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Por Rev. Ewerton B. Tokashiki
A
impunidade aumenta a criminalidade. Isto é um fato! Será que as nossas
leis são suficientemente duras a ponto de corrigirem, ou inibirem a
desordem social? Seria a pena de morte uma punição justa e até
necessária em nosso contexto brasileiro? Este é um assunto polêmico que
apresenta dificuldades, e algumas questões precisam ser levantadas e
respondidas em nosso estudo sobre o assunto. Primeiro, a Bíblia proíbe,
ordena ou autoriza a pena de morte? Segundo, a pena de morte seria
justamente aplicável e promoveria a segurança em nosso contexto social? E
terceiro, quem seria responsável pelo julgamento e aplicação da pena
capital?
A
proposta desta lição é de estudarmos o tema, assumindo que a Bíblia nem
ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo
punitivo caso o nosso país decida adotá-lo, e que ela amenizaria a
criminalidade em nossa sociedade.
Esclarecendo o fundamento
A
Bíblia, como nossa única regra de fé e prática proíbe, ordena ou
autoriza a pena de morte? Mesmo numa leitura superficial do Antigo
Testamento encontraremos a ordenança de matar pessoas seguindo alguns
critérios da lei civil de Israel entregue por Deus a Moisés. Não há
proibição contra a pena de morte na antiga Aliança. Encontramos no
Antigo Testamento o 6º mandamento “não matarás”. Todavia, esta lei não
significava a proibição de toda morte como sentença penal. Pode-se
perceber que a palavra hebraica rasah traduzida por “matar”, não
expressa a força e significado do verbo original, seria melhor vertê-la
por “não assassinarás”. Assim, deve-se considerar que a proibição do 6º
mandamento é contra o assassinato, ou a vingança pessoal, e não uma
proibição da execução penal de um criminoso pelo governo instituído por
Deus.
O
Catecismo Maior de Westminster quanto à significação do 6º mandamento
esclarece que a sua proibição envolve “Quais são os pecados proibidos no
sexto mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento
são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça
pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou
retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a
ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões
excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida,
trabalho e recreios; as palavras provocadoras, a opressão, a contenda,
os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida
de alguém. (At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt
25.42,43; Mt 5.22; 1 Jo 3.15; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Mt 6.31,34; Lc
21.34; Êx 20.9.10; 1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18; Is 3.15; Nm 35.16; Pv
28.17).”[1] Assim, desde o suicídio, o assassinato, a guerra justa, a
defesa pessoal, a negligência da segurança, sentimentos maus, palavras
ferinas, a intemperança e a agressão física são todos aspectos
implícitos ordenados ou proibidos no 6º mandamento.
Lemos
algumas vezes no Antigo Testamento a ordenança de executar pessoas,
famílias, ou os habitantes de Canaã (Êx 21:23-24; Js 7:1-26; Dt
21:18-21). A pena de morte foi socialmente sancionada por Deus nos casos
de “assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt
24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14);
bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12;
21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt
15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14;
16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos
falsos deuses (Êx 22:20).”[2] A intenção da pena de morte no Antigo
Testamento era de frear pecados sociais de um povo que viveu mais de 400
anos como escravo, influenciado pela cultura pecaminosa egípcia e sem
uma referência clara da justiça divina. Deus ordenou a pena de morte na
Lei, porque Ele é o soberano sobre tudo e sempre justo juiz em punir.
O
processo e a aplicação da pena não era arbitrária, mas criteriosamente
estabelecida por Deus. D.W. Van Ness escreve que “lendo o AT revela que
se aplicavam proteções evidenciais e processuais para abordar casos que
mereceriam a pena de morte. Estas medidas incluem a proporcionalidade
(Êx 21:23-35); a certeza da culpa estabelecida por duas testemunhas (Dt
17:6; Nm 35:30); a intencionalidade (Nm 35:22-24); as provisões
processuais incluíam as cidades refúgio que protegiam o acusado até o
momento do seu julgamento (Nm 35); a responsabilidade individual (Dt
24:16); a justiça do procedimento legal, independentemente do status
econômico do acusado dentro da comunidade (Êx 23:6-7); e, a limitação da
hora de se aplicar a pena de morte (Ez 33:11).”[3] Aqui vemos Deus
estabelecendo a ordem e a sua santidade e justiça no meio do seu povo.
Ao matar ou causar dano grave o assassino perderia o direito à vida.
Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também
será morto” (Êx 21:12), e este é o mesmo princípio básico para a
aplicação da pena de morte anteriormente ordenado por Deus à Noé após o
dilúvio (Gn 9:6).
A lei
civil e cerimonial entregue a Israel não é válida para hoje, embora o
princípio moral, ou a lei moral tem a sua continuidade no Novo
Testamento. Isso significa que não podemos interpretar as ordens de
execução como estão no Antigo Testamento e aplicá-las literalmente hoje.
As leis civis regularam Israel enquanto nação teocrática, e as leis
cerimoniais tiveram validade até a morte de Cristo. Mas, a lei moral que
são os Dez Mandamentos tem plena validade para hoje. Assim, os juristas
brasileiros poderiam, como no passado o fizeram, se valer dos
princípios absolutos da Escritura Sagrada para formular as doutrinas
penais, decidindo por um sistema judiciário por princípios bíblicos e
menos antropocêntrico. O princípio moral para se criar uma lei que exija
a morte do criminoso é atual, e teria autorização tanto no Antigo
Testamento, como no Novo Testamento.
