1. Introdução
Há um vídeo bem conhecido, lançado em 2007 chamado de 'Zeitgeist'
(espírito da época, em alemão). A equipe que lançou o vídeo, formada
principalmente por Peter Joseph e Acharya S., tinham como objetivo
provocar uma "mudança das estruturas sociais que influenciam nossas
decisões e compreensões" e apresentar a "ciência, natureza e
tecnologia" em vez da "religião, política e dinheiro" como "chave para o
nosso crescimento pessoal" [1]. O vídeo rapidamente ficou famoso, tendo
conquistado o prêmio de melhor filme no fesitval Artivist na Califórnia
em 2007 e 2008 [2]. Entre outras coisas, o vídeo mostra supostas
evidências de que o Jesus histórico não passa de uma cópia das
mitologias de muitos povos antigos, sendo que os apóstolos apenas
utilizaram-se de histórias conhecidas e criaram um outro "deus
mitológico".
Neste estudo será feita uma análise dos principais paralelismos
defendidos pelos autores, verificando se são cabíveis tais acusações,
além de um breve resumo histórico de alguns detalhes importantes para a
compreensão plena do tema.
2. Paralelismos
A lista de comparações alegadas por muitos autores é extensa, se
procurará ser mostrado aqui o máximo possível de semelhanças sugeridas
entre os deuses mitológicos e Jesus Cristo.
2.1. Hórus, deus egípcio:
- Nascido da virgem Ísis-Meri em 25 de dezembro numa caverna/manjedoura, com seu nascimento tendo sido anunciado por uma estrela no Oriente e, visitado por três Reis Magos.
- Seu pai terreno chamava-se "Seb" ("José").
- Ele era descendente de uma linhagem real.
- Aos 12 anos de idade foi uma criança que ensinou no templo e, aos 30 foi batizado, após ter desaparecido por 18 anos.
- Foi batizado no rio Eridanus ou Iaurutana (Jordâo) por "Anup o Batizador" (João Batista), que foi decapitado.
- Ele teve 12 discípulos, dois dos quais foram suas "testemunhas" e eram chamados "Anup" e "AAn" (os dois "Joãos").
- Ele realizou milagres, expulsou demônios e ressucitou El-Azarus ( "El-Osíris") dos mortos.
- Hórus andou sobre as águas e foi transfigurado numa montanha.
- Seu cognome pessoal era "Iusa" o "Filho eterno desejado" de "Ptah", o "Pai". Ele era chamado de "Divino Filho".
- Ele pregou um "Sermão da Montanha", e seus seguidores recitaram as "parábolas de Iusa."
- Hórus foi transfigurado no monte.
- Ele foi crucificado entre dois ladrões, sepultado por três dias em um túmulo e, em seguida ressuscitado.
- Títulos: O Caminho; a Verdade; a Luz; Messias; Ungido Filho de Deus; Filho do homem; Bom Pastor; Cordeiro de Deus; Verbo feito carne; Palavra da Verdade.
- Ele foi "o Pescador" e era associado com o Peixe ( "Ichthus"), o Cordeiro e o Leão.
- Ele veio para cumprir a lei.
- Era chamado de "o KRST" ou "Ungido" e considerado filho de Deus.
- Ele deveria reinar por mil anos.
2.2. Osíris, deus egípcio:
- Possuia mais de 200 nomes divinos, incluindo Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Deus dos Deuses, a Ressurreição e a Vida, Bom Pastor, Pai da Eternidade, o deus que "fez homens e mulheres nascerem de novo."
- Sua chegada ao mundo foi anunciada por três Reis Magos: as três estrelas Mintaka, Anilam, e Alnitak no cinturão de Órion, que apontam diretamente para a estrela de Osíris ao leste, Sírius, indicando seu nascimento.
- Ele foi uma hóstia simbólica. Seu corpo foi comido numa cerimonia religiosa sob a forma de bolos de trigo, a "planta da Verdade '.
- Salmos 23 é uma cópia de um texto egípcio apelando para Osíris o Bom Pastor que conduz o cansado rumo aos "pastos verdejantes" e às "águas tranquilas' das terras de nefer-nefer, a fim de restabelecer a alma e o corpo e, para dar proteção no vale da sombra da morte...
- A oração do Pai Nosso foi prefigurada por um hino egípcio à Osiris do início ao fim, “Ó Amém, ó Amém, que estais no céu.” Amém era também citado no final de cada oração.
