O termo é novo, mas seu significado não. Bullying pode ser definido
como a prática em que um indivíduo se coloca em posição de poder em
relação a outro com a intenção de intimidar, amedrontar, humilhar ou
machucar.
É bem provável que José tenha sido umas das primeiras vítimas dessa
situação. "Quando os seus irmãos viram que o pai gostava mais dele do
que de qualquer outro filho, odiaram-no e não conseguiam falar com ele
amigavelmente" (Gn 37.4). Seus irmãos demonstravam abertamente o
incômodo que sentiam, e o ápice de tal insatisfação se deu com a venda
de José: "o venderam por 20 peças de prata aos ismaelitas, que o levaram
para o Egito" (Gn 37.28).
Em inglês, bully significa "valentão", ou seja, aquele que vive
constantemente com essa postura, infringindo ao outro uma agressão
emocional, verbal, psicológica ou até mesmo física. "A expressão
bullying representa um conjunto de atitudes que uma pessoa tem no
intuito de agredir o outro", explica a psicóloga, psicanalista e
terapeuta familiar Cássia Rodrigues, da Igreja Evangélica Batista de
Vitória. Segundo ela, o bullying pode acontecer tanto de maneira mais
branda, quanto de forma mais grave. Em menor grau, o bullying aparece
nos apelidos que desqualificam ou denigrem a criança. "Aparentemente
inofensivos, esses apelidos incomodam e acuam o indivíduo. Sempre que
isso acontece, configura-se o bullying", explica. A psicóloga alerta
ainda que, ao perceber a fragilidade da vítima, o agressor ganha força e
permanece com a ação, podendo chegar a praticar agressões físicas.
Os pais devem estar atentos ao comportamento das crianças, que
apresentam sinais claros quando algo errado está acontecendo, ficando
caladas, introspectivas, deixando de fazer as coisas de que mais gostam
ou, até mesmo, apresentando sintomas físicos. "As crianças vítimas de
bullying podem ter insônia, dor de barriga, febre e apresentar enurese
(perda do controle de urinar)", esclarece Cássia. Segundo ela, muitas
crianças também perdem a motivação para estudar e a vontade de ir para a
escola.
Como proteger os filhos dessa ameaça?
Diante da
ameaça do bullying, o que os pais podem fazer? De que maneira podem
proteger seus filhos dessa agressão? Para o pastor da Igreja Batista em
Mata da Praia, Marcelo de Aguiar, o diálogo entre pais e filhos é
fundamental, bem como mostrar interesse na vida e nas atividades da
criança, mantendo aberto um canal de comunicação e confiança. "Há uma
razão para isso: toda a força do bullying está no segredo com que o
assunto é tratado. Normalmente, a criança é intimidada pelos colegas e
não conta nada para os pais, pois há um consenso entre os alunos de que
recorrer à ajuda dos pais é sinal de fraqueza", avalia o pastor. Dessa
forma, explica, a criança vítima de bullying tenta resolver o problema
sozinha, enquanto o agressor aproveita a impunidade para continuar com a
prática.
O pastor Marcelo explica que os pais podem e devem se basear na
Palavra de Deus para orientar seus filhos, realizando estudos,
orientando e incentivando o comportamento cristão. Ele lembra que a
"regra de ouro" pronunciada por Jesus no sermão da montanha é tratar os
outros como desejamos ser tratados - "Como quereis que os homens vos
façam, assim fazei-o vós também a eles" (Lucas 6:31). "Essa passagem não
fala especificamente sobre o bullying, mas reprova essa atitude e, de
resto, todo o comportamento impiedoso com o semelhante", diz o pastor.
Ao estudar a Palavra de Deus é possível encontrar exemplos e
ensinamentos para situações atuais. A história de José, mesmo tão
antiga, reflete a perseguição e a intimidação que muitas crianças e
jovens sofrem com o bullying. O pastor Marcelo explica que os pais
precisam conhecer a Bíblia e também fazê-la conhecida de seus filhos,
para que saibam como agir ante tal situação.
"Se queremos um exemplo bíblico de bullying, podemos nos reportar à
experiência de Daniel e seus três amigos. Ainda adolescentes, eles foram
levados para a Babilônia, a fim de estudar 'a letra e a língua dos
caldeus'. Aquela era considerada a 'universidade' daqueles tempos e era
também um local de terríveis perseguições. Os quatro amigos tiveram suas
convicções religiosas questionadas e seus nomes - que tinham
significados nobres - trocados por outros com significados
depreciativos. Ora, claramente, isso é uma forma de bullying", conta o
pastor. Segundo ele, Daniel e seus amigos não apenas sobreviveram, mas
também prosperaram naquele lugar (Dn 1:3-21).
