiarizado com”; no caso
supracitado, “familiarizado com Paulo e Jesus”. A outra palavra grega é
ginōskō – γινώσκω, que significa chegar a saber, vir a conhecer, obter
conhecimento de (…).
O demônio
havia aprendido sobre Jesus, e sabia que o poder divino que dele fluía
para Paulo podia dominá-lo. Ele também detecta o engano da prática dos
exorcistas judeus e sabe que eles não têm poder. A pergunta: “quem é
você?”, revela o desdém do demônio acerca dos não-eleitos, e não dos
eleitos, pois Paulo, como apóstolo de Jesus Cristo, recebeu autoridade
para expulsar demônios (cf. Atos 16:18).
O
demônio, então, exala sua fúria sobre os sete filhos de Ceva. O homem
possesso, com força sobre-humana, pula sobre os sete homens, subjuga-os e
domina-os. Nesse ponto, alguns tradutores divergem uns dos outros por
causa de uma variante do texto grego. Os melhores manuscritos trazem
ambos, que aparece em uma tradução como “subjugou-os a ambos” e, em
outra, como “e dominou um primeiro e depois o outro”. Essa versão é
incompatível com o número sete (v.14) se a palavra ambos for entendida
como sendo aplicada a duas pessoas apenas. Porém, quando mais que duas
pessoas se acham envolvidas, o termo pode significar “todos” (cf. 23:8),
termo adotado pela maioria das versões. O homem possesso de demônio dá
uma grande surra nos sete exorcistas que eles escapam por pouco da casa
onde estavam. Aliviados por estarem vivos, eles fogem nus e feridos. O
grego indica que os ferimentos demoraram muito tempo para sarar. Por um
lado, esses exorcistas aprenderam a não invocar o nome de Jesus. Do
outro, o incidente promoveu a causa do evangelho.
Anteriormente a este acontecimento do exorcismo no capítulo 19, no capítulo 16, Paulo expulsa um demônio de uma jovem.
Enquanto
estávamos a caminho do lugar de oração, uma jovem escrava que tinha um
espírito de adivinhação nos encontrou. Ela trazia aos seus donos muito
lucro pela adivinhação. Ela seguia a Paulo e a nós, clamando: Estes
homens são servos do Deus Altíssimo, que estão proclamando a vocês o
caminho da salvação.
Duas observações:
(1) Oposição.
Lucas escreve que os missionários estão a caminho do “lugar de oração”.
No grego, ele diz “a oração”, o que não se refere ao ato de orar, porém
ao local da reunião (cf. v.13).
Sempre
que a igreja se desenvolve, Satanás procura bloquear o trabalho dos
servos de Deus, e às vezes tem êxito, por exemplo, em 1 Tessalonicenses
2:18; 3:5. Em Samaria, Simão, o mágico, ofereceu dinheiro a Pedro e João
a fim de obter o dom do Espírito Santo (Atos 8:18, 19). Na ilha de
Chipre, Elimas se opôs a Paulo e Barnabé, tentando persuadir o procônsul
Sérgio Paulo a não crer em Jesus Cristo (Atos 13:7, 8). De modo
semelhante, em Filipos, Satanás usa uma jovem endemoninhada para
frustrar o trabalho dos missionários.
No
caminho do lugar de oração, uma jovem escrava, que possuía o espírito de
adivinhação, encontra os missionários. No grego, Lucas escreve que ela
tem um espírito chamado Píton, que os tradutores vertem como
“adivinhação”. A palavra Píton se referia à serpente lendária que
guardava o Oráculo Délfico, um santuário no centro da Grécia, mas que
fora morta por Apolo, o deus da profecia. Em anos posteriores, o termo
indicava o espírito de adivinhação que habitava nos médiuns. Assim como a
sacerdotisa de Apolo em Delfos era capaz de prever o futuro, assim
também aquela jovem escrava servia aos seus senhores em Filipos como
adivinhadora. Ela era um instrumento de demônios que a usavam como sua
porta-voz, e era uma fonte lucrativa de renda para os seus.