No Novo
Testamento a pena de morte continua como uma prática comum, no entanto,
aplicada pelo império romano e não mais pelos juízes de Israel. O
Sinédrio de Jerusalém participava do processo de condenação levantando
as provas, fazendo a denúncia e entregando o criminoso às autoridades
romanas para a sentença final e execução do criminoso. A partir daí
dentro da hierarquia do governo romano, desde a administração municipal
até o governador da província, se fosse um nativo julgado a sentença
terminaria na opinião do governador. Se o réu fosse cidadão romano
poderia recorrer à última instância apelando a César, ou seja, seria
julgado pela república, ou pelo próprio imperador. Por exemplo, Jesus
valida a pena de morte, com a sua própria morte (At 2:22-24; At
4:26-30), bem como Paulo, em Rm 13:1-5, fala do uso da espada pelo
magistrado em punir com morte, e ele mesmo durante o seu julgamento se
sujeita à pena capital, caso a merecesse (At 25:8-11). Sabemos pelos
relatos históricos que o apóstolo foi executado sob a ordem do imperador
Nero. Segundo a tradição todos os apóstolos, com exceção de João, foram
executados. A pena de morte produziu os mártires da Igreja, e o seu
sangue foi a semente missionária para a expansão do Cristianismo
primitivo.
Não há
na Escritura Sagrada qualquer proibição ou oposição à pena de morte.
Entretanto, ela não exige o seu uso incondicional. A Bíblia autoriza a
pena capital, caso algum país queira aprová-la, e sanciona a sua
aplicação como legítima diante de Deus.
Conclusão
Concluímos
que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como
dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo. Assim, podemos
protestar a seu favor, caso entendamos que seja necessário a aplicação
de penas mais rígidas, como a pena de morte em nossos tribunais.
A pena
de morte promove a vida de quem quer viver. O “não matarás” é uma
advertência para quem não quer se tornar um assassino. Isto significa
que se o indivíduo matou, perdeu o direito de viver. A autoridade
instituída por Deus tem o dever de proteger com a espada, e com este
mesmo instrumento punir o criminoso impedindo-o de ser uma possível
ameaça aos cidadãos de bem.
A pena
capital não é algo realizado por vingança familiar, nem sem critérios
objetivos da gravidade do crime em que se dará a condenação. A sentença
será dada pelo Estado, um juiz especializado, leis específicas, e sobre
um crime doloso e hediondo em que envolve assassinato ou a desonra com
dano irreparável do indivíduo, como por exemplo, o estupro.
Talvez,
alguém seja contra a pena de morte no Brasil argumentando que sempre é
possível um inocente morrer injustamente. De fato, este é a melhor
objeção à pena capital. Todavia, a resposta a este argumento é
satisfatoriamente dada por Gordon H. Clark quando ele questiona “a pena
de morte é inviável pela possibilidade de erro judiciário ou o erro do
judiciário deve ser minimizado ao máximo? A continuidade de crimes deve
ser garantida por lei?”[4] O sistema legal brasileiro deve ser
aperfeiçoado e corrigido e não afrouxar as penas por ter falhas.
Três
motivos deveriam nos levar a considerar como necessária a aplicabilidade
da pena de morte em nosso sistema judiciário. Primeiro, a influência
geral, ou seja, a teoria de que quando uma pessoa é castigada outros
criminosos em potencial estariam menos dispostos a cometer os mesmos
crimes. Segundo, a influência específica, que é a teoria de que o
criminoso castigado não cometerá mais crimes estando morto. E terceiro, a
retribuição legal, isto é, a teoria de que o crime exige um castigo com
uma pena que lhe seja proporcional. A pena de morte supre perfeitamente
a estas exigências. Quando o Estado não castiga o criminoso com uma
punição equivalente ao seu crime, ele penaliza a vítima, protege o
criminoso, e fomenta a insegurança na sociedade.
Perguntas para reflexão:
1. Se um
ladrão entrasse em sua casa, estuprasse e matasse os seus familiares,
seria uma pena suficientemente justa a sentença de alguns anos de
prisão?
2.
Aceitando que o Estado como autoridade é instituído por Deus (Rm 13:1-7)
e que ele é portador de espada, isto é, instrumento de pena de morte
“pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal”
(Rm 13:4b), ele não se torna injusto ao negar-se executar a pena capital
sobre os que a merecem?
3. Se
existisse a aplicação da pena de morte em nosso sistema penal seria
possível que houvesse menos grupos de extermínios, execução por parte da
polícia, vinganças entre famílias e outros efeitos colaterais causados
pela omissão e impunidade?
______________________
NOTAS:
[1] Catecismo Maior de Westminster pergunta/resposta 136.
[2] Hans Ulrich Reifler, A ética dos dez mandamentos (São Paulo, Edições Vida Nova, 1992), p. 116.
[3]
D.W. Van Ness, “pena capital” in: David J. Atkinson, org., Diccionario
de Ética Cristiana y Teologia Pastoral (Barcelona, CLIE, 2004), pp.
894-896.
[4]
Gordon H. Clark, “pena de morte” in: Carl F.H. Henry, org., Dicionário
de ética cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007), p. 441.
Fonte: Estudantes de Teologia
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