Por Joaquim de Andrade
Examinaremos os pontos mais práticos do
discernimento doutrinário. Como devemos pôr esse discernimento em
prática? Como podemos nos tornar mais amadurecidos e competentes no
discernimento? Os “dez mandamentos” a seguir não são tudo que se pode
dizer sobre o assunto, mas são de especial importância.
(1) Aprenda a exercer o discernimento
à medida que cresce como cristão na fé, amor e santidade. Ainda que
seja óbvio, isso deve ser enfatizado e colocado em primeiro lugar na
nossa lista. A vida cristã não é um jogo intelectual no qual o objetivo é
provar que estamos certos e derrubar os que estão errados. Discernir o
ortodoxo do herético é apenas um aspecto da vida cristã, ainda que seja
importante. Além disso, o discernimento doutrinário tem de envolver a
oração, comunhão com outros cristãos, serviço aos cristãos e aos
perdidos, e estudo da doutrina. Devo ressaltar que estou pregando aqui
mais para mim mesmo do que para qualquer outro!
Ainda que o crescimento seja vital, não
há um padrão mínimo de conquista espiritual que deva ser alcançado antes
que se possa exercer o discernimento. Pelo contrário, o exercício do
discernimento é uma função na qual todos devem crescer no decorrer de
suas vidas como cristãos.
(2) Desenvolva seu conhecimento das Escrituras.
Em condições normais, quanto mais uma pessoa conhece as Escrituras,
mais ela terá a capacidade de discernir a verdade do erro. Nem todo
cristão pode ser um perito, mas todos os cristãos devem estudar a Bíblia
em profundidade e desenvolver um excelente conhecimento de seus
ensinamentos.
Há várias maneiras de se estudar a
Bíblia e todas elas são importantes. Leia a Bíblia diretamente: leia
livros inteiros da Bíblia e leia a Bíblia por inteiro. Memorize
passagens bíblicas. Estude a bíblica topicamente, procurando o que as
Escrituras ensinam sobre determinados assuntos (At. 17:11). Use
comentários, dicionários e atlas bíblicos, obras teológicas, etc. – mas
não se esqueça que a escolha desse material também vai requerer
discernimento. Estude a Bíblia individualmente e em grupos. Procure
mestres competentes e aprenda deles o quanto possível. Utilize todos os
recursos possíveis para aumentar seu conhecimento bíblico.
(3) Aprenda a pensar de uma maneira lógica e racional.
Pensar logicamente significa pensar de tal maneira que não se tira
conclusões falsas a partir de premissas verdadeiras. O propósito do
estudo da lógica é aprender a pensar claramente e corretamente. Do
contrário, ainda que se tenha conhecimento dos fatos, é possível tirar
conclusões falsas, se esse fatos forem interpretados de maneira errônea.
Infelizmente, às vezes o pensamento
lógico pode ser aplicado sem sensibilidade. Não me refiro ao
comportamento rude (o que também pode acontecer), mas ao uso do processo
lógico de uma forma que, ainda que se chegue a conclusões aparentemente
lógicas, isso é feito sem um reconhecimento das complexidades e nuances
de uma determinada situação. O resultado é que muitas vezes os erros de
uma determinada pessoa ou grupo religioso são exagerados ou até mesmo
erroneamente identificados. O raciocínio sem sensibilidade, no fim,
acaba sendo ilógico, porque as conclusões são tiradas sem que antes se
considerem todos os fatores – o que é uma falácia lógica de
generalização indutiva apressada. Ou, talvez, se chegue a conclusões
sobre as crenças de um determinado indivíduo sem que se leve em conta a
maneira peculiar na qual essa pessoa emprega sua terminologia. Esse tipo
de falácia lógica, onde conclusões são derivadas de premissas que usam a
mesma palavra, mas em sentidos diferentes, é chamada de equivocação.
Hoje em dia, o raciocínio impreciso é um
grande problema no campo do discernimento doutrinário. Todos nós
devemos refinar e aprimorar nossa capacidade de raciocínio o máximo
possível, para que possamos exercer discernimento em assuntos
doutrinários.
(4) Ao estudar a doutrina, procure entender as diferentes
perspectivas das diversas tradições que existem dentro da ortodoxia
cristã. À medida que nos familiarizamos com os aspectos básicos da fé,
devemos nos familiarizar mais com as diferentes tradições cristãs.