- Os ensinamentos de Jesus e Osíris são maravilhosamente semelhantes. Muitas passagens são idênticamente as mesmas, palavra por palavra.
- Tal como o Senhor da vinha, um grande mestre viajante que civilizou o mundo. Soberano e juiz dos mortos.
- Em sua paixão, Osíris foi alvo de uma conspiração e mais tarde assassinado por Set e "os 72."
- A ressureição de Osíris serviu para dar esperança à todos que também desejam a vida eterna.
2.3. Attis, deus frígio:
- Considerado filho de Deus.
- Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro.
- Considerado um salvador que foi morto pela salvação da humanidade.
- Seu “corpo” como pão era comido pelos adoradores.
- Ele era tanto o divino Filho como o Pai.
- Numa sexta-feira ele foi crucificado numa árvore.
- Levantou-se depois de três dias como “Deus todo-poderoso”.
2.4. Krishna, deus hindu:
- Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro
- Seu pai terreno era carpinteiro
- Seu nascimento foi assinalado por uma estrela ao leste
- Visitado por pastores que o presentearam
- Foi perseguido por um tirano que ordenou o assassínio de infantes
- Operava milagres e maravilhas
- Usava parábolas para ensinar as pessoas sobre caridade e amor
- Foi transfigurado diante dos discípulos
- Foi crucificado aos 30 anos
- Ressuscitou dos mortos e ascendeu aos céus
- Era a segunda pessoa da trindade
- Deverá retornar para o dia do juízo em um cavalo branco
2.5. Dionysus, deus grego:
- Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro.
- Era um mestre viajante que operava milagres.
- Andou em um burro durante uma procissão.
- Transformava a água em vinho.
- Era chamado “Rei dos Reis”e “Deus dos deuses”.
- Considerado “filho de Deus”, “único filho”, “salvador”, “redimidor”, “ungido”, e o “Alfa e o ômega”.
- Foi identificado como um cordeiro.
- Pendurado num madeiro.
2.6. Mitra, deus persa:
- Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro.
- Era um mestre viajante.
- Tinha 12 discípulos.
- Prometia imortalidade aos seus seguidores.
- Sacrificou-se pela paz mundial.
- Realizava milagres.
- Foi enterrado em uma tumba e ressuscitou 3 dias depois.
- Instituiu uma ceia santa.
- Foi considerado o Logos, redimidor, Messias e “o caminho, a verdade e a vida”.
Historicamente sabe-se que todos estes deuses eram conhecidos pelo menos
um século antes de Cristo. O argumento dos adeptos da teoria pode ser
sintetizado neste parágrafo de Timothy Freke e Pater Gandy:
Por que nós consideramos as histórias de salvadores como Osíris, Dionísio, Adônis, Attis, Mitra e outros deuses pagãos fábulas, porém ao encontrarmos essencialmente a mesma história contada em um contexto judeu, acreditamos ser a biografia de um carpinteiro de Belém? [3]
A ideia defendida por estes autores é que no princípio era apenas um deus, Osíris, que foi assmilidado por outras culturas próximas, criando versões próprias. Assim teria surgido Dionísio na Grécia, Attis na Ásia menor (atual Turquia), Adônis na Síria, Baco na Itália, Mitra na Pérsia e assim por diante.
A maioria das declarações listadas acima estão contidas no livro "The Christ Conspiracy",
de autoria de Archarya S. [4]; curiosamente Freke e Gandy não
acrescentam nada de novo, na verdade apenas complementam algumas destas e
copiaram outras.
3. História da teoria
Aparentemente temos a impressão de que essa crítica à realidade
histórica de Jesus é algo novo, ao vermos a ascenção da moda Zeitgeist.
Entretanto essa opinião pode ser achada em alguns estudiosos desde o
século XVIII, no Iluminismo deísta e com o surgimento da análise crítica
das religiões.
Os pensadores da Revolução Francesa Constatin-François Volney e Charles
François Dupuis propuseram que a história da vida de Jesus era baseada
no movimento do Sol através do Zodíaco, e também encontraram referências
de alguns rituais pré-cristãos representando o nascimento de um deus
através de uma virgem. Esses pesquisadores não tiveram muita influência
posterior à suas publicações, o próprio Dupuis queimou todos os seus
escritos, por causa da repercussão gerada, alegando que “um grande
erro é mais fácil de ser propagado do que uma grande verdade, por que é
mais fácil crer do que racionalizar, e por que pessoas preferem as
maravilhas dos romances à simplicidade da história”. [5]
Podem rastreados também na história os historiadores da religião Bruno
Bauer, Thomas William Doane e Samuel Adrianus Naber, de acordo com uma
tendência comum no século XIX. Até a metade do século XX esse ponto de
vista havia sido amplamente discutido e refutado, até mesmo por
acadêmicos que viam o cristianismo como uma religião natural.
