Texto Básico: Atos 4.5-22
Ao longo da história cristã, é comum encontrarmos várias modalidades de “Cristo mais alguma coisa”. O ensino bíblico é muito claro: nossa salvação depende inteiramente da obra de Cristo realizada em nosso lugar. Ele foi nosso substituto, recebeu uma morte que era nossa para que, por ele, tivéssemos vida em seu nome. Mas a natureza humana não se sente muito confortável em ter de depender de alguém, não é verdade? É por esse desejo humano de autonomia que a história cristã vem registrando a criatividade humana em acrescentar alguma coisa (algo feito pelo ser humano para que ele tenha uma participação “razoável” em sua própria salvação) à pessoa e obra de Cristo. Na lição de hoje, veremos três dessas coisas: as penitências, o dízimo e as atividades eclesiásticas.
I. Cristo mais as penitências
A doutrina romana das penitências foi uma das maneiras pelas quais a
supremacia de Cristo na salvação era obscurecida. De acordo com essa
doutrina, o batismo expia os pecados cometidos até o momento em que a
pessoa é batizada. Para alcançar expiação pelos pecados cometidos após o
batismo a pessoa precisa praticar atos de penitência. Deste modo, a
penitência é um sacramento cujo objetivo é mitigar a culpa do pecador.
Segundo essa doutrina, há quatro graus de penitência. O primeiro é o
“pranto” às portas do templo, no qual o pecador roga com lágrimas aos
que entram que orem por ele. O segundo grau é “ouvir” a palavra divina
na entrada da igreja, de onde a pessoa devia se retirar logo que as
orações começavam a ser feitas. Durante as orações, o penitente não
podia ficar presente. O terceiro grau era a “prostração” no fundo da
igreja, onde o penitente ficava na companhia dos novos convertidos e era
obrigado a sair com eles, antes da ministração dos sacramentos. O
quarto grau era “estar junto”. Nessa fase, o penitente tinha permissão
para ficar junto com os demais cristãos e não era mais obrigado a sair
com os novos convertidos. Com o tempo, o penitente recebia permissão
para participar dos sacramentos. No “estar junto” o penitente podia
participar da oração e, mais tarde, também dos sacramentos.
Esse elaborado sistema penitencial era usado para manter a disciplina
na igreja e para expiar, mesmo que parcialmente, os pecados cometidos
depois do batismo. O problema é que, se os pecados são parcialmente
expiados pelos atos penitenciais, então Cristo expia apenas uma parte
dos pecados e, consequentemente, concede apenas uma parte da salvação,
sendo a outra parte uma obra humana. Assim, a salvação seria resultado
de um trabalho em conjunto realizado por Deus, em Cristo, e o ser
humano, em seu zelo por se penitenciar e expiar, ainda que parcialmente,
seus próprios pecados.
A teologia reformada insiste que a salvação não é uma obra realizada
em parte por Jesus e em parte pelo pecador. A salvação e tudo o que está
diretamente ligado a ela (como o perdão de pecados, por exemplo) é obra
exclusiva de Deus.
Pedro é claro ao afirmar: “Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os
construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não há salvação em
nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado
entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.11-12).
Deus não tem colaboradores na salvação. A salvação é uma obra
realizada exclusivamente por ele. Associar a ela qualquer esforço ou
mérito humano é depreciar o sacrifício perfeito de Jesus Cristo,
realizado de uma vez por todas em favor de todo aquele que crê. Contra a
doutrina da colaboração humana na salvação, a teologia reformada grita a
plenos pulmões: Cristo! Cristo! Só Cristo!
II. Cristo mais o dízimo
Na lição 3, que trata da graça de Deus em oposição aos méritos
humanos, já tratamos das indulgências. No entanto, a comercialização da
fé e da salvação, infelizmente, não é um fenômeno que ficou restrito à
Idade Média nem à prática romana. Isso acontece hoje, especialmente
dentro de muitas igrejas evangélicas, nas quais o evangelho é oferecido
por dinheiro e a salvação é trocada por dízimos e ofertas.
É triste e vergonhoso perceber como a prática romana das indulgências
não apenas entrou, mas foi aperfeiçoada no meio evangélico. Os
vendedores de indulgências da Idade Média trocavam a salvação ou a
redução das penas no purgatório por dinheiro. Os modernos comerciantes
da fé vendem não apenas a salvação (sobre a qual pouco se fala nos
cultos voltados à prosperidade, mais interessados nas bênçãos terrenas),
mas também relíquias “poderosas”, como fios de barba dos apóstolos, o
manto de Elias (esse profeta devia ter muitos mantos, pois são vendidos
em toda parte), pedaços da arca de Noé, da arca da aliança e até da cruz
de Cristo.
Engana-se quem pensa que esse é o ponto mais alto a que pode chegar a
criatividade humana. Insatisfeitos com a venda da salvação e de
relíquias religiosas, os mercadores da fé começaram a vender até mesmo
orações e visitas a enfermos e idosos.
O que é mais alarmante em tudo isso é que muitos cristãos não
percebem o quanto isso fere a supremacia da obra de Cristo. O poder
cristão não vem de relíquias de qualquer espécie, mas de Cristo, que é o
Senhor e cabeça da igreja. É somente quando permanecemos ligados à
videira que obtemos a seiva que nos alimenta e revigora. Somente quando
estamos ligados à videira podemos dar fruto. Esse é o ensino do próprio
Jesus (Jo 15.5).
