Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)

26 de junho de 2012

Pentecostalismo - do espiritual ao místico



Eu tinha apenas dezoito anos quando me converti em uma igreja pentecostal. Como pentecostal passei a conviver com as manifestações do Espírito Santo ainda nos meus primeiros anos de minha fé. Fui ensinado que havia uma experiência pentecostal denominada de batismo no Espírito Santo e que a mesma era evidenciada pelo falar em línguas desconhecidas! Vi minha irmã mais velha testemunhar que quando o pastor orava por ela para a cura de uma enfermidade, ela fora cheia do Espírito Santo. Contou que assim que o pastor a tocou com o óleo da unção ela recebeu algo como uma descarga elétrica e passou a falar em uma linguagem desconhecida! Vi irmãs do círculo de oração da igreja profetizarem em diferentes situações.

Essas experiências aguçaram o meu desejo pelas coisas espirituais e impulsionaram a também querer o batismo pentecostal. Não muito tempo depois disso eu também fui cheio do Espírito Santo e falei em línguas desconhecidas. Algum tempo depois quando orava buscando a orientação de Deus para minha vida espiritual fui tomado pelo Espírito Santo e passei a falar em uma língua desconhecida. Fiquei totalmente absorvido naquela experiência. Pela primeira vez na minha vida eu interpretei aquilo que estivera falando em línguas. Naquela interpretação, o Senhor disse-me “Eu tenho uma aliança ministerial com você”. Oito anos depois daquela experiência eu fui designado como evangelista de tempo integral. Em uma outra ocasião eu estava participando de um retiro de carnaval com a minha esposa quando ela foi cheia do Espírito Santo passando a falar em uma linguagem desconhecida. Quando eu me aproximei dela e ouvi suas expressões em línguas o Senhor me deu a interpretação daquelas palavras: “A sua esposa é como a coluna de uma ponte em tua vida”. Para que eu não tivesse nenhuma dúvida que era Ele quem estava falando, um irmão que se encontrava distante e que não sabia do que estava ocorrendo naquele momento, se aproximou e disse: “O Senhor te manda dizer que a tua esposa é uma coluna na tua vida”. Hoje eu sei que aquelas palavras eram fieis e verdadeiras, pois a minha esposa é uma coluna forte em meu ministério!

As experiências passaram a acontecer de uma forma natural, mas não corriqueiras! Todavia nos momentos de conflitos espirituais sempre ouvi o Senhor me falar. Certa vez no meio de uma luta espiritual, quando já estava me dando por vencido, fui despertado na madrugada com uma voz chamando pelo meu nome. Eram aproximadamente quatro horas da madrugada! Levantando-me da cama e dirigindo-me para a cozinha senti como se alguém falasse no meu interior: “Eu quero falar com você”. Imediatamente percebi que as palavras “Salvou-se a nossa alma como um pássaro do laço dos passarinheiros. Quebrou-se o laço e nós nos vimos livres” (Sl 124.7), começaram a fluir na minha mente. Tão logo aquelas palavras do Salmo veio-me a mente, senti o Senhor falando no meu interior. Era como se alguém estivesse ao meu lado dizendo: “O laço foi quebrado, você está livre. Vá e faça a obra de teu Senhor”. A partir daquele momento a batalha estava ganha, o Senhor havia me dado a vitória!

Há muitas outras experiências pentecostais testemunhadas pelo povo pentecostal que são provas inequívocas da atuação dos Espírito Santo em nossos dias.

Aquilo era Eu!