Houveram outros movimentos posteriores, como a teoria que havia uma
ampla adoração da morte e ressurreição do deus da fertilidade Tammuz, na
Mesopotamia, Adonis, na Síria, Attis, na Ásia Menor, e Osíris no Egito;
e a interpretação do cristianismo como uma religião sincretista formada
sob a influência das religiões de mistério helenísticas. Este último
foi defendido na década de 1930 por três acadêmicos franceses, M.
Goguel, C. Guignebert, e A. Loisy, e recentemente por Earl Doherty,
Robert M. Price e George Albert Wells. Estes três inspiraram Timothy
Freke e Peter Gandy a escrever os livros “The Jesus Mysteries” e “Jesus
and the Lost Goddess”. D. M. Murdock (conhecido pelo pseudônimo Acharya
S.) publicou também três livros defendendo a teoria, argumentando que
que os evangelhos foram criados no II Século para competir com outras
religiões populares da época.
Assim, podem ser detectados uma série de fatores que contribuíram para o
recente retorno da teoria: o interesse pós-moderno em espiritualismo, a
crescente falta de embasamento histórico e o acesso pronto à informação
não-filtrada através da internet. [6] Analisando a reação de épocas
posteriores com respeito à teoria considerada neste trabalho, Edwin
Yamauchi argumenta que “esta visão tem sido adotada por muitos que pouco se dão conta de suas frágeis fundações”. [7]
4. Problemas gerais da teoria
Verificaremos ao longo do artigo que faltam fontes a respeito de muitas
alegações desses autores, enquanto algumas outras estão carregadas de um
certo exgaero e/ou analogia forçada a termos cristãos (nem sempre com
más intenções). [8]
Apesar da lista ser extensa, boa parte dela (talvez a metade) contém
afirmações desprovidas de qualquer comprovação bibliográfica. Não há
seuqer fragmentos de informação, principalmente em relação aos deuses
egípcios, para os quais a fonte de documentos é mais ampla. Nos livros e
enciclopédias de religião egípcia pesquisados, houveram pouquíssimas
acusações que podem ser acusadas como no mínimo legítimas (alguns
pormenores serão discutidos adiante).
Uma lista de dificuldades gerais em relação a teoria defendida pelos 'zeitgeistianos' é relacionada abaixo[6]:
4.1. Não há evidência histórica de que as religiões dos deuses citados
tenham sido inseridas na Palestina nas três primeiras décadas do
primeiro século. Não haveria tempo suficiente para que os discípulos
fossem influenciados por estas mitologias se eles estivessem dispostos a
ser, que não era o caso. Quando a influência de alguns misticismos
atingiu a Palestina, principalmente através do gnosticismo no final do
primeiro século, a história da Igreja mostra que este movimento não foi
aceito, mas renunciado vigorosamente, inclusive pela Bíblia. A falta de
sincretismo dificulta a concepção de tal ideia.
4.2. Similaridade não prova dependência ou mesmo origem. Muitos
movimentos tanto sociais quanto religiosos frequentemente compartilham
formas de expressão ou práticas análogas. Não é surpreendente encontrar
paralelos em qualquer religião a respeito de vida após a morte,
identificação com uma deidade, ritos de iniciação ou um código de
conduta. Se uma religião deseja atrair prosélitos, precisa apelar para
as necessidades e desejos universais dos seres humanos. Mas isso
obviamente não indica dependência! Em qual cultura, por exemplo, que a
imagem de lavar-se em água não significa purificação? Assim, O que é
relevante não é a semelhança das palavras e práticas, mas os
significados anexados a eles. Para provar que o cristianismo possui uma
origem nos mitos pagãos, deve-se demonstrar uma semelhança na essência e
não só na forma. Os escritores normalmente exageram similaridades
formais, enquanto ignoram diferenças essenciais entre a história de
Jesus e os variados mitos pagãos (veja o item 5, em relação às
dificuldades específicas da teoria).
