Ao longo da história da igreja, o papel da lei do Antigo Testamento na
vida cristã tem sido motivo de grande confusão. Muitos teólogos rejeitam
a lei inteiramente, considerando-a irrelevante para os cristão do Novo
Testamento. Apesar de haver diversas opiniões a respeito de pontos
específicos, a teologia reformada tradicional resume a questão em três
usos válidos da lei. Alguns escritores teológicos apresentam-nos na
ordem abaixo; outros invertem os dois primeiros, não havendo, portanto,
um consenso absoluto na tradição reformada quanto ao "primeiro" e
"segundo" uso da lei.
Chamemos a primeira função da lei de uso pedagógico. A lei revela
tanto a justiça perfeita de Deus quanto as nossas próprias imperfeições
que nos levam a buscar a Cristo para receber a salvação. A lei torna o
pecado conhecido (Rm 3:20; 4:15 e 5:13), e a nossa natureza rebelde
considera esse conhecimento do pecado uma oportunidade para se revelar
ainda mais (Rm 7:7-11), condenando-nos, desse modo, ao julgamento. Ao
revelar a nossa necessidade de perdão, a lei nos leva a buscar a Cristo
em arrependimento e fé (Gl 3:19-24). Nesse sentido, os cristãos não
estão sob a lei. O apóstolo identifica esse uso da lei com o modo de
vida na era de pecado e morte antes da vinda de Cristo. A lei veio para
que o pecado aumentasse (p. ex., a ponto de Israel se condenada ao
exílio), mas com o aumento do pecado, a graça também foi ainda maior
quando Cristo veio (Rm 5:20-21).
Os que estão unidos com Cristo são libertos do julgamento da lei ao
passarem desta era para a era vindoura. Não estamos "debaixo da lei, e
sim da graça" (Rm 6:14) no sentido de que não estamos debaixo da
condenação da lei, mas sim, debaixo da graça de Deus em Cristo (Rm
8:1-4). Não obstante, como cristãos, continuamos a precisar da pedagogia
da lei para nos lembrar que ainda pecamos e carecemos do perdão de Deus
(1Jo 1:8-9) e da intercessão de Cristo (Rm 8:34 e Hb 7:25). A lei nos
obriga a voltar para a cruz de Jesus, a ver que não temos esperança
nenhuma em nós mesmos e que somente a expiação de Jesus pode eliminar o
nosso pecado e as suas consequências. Essa função da lei também continua
em vigor para os cristãos de hoje, mostrando-lhes a necessidade de
arrependimento e versão.
A segunda função da lei é o seu uso civil. os padrões morais do
Antigo Testamento refreiam o mal por meio de ameaças de castigo. A lei
não pode mudar o coração, mas pode inibir as transgressões por meio de
suas ameaças de julgamento, especialmente quando é apoiada pelo código
civil que executa os castigos nos casos de transgressões comprovadas (Dt
13:6-11; 19:16-21 e Rm 13:3-4). Assim a lei garante certa ordem civil e
protege os fracos da exploração dos injustos. Embora as Escrituras não
usem a expressão "debaixo da lei" para se referir a essa função civil,
fica evidente que, em certas ocasiões, até os cristãos são coibidos pela
ameaça de castigo. A obediência por amor a Deus é o ideal pelo qual
devemos nos esforçar (1Jo 4:18), mas podemos nos beneficiar da coibição
que esse uso da lei propicia.
Essa função refreadora da lei era evidente no período do Antigo
Testamento (Êx 21-23). No entanto, também é afirmada para o tempo do
Novo Testamento quando Paulo escreve que a lei não é para os justos, mas
para os pecadores (1Tm 1:8-11).
A terceira função da lei é seu uso normativo ou moral. Os padrões
morais da lei oferecem direção para os cristãos ao buscarmos uma vida
de gratidão humilde pela graça divina demonstrada para conosco. Como o
prólogo dos Dez Mandamentos deixa claro (Êx 20:2), a obediência aos
mandamentos de Deus flui de um coração agradecido pela redenção recebida
como dom gratuito da graça de Deus. Para nós cristãos que estamos
vivendo depois da primeira vinda de Cristo, muitas vezes é proveitoso
fazer distinção entre as dimensões morais, cerimoniais e civis da lei.
Ao longo da história, os teólogos reformados têm expressado consenso
quanto ao fato de Deus ter dado certas expressões cerimoniais e civis da
lei para situações históricas específicas, e não para todos os fiéis de
todos os tempos. No entanto, até mesmo essas leis nos instruem quanto
aos princípios da sabedoria e justiça de Deus. Uma vez que a lei
expressa e reflete o caráter imutável de Deus, a sua dimensão moral
continua sendo normativa para todas as eras (Mt 5:17-19; Rm 3:31;
13:9-9; Ef 6:2; Tg 2:10-11 e 1Jo 2:3-7).
Calvino considerava a direção moral da lei o seu principal uso no
sentido de que as outras maneiras de uso se dão apenas em função da
presença do pecado no mundo, enquanto o seu uso moral é derivado
diretamente do caráter de Deus. paulo fala desse terceiro uso da lei ao
escrever, "não [estou] sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de
Cristo" (1Co 9:21), sendo que a "lei de Cristo" é a lei interpretada e
aplicada por Cristo.
Extraído de: Bíblia de Estudo de Genebra, página 782.
Os três usos da lei: Para que serve a lei?
http://www.andrerfonseca.com/2013/02/para-que-serve-lei-quando-vivemos-graca.html
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