Procure aprender as diversas perspectivas dentro do cristianismo
ortodoxo sobre questões como o batismo, o milênio, dons espirituais,
predestinação, etc. O entendimento dos pontos de vista diferentes dos
cristãos sobre tais assuntos doutrinários não só proporcionará uma maior
compreensão sobre a diferença entre os aspectos essenciais e não
essenciais da fé, como também possibilitará que se tome uma posição mais
bíblica e madura com respeito aos mesmos.
(5) Aprenda tanto quanto for possível toda
e qualquer informação relevante sobre um grupo religioso ou ensinamento
questionável antes de pronunciar qualquer julgamento sobre eles. As
Escrituras dizem: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha”
(Pv. 18:13). Pronunciar julgamentos de heresia sobre crenças alheias,
com base em informações insuficientes, é pecado.
Há uma variedade de estratégias que
podem ser empregadas para se adquirir informações sobre um grupo.
Podem-se averiguar as afiliações religiosas do grupo – a denominação ou
religião à qual pertence – apesar de que em alguns casos as organizações
podem negar a afiliação de seus grupos controvertidos. Pode-se
investigar a história do grupo e seus líderes. Podem-se consultar
referências, dicionários ou enciclopédias que listam grupos religiosos e
organizações, com as respectivas descrições de suas crenças. Na maioria
dos casos (exceto quando se trata de grupos muito novos ou muito
pequenos), esses procedimentos facilitarão a obtenção de informações
adequadas.
(6) Baseie seu entendimento de uma determinada doutrina
questionável naquilo que aqueles que a defendem dizem sobre ela, mas
não presuma que o uso de termos ortodoxos garante a ortodoxia das
crenças. Da mesma maneira que não gostaríamos que alguém nos rotulasse
como hereges e dissessem todo mal contra nós (Mt. 5:11) com base no que
outros dizem de nós, também não devemos criticar os pontos de vista de
outras pessoas sem nos certificarmos de que os ouvimos deles mesmos (Mt.
7:12). Isso não significa que todo cristão deve pessoalmente estudar a
literatura produzida por um determinado grupo herético antes que possa
determinar que ele é realmente herético. Significa que uma crítica de um
grupo supostamente herético não deve ser considerada adequada a não ser
que seja baseada em citações corretas dos líderes do grupo.
Nos casos em que ainda não há uma
análise ou avaliação cristã adequada das doutrinas de um determinado
grupo, é ainda mais importante se obter informações a partir de fontes
primárias. Muitas vezes pode-se simplesmente solicitar uma declaração
doutrinária. Entretanto, deve-se ter em mente duas observações:
primeiro, há grupos que são ortodoxos e ainda assim não tem uma
declaração doutrinária oficial. Segundo, os grupos heréticos normalmente
procuram fazer com que suas declarações doutrinárias tenham ao máximo a
aparência de ortodoxas, para que possam driblar críticas. Outras
publicações, nestes casos, podem ser mais úteis para que se conhecer as
verdadeiras crenças de um grupo.
Na verdade, é uma característica de
grupos não ortodoxos e aberrantes não serem transparentes e honestos com
relação à verdadeira natureza de suas crenças.
Freqüentemente, eles usarão linguagem
bíblica e até soarão como sendo evangélicos, procurando evitar críticas.
O Novo Testamento nos avisa sobre isso (e.g., 2 Co. 11:4). Nesse caso,
procure obter o máximo possível de informações sobre suas crenças e
compare o que dizem ao público com o que dizem entre eles. Isso pode
eventualmente requerer que se compareça a suas reuniões, que se faça
perguntas que não sejam vistas como críticas (cf. Mt. 10:16), ou que se
obtenha literatura que somente é distribuída a seus membros. Geralmente,
esse tipo de investigação deve ser feita somente por aqueles que já têm
experiência e treinamento no discernimento doutrinário, especialmente
os que ministram nesse campo. Em alguns casos, ex-membros desses grupos
serão as melhores fontes de informação e de materiais.
(7) Trate as informações fornecidas por ex-membros
com respeito e cautela. Todo grupo herético eventualmente começa a
gerar ex-membros, e essas pessoas podem ser fontes valiosas. Muitas
vezes sua maior contribuição é seu acesso a publicações e gravações que
não estão disponíveis ao público em geral. Seus testemunhos pessoais
podem também ser úteis e informativos.