4.3. Os pagãos nesse período eram cientes do exclusivismo cristão,
inclusive chamavam os cristãos de ‘ateus' por causa de sua
indisponibilidade fundamental de ceder ou sincretizar com as outras
crenças. Como J. Machen explica, os cultos pagãos eram
não-exclusivistas: “Um homem poderia ser iniciado nos mistérios de
Ísis ou Mitra sem ter que abrir mão de suas crenças anteriores; mas se
ele quisesse ser recebido na Igreja, de acordo com a pregação de Paulo,
deveria abrir mão de todos os outros salvadores para o Senhor Jesus
Cristo... Dentre o sincretismo predominante do mundo greco-romano, a
religião de Paulo, assim como a religião de Israel, permanece
absolutamente distinta”. [9]
4.4. A argumentação está repleta de anacronismo. As crenças básicas do
cristianismo já existiam comprovadamente no primeiro século, enquanto
que o total desenvolvimento do culto da maioria dos outros deuses
citados não aconteceu até o segundo século. Historicamente, qualquer
encontro teve lugar entre o cristianismo e as religiões pagãs até o
terceiro século é muito improvável. Até hoje não há evidência
arqueológica destas religiões na Palestina do início do primeiro século.
[10] A história das influências pode ser dividida em três períodos:
Primeiro período (1-200 d.C.), as religiões de mistério eram restritas e
não exerciam influências nas outras religiões. Se há qualquer
influência, ela é na direção contrária: cristianismo influenciou os
cultos. Segundo período (201-300 d.C.), depois de o cristianismo ter se
espalhado pelo mundo romano, as religiões de mistério se tornaram mais
ecléticas, suavizando doutrinas severas e conscientemente oferecendo uma
alternativa competitiva ao cristianismo (aparece o culto a Cybele
oferecendo a eficácia perpétua do banho de sangue, que antes era de
vinte anos, uma influência clara da "lavagem pelo sangue de Cristo").
Terceiro período (301-500 d.C.), Cristianismo passou a adotar a
terminologia e ritos dos cultos de mistério (por exemplo, a adoção da
data 25 de dezembro).[11]
4.5. Como um judeu devoto, o apóstolo Paulo nunca teria considerado
pegar emprestados seus ensinamentos de religiões pagãs (Atos 17:16;
19:24–41; Rom 1:18–23; 1 Cor. 10:14), assim como João (1 João 5:21). Não
há a mínima evidência de crenças pagãs em seus escritos.
4.6. Como uma religião monoteísta com um corpo de doutrinas coerente, o
cristianismo dificilmente poderia ter pegado emprestado de um paganismo
politeísta e doutrinariamente contraditório.
4.7. Os críticos parecem ignorar completamente o pano de fundo hebraico
do cristianismo. Quase nenhuma atenção é dada à rica influência judaica
no Novo Testamento no cristianismo primitivo. Termos como “mistério”,
“ovelha sacrificada” e “ressurreição” em vez de vir dos mitos pagãos
como os escritores sugerem, são baseados nas crenças judaicas
encontradas no Antigo Testamento. Além disso, os manuscritos do mar
Morto têm vertido muita luz em práticas judaicas que se escondem atrás
do Novo Testamento como o batismo, comunhão e bispos.
4.8. A ressureição de Jesus e os eventos do Velho Testamento são
tratados biblicamente como eventos pontuais da história, não mitos. A
morte e os atos dos deuses místicos aparece em narrativas dramáticas e
poéticas sem nenhuma conexão histórica.
4.9. Se houve qualquer empréstimo, foi no sentido contrário. À medida
que o cristianismo crescia em influência e se expandia, os sistemas
pagãos, reconhecendo a ameaça, provavelmente pegariam alguns elementos
do cristianismo. Por exemplo, o rito pagão do banho em sangue de touro (taurobolium)
inicialmente tinha sua eficácia espiritual de vinte anos. Mas assim que
a competição com o cristianismo começou, o culto a Cybele, aumentou sua
eficácia de seu rito “de 20 anos a eternidade” [12] quase equivalendo
assim, à eternidade prometida aos cristãos.
4.10. O conteúdo moral cristão de amor e compaixão, bondade e ações de
caridade era completamente diferente do costume pagão. A forma cristã de
humildade, permitindo que o próximo bata nas duas faces e o próprio
exemplo de Jesus utilizando Seu poder apenas para o bem diferencia
seriamente daquilo que vemos na mitologia pagã.
http://www.respostasaoateismo.com/2011/10/jesus-um-plagio-parte-1.html
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