Por Andréia B. Borba
Se tem algo que me intriga desde criança, são as cantigas infantis.
Claro que eu, assim como tantas outras crianças, cansei de brincar de roda cantando algumas dessas “preciosidades”. Mas depois que a brincadeira acabava, muitas vezes eu ficava refletindo sobre as letras das canções.
Meus pais é que sofriam com os “por quê isso, mãe?”, “por quê aquilo, pai?”… E, é claro, nunca obtive a menor atenção (nem mesmo dos professores) quando eu saía por aí perguntando, por exemplo, porque uma casa que não tinha teto, não tinha parede, não tinha chão, enfim, não tinha nada, era "engraçada"…
O curioso é que, ainda hoje, cada vez que ouço alguém cantando uma dessas cantigas, parece que volto no tempo e as mesmas dúvidas ainda me incomodam.
E é impressionante o quanto algumas letras dessas cantigas beiram o absurdo.
Vejam só algumas que eu lembrei:
Vejam só algumas que eu lembrei:
Olhem isso! O pobre do tal Samba Lelê, só porque está doente e com a cabeça "quebrada " merece levar 18 (!?) palmadas? E depois ainda dizem que eu, às vezes, sou um tanto quanto implicante…
"Eu sou pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré / Eu sou rica, rica, rica de marré..."
O interessante é que nesta aqui, a criança aprende desde cedo as diferenças socias…
"Fui morar numa casinha-nha infestada-da de cupim-pim-pim..."
… E a pobre criança sai olhando as paredes à cata de furinhos na sua casa velha…
… E a pobre criança sai olhando as paredes à cata de furinhos na sua casa velha…
"A canoa virou / Pois deixaram ela virar / Foi por causa de [fulana] / Que não soube remar. " Que espetáculo, não é mesmo? O sentimento de culpa deve ser introjetado desde cedo nos pequenos…
"Maria, tu 'vai' ao baile / Tu 'leva' o xale / Que vai chover / E depois / De madrugada / Toda molhada / Tu 'vai' morrer" A pobre criança que esquecer o casaquinho vai surtar achando que pode, a exemplo da tal Maria, cair mortinha… Afinal, resfriado para quê, não é mesmo? Bom mesmo é morrer de uma vez…

"Terezinha de Jesus / De uma queda foi ao chão”
Até a pobre mulher se esborracha no chão nas cantigas dos pequenos...

"O anel que tu me destes / era vidro e se quebrou / o amor que tu me tinhas / era pouco e se acabou"... A criançada aprende cedo que o amor é frágil, pode “se quebrar” e se acabar por qualquer coisinha…
"O cravo brigou com a rosa / debaixo de uma sacada / o cravo saiu ferido / e a rosa despedaçada / o cravo ficou doente / a rosa foi visitar / o cravo teve um desmaio / e a rosa pôs-se a chorar..." Tragédia pouca é bobagem, não é mesmo? Nem as flores escapam…
"Boi, boi, boi / Boi da cara preta / Pega esta criança / que tem medo de careta..."... Ah! Essa é espetacular!!! Imaginem que sono “tranquilo” tem a criança que adormece ouvindo que um boi com a cara preta vem lhe pegar?
ou então:
Essa aqui, então, é insuperável!!! Que tal ameaçar carinhosamente a criança cantando: "Dorme, neném/ Que a Cuca vem pegar..." Ora, faça-me o favor!!! Que bendito neném vai adormecer tranquilo sabendo que, a qualquer momento, a tal "Cuca" pode vir lhe pegar???



...
Argh!
Sinceramente, vou parar de pensar nelas para não enlouquecer...
Argh!
Sinceramente, vou parar de pensar nelas para não enlouquecer...
Uma primeira versão deste texto, de minha autoria, está postado emhttp://drepente30.blogspot.com/, onde escrevo como convidada aos domingos.
Caso desejo copiá-lo, sinta-se à vontade, porém peço a gentileza de que respeite a autoria e cite a fonte.
Grata.
Andréia B. Borba
Nenhum comentário:
Postar um comentário