Uma das características de grupos
heréticos e aberrantes é que eles consideram seus ex-membros como sendo
revoltados e invejosos, pessoas imorais que buscam vingança. Isso, é
claro, pode até ser verdade am alguns casos. Porém, se um grupo perde um
grande número de adeptos e se o testemunho desses ex-membros é
consistente, tal testemunho merece crédito. O testemunho de um ex-membro
é bastante reforçado se puder ser sustentado por documentação ou pela
corroboração dos testemunhos de outros ex-membros.
Ocasionalmente, alguns indivíduos se
apresentarão como ex-membros de um grupo e contarão histórias
extraordinárias sobre seu envolvimento. Nesses casos, deve se proceder
com bastante cautela, sendo que muitas vezes tais indivíduos nunca foram
realmente membros do grupo ou, se foram, seu envolvimento nele nunca
foi tão grande quanto alegam. Nem sempre se pode determinar se esses
indivíduos fraudulentos estão em busca de dinheiro, atenção da mídia,
antagonismo pessoal contra o grupo ou outra razão mais sutil. De
qualquer maneira, é importante que acusações sensacionalistas contra um
grupo não sejam aceitas meramente com base no testemunho de uma ou duas
pessoas, sem o apoio de maior evidência.
(8) Em casos ambíguos ou incertos, dê o benefício da dúvida
à pessoa ou grupo em questão. O princípio “inocente até prova em
contrário” deve ser aplicado nesses casos. Alguns cristãos envolvidos em
ministérios de discernimento “apitam”, ou “levantam a bandeirinha” cada
vez que há a menor aparência de possível heresia. Essa prática traz
reprovação a ministérios de discernimento, além de dividir os cristãos.
(9) Comece pelas questões básicas.
No processo de pesquisa sobre a ortodoxia de um determinado grupo,
pode-se economizar muito tempo e energia, além de se prevenir muitos
erros, se primeiro forem estudadas as questões mais básicas, que dizem
respeito à posição do grupo em relação à Bíblia e à autoridade
religiosa. Consideram eles a Bíblia como sendo a Palavra de Deus
infalível e inerrante? Consideram eles a Bíblia como sendo a autoridade
final em assuntos religiosos ou consideram qualquer outra fonte (seus
líderes, um profeta moderno, outro livro, etc.) como sendo autoridade
indispensável para a interpretação da Bíblia? Se considerarem a Bíblia
como sendo infalível, inerrante, e a autoridade final em assuntos
religiosos, na maioria dos casos eles serão ortodoxos. Se não, eles
normalmente serão heréticos. Note, porém, que essas são apenas
diretrizes gerais, já que há grupos heréticos que professam confiança
completa na Bíblia e não aparentam ter nenhuma outra autoridade
doutrinária.
(10) Aconselhe-se com ministérios de discernimento de boa reputação
que honrem princípios bíblicos de discernimento. Nenhum ser humano ou
organização (incluindo os ministérios de discernimento) é infalível.
Entretanto, se você concorda que os princípios apresentados nesse livro
são bíblicos, deve então buscar a opinião e o conselho de ministérios
que baseiam seu trabalho nesses princípios. Lembre-se do que foi dito no
capítulo anterior sobre ministérios para-eclesiásticos.
O desafio do Discernimento
Em conclusão, gostaria de lançar aqui um
desafio àqueles que concordam que o discernimento doutrinário, como
apresentado nesse livro, é realmente necessário. Contribua com seus
esforços para a obra contínua do discernimento. Encoraje seus pastores e
líderes a pregar e ensinar sobre o discernimento doutrinário. Contribua
para o sustento financeiro de um ou mais ministérios bíblicos de
discernimento, especialmente aqueles que atuam na sua área. Se tiver
filhos, ensine-lhes a sã doutrina. Ore pelos pregadores e mestres
ortodoxos do cristianismo e para que heresias e doutrinas aberrantes
percam seu poder de atração. Todo cristão pode e deve estar contribuindo
de alguma forma para o discernimento da sã doutrina pela Igreja.
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Este artigo é parte do livro MANUAL PRÁTICO DE DEFESA DA FÉ, de autoria de Joaquim de Andrade. Cortesia do autor para o NAPEC.
http://www.napec.org/apologetica/os-dez-mandamentos-do-discernimento/
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