Vemos
nessa jovem escrava possessa em Filipos um paralelo com os
endemoninhados que Jesus encontrou durante seu ministério (por exemplo,
Marcos 1:24). Entendemos que, assim como os demônios reconheciam o Santo
de Deus – Jesus Cristo – em Atos 16 e 19 os demônios reconheceram os
“santos de Deus”, isto é, Paulo, Silas, Pedro e os outros. Fica
evidenciado, pelas Escrituras, que Satanás e os demônios sabem quem são
os eleitos. Na ocasião de Atos 19, os demônios “pulam sobre os sete
homens, subjuga-os e domina-os”. Em uma situação diametralmente oposta a
de Atos 16, onde Paulo, com toda autoridade dada por Cristo, expulsa o
demônio que escravizava a jovem “adivinhadora”.
O
apóstolo confronta o demônio no nome de Jesus Cristo, ou seja, na
autoridade que Jesus lhe dera. Ele diz ao demônio para se retirar da
moça. Paulo clama o nome de Jesus da mesma forma que Pedro o fez para a
cura do paralítico, na área do templo de Jerusalém (3:6). Assim como
Jesus curou as pessoas possuídas por demônios em Israel, assim também,
por intermédio de seu servo Paulo, ele expulsa o demônio da jovem
escrava em Filipos. Assim como Jesus deu aos apóstolos poder sobre os
espíritos imundos (Marcos 6:7), assim também ele dota Paulo com essa
mesma autoridade. O resultado é que o demônio deixa a moça
imediatamente. Seus donos perdem uma valiosa fonte de renda. Com efeito,
presumimos que ela recebeu o dom da salvação e se tornou membro da
igreja filipense.
(2) Reconhecimento.
A jovem escrava segue os missionários. Clamando em alta voz, ela
informa ao público a identidade de Paulo e seus companheiros: “Estes
homens são servos do Deus Altíssimo, que estão proclamando a vocês o
caminho da salvação”. Em si mesma, essa confissão é nobre e verdadeira,
desde que parta do coração de um crente e na forma de uma declaração de
fé. No entanto, o reconhecimento vem indiretamente de Satanás que,
usando essa moça, tenta diminuir a eficácia do ministério de Paulo,
assim como fez com Jó. “O temor do Senhor” é o nome da religião
verdadeira, como citei no início deste artigo para identificar a
lealdade de Jó a Deus. A piedade de Jó era fruto de submissão genuína ao
Senhor, diante de quem ele andava em reverência, rejeitando
resolutamente o que Ele tivesse proibido. Contudo, Satanás tenta de
todas as formas diminuir a eficácia do ministério dos eleitos. Porém, em
relação aos eleitos de Deus, nada Ele pode fazer, pois somos
sustentados pelos méritos de Cristo.
O
apóstolo não pede que a moça lhe prediga o futuro; em vez disso, ele vê o
poder de Satanás em ação sobre uma escrava indefesa. Não há dúvida de
que se Paulo tivesse aceitado o testemunho de Satanás sem discernimento,
ele teria dado crédito ao diabo e teria aprovado os seus motivos.