O mesmo acontece com a venda de orações. Jesus é quem intercede por
nós (Rm 8.34). Ele é o único Mediador entre nós e Deus (1Tm 2.5) e, como
nosso sumo sacerdote eterno, vive sempre para interceder por nós (Hb
7.25). É ele mesmo quem ensina: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e
achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Mt 7.7). E, certamente, quando Paulo
orientou os crentes gálatas a levar as cargas uns dos outros (Gl 6.2),
esperava que isso fosse feito gratuitamente.
Contra a comercialização da fé, da salvação, das orações e das
relíquias, a teologia reformada afirma: Cristo! Cristo! Só Cristo!
III. Cristo mais a participação nas atividades eclesiásticas
Há uma forma sutil de acrescentar um adereço à pessoa e obra de Cristo: a participação nas atividades eclesiásticas.
É correto e bom participar dos cultos. Isso deve ser encorajado em
todas as igrejas: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de
alguns;” (Hb 10.25). Quando participamos do culto público, Deus fala
conosco nos cânticos, na leitura da Palavra e na pregação. Somos
edificados e consolados quando adoramos a Deus pela mediação de seu
Filho por tudo o que ele é, fez e fará por nós.
Algumas igrejas têm outros tipos de reunião: reuniões de mocidade, de
senhoras, de crianças, trabalhos sociais, etc. Participar de tudo isso é
uma grande bênção, especialmente daquelas atividades em que podemos
colocar em prática a capacitação espiritual que recebemos de Deus para o
trabalho na sua obra. Além disso, somos cristãos e precisamos
participar da vida da igreja. Somos um corpo cujo cabeça é Cristo e
precisamos adorá-lo como indivíduos e como corpo, como comunidade de fé.
É claro que os cristãos devem ter prazer nos cultos, sabendo que esse
é um momento especial de comunhão com Deus. O problema surge quando
reduzimos a vida cristã à participação em uma enxurrada de atividades
eclesiásticas. Vida cristã não é o mesmo que participação em atividades
eclesiásticas diárias. Vida cristã é comunhão com Deus pela mediação de
Cristo.
Além dessa concepção equivocada de vida cristã, a ênfase exagerada
que muitos líderes costumam dar à participação descontrolada em
atividades eclesiásticas acaba produzindo dois resultados colaterais
muito negativos.
O primeiro é ocupar o único horário que muitos irmãos têm para
descansar da labuta diária. Muitos irmãos trabalham o dia todo e chegam
em casa exaustos. Reservar uma noite por semana para participar de um
culto não faria mal. No entanto, reservar todas as noites para
participar de atividades eclesiásticas é algo que poderá trazer, cedo ou
tarde, resultados danosos à sua saúde. Lembre-se de que cuidar da saúde
faz parte da mordomia cristã. Além disso, esse é justamente o único
momento que muitos irmãos têm para manter a convivência familiar. Os
membros da família saem cedo de casa, passam o dia todo fora,
trabalhando ou estudando, e só se encontram à noite. O que acontecerá,
em médio prazo, se eles forem privados desse convívio familiar?
O segundo é ainda pior que o primeiro, pois envolve o ensino bíblico
da suficiência de Cristo para a salvação. Devido à grande ênfase dada à
participação em atividades eclesiásticas, muitos cristãos assimilam a
ideia de que estar presente ao maior número possível de atividades é
algo que está diretamente associado à salvação. Isso está errado.
Ninguém é salvo por participar de atividades eclesiásticas, mas por ter
Cristo como seu Salvador pessoal.
A essa ênfase exagerada na necessidade de participação em atividades
eclesiásticas, a teologia reformada afirma: Cristo! Cristo! Só Cristo!
Conclusão
Cristo mais isso, Cristo mais aquilo. Os diversos “apêndices” que o
ser humano acrescenta a Cristo não mudam a realidade: somos inteiramente
dependentes de Jesus para nossa salvação. Nada há que possamos fazer
para obtê-la e só a recebemos porque Cristo fez por nós tudo o que era
necessário. Até mesmo a fé com que nos apropriamos dessa salvação é
fruto da sua graça. Somos inteiramente dependentes dele. Para salientar
em nosso coração essa dependência, a teologia reformada sempre afirmou,
com muito vigor: Só Cristo!
Aplicação
Em que você tem colocado o seu coração? Em Cristo ou em algum dos
“apêndices” modernos? Examine agora a sua fé e veja em que você tem
crido para sua salvação. Se for em algum “apêndice” ou mesmo em “Cristo
mais alguma coisa”, livre-se disso e creia somente em Jesus Cristo para
sua salvação.
Boa leitura
Por que Cristo sofreu e morreu? O assunto central na morte de Jesus
não é a sua causa, mas seu significado – o significado de Deus. John
Piper trata desse tema em A Paixão de Cristo, publicado pela
Editora Cultura Cristã. Ele reuniu cinquenta razões retiradas do Novo
Testamento. Não cinquenta causas, mas cinquenta propósitos – em resposta
à mais importante pergunta que cada um deve enfrentar: o que Deus fez
por pecadores como nós ao enviar seu Filho para morrer?
Autor do estudo: Vagner Barbosa
FONTE:
http://ultimato.com.br/sites/estudos-biblicos/assunto/igreja/solus-christus-somente-cristo/
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