De acordo com o pastor, Daniel e os amigos venceram as dificuldades e
os desafios impostos por confiarem em Deus, seguirem Seus ensinamentos e
permanecerem sempre unidos. "O bullying atinge com mais facilidade quem
não tem amigos, ou seja, as crianças solitárias que, por isso mesmo,
são vítimas mais fáceis. Contar sempre com Deus e cercar-se de amigos e
irmãos que possam nos proteger é uma lição que podemos aprender com a
experiência de Daniel para derrotar o bullying", ensina Marcelo.
As igrejas são importantes aliadas dos pais no combate ao bullying à
medida que orientam e debatem o tema entre crianças, adolescentes e
jovens. "Quando a igreja transmite os conceitos bíblicos de respeito,
amor e dignidade, já está prevenindo o bullying. Está ensinando o valor
inato de todos os seres humanos, o que significa que não podemos tratar
os outros indignamente nem permitir que sejamos tratados assim", afirma o
pastor Marcelo. A igreja onde ele atua, por exemplo, realizou um
treinamento voltado para os adolescentes que abordava o bullying virtual
e os perigos da Internet, orientando sobre as providências a serem
tomadas nesses casos. "Essa é uma orientação valiosa que a igreja deve
proporcionar às crianças, aos adolescentes e aos jovens de nossos dias",
pontua.
O papel da escola
O bullying pode acontecer em
qualquer faixa etária e em qualquer lugar, mas o cenário onde ocorre com
maior frequência e gravidade é a escola. Por isso, muitas instituições
de ensino já incluíram o tema em suas grades curriculares para ser
debatido com os alunos. O bullying escolar, como é chamado, preocupa
educadores e psicólogos pelo fato de as crianças e adolescentes estarem
em fase de formação de caráter e personalidade, e uma experiência de
agressão pode gerar um trauma para a vida adulta. "O bullying muda a
história de vida do ser humano. Uma pessoa que poderia ter uma
construção emocional de autoestima equilibrada, com o bullying passa por
uma frustração e rejeição sem necessidade", alerta a psicóloga.
De acordo com a coordenadora pedagógica do Colégio Adventista de
Vitória, Leslie Guimarães de Moraes, atualmente todas as escolas na
Capital, independente do nível social dos alunos ou localização,
registram casos de bullying. "Algumas instituições negam ou minimizam o
problema, mas a principal atitude é não negar o fato", avalia a
pedagoga. Ela explica que o procedimento tomado pelas escolas, após
identificar o bullying, começa com a intervenção docente, realizada por
professores, orientadores e coordenadores. Em caso de reincidência, os
pais dos alunos são chamados ao colégio para desenvolver uma parceria
com a instituição com objetivo de mudar o entendimento e a atitude do
agente de bullying. "Somente em último caso acionamos o apoio do
Conselho Tutelar", esclarece Leslie, que diz ainda que as escolas
indicam especialistas para o acompanhamento dos alunos que sofrem ou
praticam o bullying.
A psicóloga Cássia Rodrigues destaca a importância dos educadores em
identificar a prática do bullying, tomando as providências cabíveis
sempre que necessário. "Os professores devem estar atentos ao
comportamento das crianças, que, nessa fase, são ativas, bagunceiras e
alegres. Quando uma delas passa a ficar muito quieta, acuada, é porque
algo errado pode estar acontecendo", explica.
Meu filho é vítima de bullying
Tão importante
quanto prevenir esse tipo de situação é saber que caminho seguir ao
identificar que o filho foi vítima de bullying. Para o pastor Marcelo de
Aguiar, os pais devem conversar com os filhos mostrando que isso não é
aceitável e que o bullying não é culpa de quem o sofre. "Com muita
calma, os pais devem fazer com que a criança perceba que essa é uma
situação que deve ser denunciada e assumir ele, o pai, a
responsabilidade pela denúncia", alerta.
Conforme o pastor explica, as crianças têm medo de contar sobre a
agressão aos pais e sofrerem retaliações dos colegas, sendo chamados de
"filhinhos da mamãe" ou coisa parecida. "Se houver retaliações e a
escola não fizer nada para impedi-las, o pai não deve hesitar em tirar o
seu filho dessa escola. Ela terá provado que é indigna da confiança do
pai e que não merece que o seu filho - seu maior tesouro - estude nela",
afirma o pastor.