O DIABO DE DEUS
A
expressão “O Diabo de Deus” do grande reformador Martinho Lutero, nos
lembra da verdade bíblica de que Satanás não é um ser autônomo, com
liberdade plena para agir e fazer o que lhe interessa. Ao lermos as
Escrituras, especialmente o livro de Jó, fica muito evidente o fato de
que o Satanás continua servo de Deus depois de sua rebelião, tanto
quanto era nos dias de sua doce obediência. Ali ele é identificado como
um dos filhos de Deus, ou como uma de suas criaturas. E como tal, ele
não tem poder próprio e não age independentemente do Criador; pelo
contrário, ele precisa pedir permissão ao Senhor para fazer qualquer
coisa que deseje. Lembre-se que ele pediu a Jesus para destruir a vida
do apóstolo Pedro (Lucas 22:31, 32). Não sabemos exatamente o que o
Diabo pode e não pode fazer. O que temos certeza é que ele possui
exatamente o poder que Deus permite que ele tenha, e nada mais. Em todo
o livro de Jó percebe-se claramente que Deus mantém Satanás neste mundo
apenas para desempenhar seu papel no drama da terra e fará isto de
acordo com as regras divinas e não satânicas. Aqueles que
olham para Bíblia e conseguem ver a soberania de Deus sobre todas as
coisas, concordam que Satanás é espécie de luva divina. Deus o usa, faz o
trabalho que tem de fazer, e no final quem se suja é unicamente o
Diabo. No livro de Jó, as ações de Satanás, Deus assume com sendo suas
próprias ações (Jó 2:3 – 5). Embora a maldade tenha sido proposta e
executada por Satanás, ele próprio reconhece que é a mão de Deus, a
responsável pelas aflições de Jó. A provação de Jó teve sua causa
imediata em Satanás, mas a causa final foi Deus (Jó 42:11). Na Bíblia
vemos que Satanás é usado por Deus para causar cegueira nas mentes
daqueles que não aceitam o evangelho (2 Coríntios 4:4); remover
pensamentos de dentro das mentes (Marcos 4:15); disciplinar
desobedientes (1 Coríntios 5:5; 1 Timóteo 1:20) e para muitas outras
obras que o Senhor desejar usá-lo como quiser, quando quiser e da
maneira que quiser.
Deus não
está nem um pouco preocupado em provar se Ele é maior ou mais forte que o
Diabo, e muito menos que existe esta “guerra travada nas regiões
celestiais” para ver quem vai ficar com o futuro dos seres humanos. Como
disse C.S. Lewis: “Não há uma guerra, mas sim uma rebelião interna, e o rebelde encontra-se sob controle”.
Quando
passamos a enxergar o mundo a partir desta visão bíblica tudo se
modifica. Percebo que nada do que me acontece foge do controle de Deus.
Não preciso mais ficar com medo de ameaças que são feitas por pregadores
relacionando minha família, emprego, saúde (…) com o Diabo. Posso
descansar em Deus sabendo que Ele possui o controle de todas as coisas, e
por isto, antes de Satanás intentar qualquer coisa contra mim, como fez
com Pedro, ele precisará pedir permissão ao meu Pai, do contrário ele
nada poderá fazer contra a minha vida.
Poucos na
história da humanidade foram tão tentados pelo Diabo como Lutero. Ainda
assim, Lutero entendia que o Acusador de nossas almas não pode fazer
absolutamente nada sem a permissão de Deus. “O Diabo”, disse
Lutero, “é instrumento divino, como uma enxada, usada para cultivar o
jardim de Deus. Embora este instrumento tenha prazer em destruir as
ervas, ele não pode sair das mãos do Criador, nem capinar onde o
Todo-Poderoso não deseja, nem frustrar Seu propósito de criar um bonito
jardim. Assim, o diabo sempre faz a obra de Deus”.
Spurgeon disse algo parecido. “De
todos os poderes que realizam os propósitos de Deus no mundo, nenhum o
efetua mais do que o próprio Diabo. Ele é apenas um serviçal na cozinha
do Eterno; sem querer, realiza grande parte do trabalho que Deus não
daria a seus próprios filhos, tarefas essas tão necessárias quanto às
executadas pelos serafins. Não pensem que o mal é uma potência rival de
idêntico poder ao nosso bom Deus. Não, o pecado e a morte, à semelhança
dos gibeonitas, são cortadores de lenhas e tiradores de água para os
propósitos divinos; e quando os inimigos do Senhor mais deliram e se
zangam, cumprem seus propósitos eternos para louvor e glória da Sua
sabedoria e graça – mesmo que não o saibam”. Foi porque entendeu estas verdades bíblicas que Lutero ao compor o hino Castelo Forte afirmou: “Se
nos quisessem devorar demônios não contados, não nos podiam assustar,
nem somos derrotados. O grande acusador dos servos do Senhor já
condenado está; vencido cairá por uma só palavra”.
Mais tarde ele pôde sabiamente dizer: “O Diabo é o Diabo de Deus”.
CONCLUSÃO
Apesar
disso, pode-se ainda achar estranho a maneira com que Deus se utiliza de
Satanás. Porém, já foi dito que, se não ficarmos bem resolvidos sobre
este ponto – que os demônios estão sob a direção de Deus, de tal modo
que nada podem fazer sem sua licença – derramaremos como água. Há mais, a
saber, que os demônios são como verdugos para executar os juízos de
Deus e as punições que Ele quer realizar sobre os perversos. Eles são
também como açoites pelos quais Deus castiga Seus filhos (Hebreus 12:6).
Em
resumo, o diabo tem que ser o instrumento da cólera de Deus, executando a
sua vontade. Não que o faça de bom grado, como é descrito em toda
Escritura, mas é por Deus deter o poder soberano sobre todas as
criaturas, as quais devem se sujeitar a Ele e se voltarem para onde bem
lhe parecer, isso será melhor entendido pela analogia contrária. Quando
Deus consente que Satanás execute sua ira sobre os incrédulos, não
somente “permite” que ele aflija-os em seus bens, aflija-os com doenças
ou de outra maneira qualquer, mas vai mais além, dando-lhe o poder do
erro e de poder enganar, como podemos ver em 2 Coríntios 4:4, mas também
podemos ver em Mateus 24:24 que, em relação aos eleitos, a eficácia do
engano é limitada pelo poder preservador de Deus sobre eles (cf. 2 Pedro
2:1 – 3; 2 Pedro 3:17).
Pois se
levantarão falsos cristos e falsos profetas e apresentarão grandes
milagres e prodígios para, se possível, iludir até mesmo os eleitos.
Veja Deus
dizendo: “Quem seduzirá Acabe por mim?” E Satanás diz: “Eu serei um
espírito de mentira na boca dos Profetas dele”. Vemos aqui uma licença
que é muito maior do que esta aqui citada. Não é apenas a questão de que
Acabe seja ludibriado por algum meio exterior, mas os profetas que o
iludem sob aparência de verdade. E é isto o que Paulo declara em (2
Tessalonicenses 2:10). Quando os homens não querem obedecer a Deus e à
sua verdade, nem se resignar a isso, sobretudo quando Deus lhes dá a
graça de se manifestar a eles e lhes mostrar o caminho de salvação, se
forem tão desgraçados a ponto de rejeitar e repelir semelhante graça
divina, eis, então, que Deus lhes envia os falsos profetas e os
enganadores, os quais não só perverterão toda boa doutrina, mas também
serão cridos, porque lhes dará a eficácia do erro. E é Satanás que atua
de forma a levarem todos para condenação, porém os eleitos serão
preservados do bote da antiga serpente.
Louvado
seja Deus pela perseverança dos santos, e que em esferas desconhecidas,
em meio às “permissões”, limita com o Seu imenso poder as investidas de
Satanás, e assim nos guarda para o Dia de Jesus Cristo.
Em um cântico, o salmista declara a fé perfeita em Deus:
Deus é o
nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na
adversidade. Por isso não temeremos, embora a terra trema e os montes
afundem no coração do mar, embora estrondem as suas águas turbulentas e
os montes sejam sacudidos pela sua fúria. Há um rio cujos canais alegram
a cidade de Deus, o Santo Lugar onde habita o Altíssimo. Deus nela
está! Não será abalada! Deus vem em seu auxílio desde o romper da manhã.
Nações se agitam, reinos se abalam; ele ergue a voz, e a terra se
derrete. O Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é a nossa
torre segura. Venham! Vejam as obras do Senhor, seus feitos
estarrecedores na terra. Ele dá fim às guerras até os confins da terra;
quebra o arco e despedaça a lança, destrói os escudos com fogo. Parem de
lutar! Saibam que eu sou Deus! Serei exaltado entre as nações, serei
exaltado na terra. O Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é
a nossa torre segura (Salmos 46:1–11).
Estou convencido de que aquele que começou a boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus (Filipenses 1:6)
Paz e graça.
Capa: Marcos Frade.
Citações:
(1) Comentário do Novo Testamento – Exposição de Atos dos Apóstolos por
Simon Kistemaker. (2) Sermão sobre Jó 1:9 – 12 por João Calvino. (3)
Pr. David Marcos – Igreja Batista Reformada.
http://santoevangelho.com.br/satanas-sabe-quem-sao-os-eleitos-de-deus/
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