A psicóloga Cássia Rodrigues destaca que quando o bullying acontece é
porque a criança, de alguma forma, não sabe como se defender. "As
famílias devem gerar nos filhos essa capacidade, pois é ela quem
primeiro prepara o indivíduo para o mundo, e o bullying é uma frustração
que está no mundo", avalia Cássia. A psicóloga incentiva os pais a
procurarem ajuda profissional nesses casos, para que as crianças não
levem para a fase adulta os traumas causados pelo bullying. "Quem sofre
bullying na infância será um adulto inseguro, terá inconstâncias nos
relacionamentos, baixa autoestima, será retraído e sem coragem para
ousar ou encarar desafios. Além disso, em casos mais graves, poderá
desenvolver fobias, como depressão, síndrome do pânico e transtorno de
ansiedade", explica Cássia.
Meu filho pratica o bullying
Muito se fala em
quem é vítima de bullying, mas o agente, ou seja, quem infringe a
agressão, também deve receber atenção e acompanhamento. Para Cássia
Rodrigues, na maioria das vezes, a criança agente de bullying reflete em
suas atitudes alguma deficiência no ambiente familiar. "Não
necessariamente a criança que pratica o bullying sofre agressões em
casa, muitas vezes, os pais são ausentes e os filhos tentam a todo custo
chamar a atenção", esclarece. De acordo com ela, um adulto que tenha
praticado bullying na infância tende a ser intolerante. "O agente de
bullying cresce acreditando que pode ganhar as coisas no grito, no
enfrentamento, e isso traz consequências sérias, como desvios de
conduta", alerta a psicóloga.
Para o pastor Marcelo, a criança que pratica o bullying pode estar
sofrendo a influência de um grupo de colegas ou ter problemas com a
autoestima, perseguindo as outras como forma de se autoafirmar. "Em
qualquer uma das situações, os pais precisam ficar atentos e conversar,
verificar o que está errado no relacionamento familiar e corrigir a
questão", diz. Ele alerta que os filhos devem ser criados dentro de
limites estabelecidos, respeitando as diferenças. Para ele, a partir do
instante em que os pais são avisados que o filho é um agente de
bullying, devem tomar providências imediatas. "Esse filho precisa sofrer
alguma forma de penalidade, caso contrário, os pais estarão criando um
grande problema para si mesmos e para a sociedade", conclui o pastor.
A Bíblia mostra que tanto Daniel quanto José foram vencedores.
Independente do desânimo que possam ter sentido, sempre fizeram o melhor
que podiam, buscavam o Senhor em momentos de crise e escolhiam o
caminho correto. José, vendido como escravo pelos próprios irmãos,
venceu a amargura e escolheu ver além das atitudes de seus irmãos,
enxergando a mão de Deus em sua vida (Gn 45:8). Esse é o exemplo que
precisa ser seguido por quem é vítima de bullying. Afinal, acima dos
agressores está um Deus que ama todos os seus filhos incondicionalmente.
Leia mais
Bullying - Mentes perigosas na escolaAna Beatriz Silva
Editora Fontanar
Bullying - Estratégias de sobrevivência para crianças e adultos
Mary Zawadsky e Jane Lee
Editora Artmed
Saiba Mais
Como identificar se seu filho está sendo vítima de bullying?
- Pede para mudar de turma
- Não quer mais ir à escola
- Apresenta queda no rendimento escolar
- Passa a ter déficit de atenção
- Pode apresentar sintomas físicos constantes como dor de cabeça, dor de estômago, suor frio, febre
- Perde o apetite
- Perde dinheiro e pertences
- Insiste para ser levado pelos pais à escola
- Se tranca no quarto, isolando-se até da família
- Chora sem razão ou tem pesadelos frequentes
Bullying escolar
Os dados a seguir fazem parte da
pesquisa "Bullying no Brasil", apresentado em março de 2010, tendo 2009
como ano de referência. Foram entrevistados 5.168 alunos, das redes
públicas e particulares, das cinco regiões brasileiras, com idade entre
10 e 21 anos, cursando entre a 5ª e a 8ª série.
Alunos que sofreram bullying em 2009
28% Sofreram bullying ao menos uma vez
71% Não sofreram bullying
1% Não responderam
Motivação dos agressores
16,84% Querem ser populares
12,97% Não sabem dizer
11,59% Por brincadeira
9,49% Querem dominar o grupo
9% São mais fortes
8,16% Porque as vítimas vão reagem
6,78% Porque as vítimas são diferentes
6,52% Por não serem punidos
4,98% Por se sentirem provocados
3,73% Por achar que a vítima merece
* O estudo foi realizado pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA).
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