John Wimber, por exemplo, um dos principais nomes do Movimento da Terceira Onda, conta que durante o seu ministério convidou um evangelista para ministrar em sua igreja. O evangelista se ateve ao texto bíblico durante o seu sermão de forma que nada de extraordinário aconteceu até o momento que ele fez uma oração final já no encerramento do culto. Wimber conta que tão logo o evangelista terminou a sua oração e quando ele abriu os olhos, ficou estupefato com a cena que presenciou – havia dezenas de pessoas caídas ao chão. Wimber narra que o evangelista não fizera nada de extraordinário muito menos havia induzido os presentes a experimentar aquilo. Temendo pela sua reputação, Wimber diz que não conseguiu dormir durante aquela noite de tal forma que as seis horas da manhã ele ainda estava acordado!. Foi naquele momento que ele recebeu um telefonema de um pastor amigo seu e que morava em um outro estado. O pastor limitou-se a dizer que havia sido despertado durante a noite com uma frase em mente e que possuía uma convicção interior que deveria dizer aquelas palavras a Wimber. Ele mesmo não sabia o sentido daquela frase, mas ele tinha certeza de que Wimber saberia. Após explicar os motivos que o levaram a ligar tão cedo para Wimber, o amigo reproduziu a frase que o Senhor mandara dizer a Wimber: “Aquilo era Eu”. Nesse momento Wimber conta que caiu o fardo da preocupação e passou a ter consciência da ação do Espírito Santo.[1]

Esse fato não deve servir de argumento para justificar bizarrices da teologia do “cai cai”, mas para mostrar como o Espírito Santo se move no meio pentecostal. Em um outro capítulo deste livro voltarei a escrever sobre o equilíbrio que se deve ter no exercício dos dons espirituais.

A luz que vem do alto!

Por outro lado, Jack Hayford, pastor da igreja do Evangelho Quadrangular nos Estados Unidos e escritor mundialmente conhecido, conta que certa vez fazia um vou ao lado de um executivo quando sentiu que o Senhor falava-lhe algo. Hayford percebeu o Espírito Santo orientando-lhe a se comunicar com aquele estranho em línguas desconhecidas. Para não parecer que estava sendo inconveniente e mesmo bobo, Hayford perguntou-lhe se ele se incomodava pelo fato dele lhe dirigir a palavra em uma outra língua. A resposta foi negativa. Foi então que Hayford passou a falar em sua língua desconhecida que costuma usar em sua vida devocional. Todavia ele tinha falado poucas palavras quando sentiu que os fonemas passaram a ser ditos em uma outra língua, diferente daquela que ele costumava falar na sua vida privada de oração. Querendo saber o resultado daquilo, Hayford perguntou ao executivo se ele havia entendido o que dissera naquela língua. A resposta foi positiva! O executivo afirmou que Hayford havia falado em uma língua pré-kaiwoa, língua dos seus antepassados indígenas, e que a tradução era: “Olhe para a luz que vem do alto!” Era daquela forma que os ancestrais indígenas daquele executivo se referiam a Deus! Quando o executivo tomou consciência de que Jack Hayford não conhecia aquele idioma, mas falara sob inspiração do Espírito Santo, passou a ouvir com atenção a mensagem do evangelho.[2]

Um profeta no nordeste brasileiro!

O pastor Rayfran Batista, escritor e pastor na Assembléia de Deus maranhense, contou-me que está escrevendo uma biografia do missionário João Jonas (1886-1965). João Jonas foi um missionário húngaro, que professava a fé ortodoxa grega e que chegou ao Brasil em 1932.[3] No estado do Pará, João Jonas se converteu a fé pentecostal, posteriormente indo trabalhar como missionário nos estados do Maranhão, Goiás, Piauí e Bahia. Em 1933 João Jonas foi envidado como evangelista para o estado do Maranhão e foi nesse estado que o pastor Rayfran Batista encontrou um crente de nome “Miguel”, ex-companheiro de João Jonas em suas andanças no Maranhão.

Pois bem, Miguel que à época que concedeu a entrevista ao pastor Rayfran já estava com mais de 90 anos, contou que na verdade serviu de guia para João Jonas nas trilhas maranhenses. Foi em uma viagem missionária que Miguel vivenciou algo que marcaria a sua vida para sempre. Disse que nessa época ainda era um jovem, mas que sofria com uma doença nas pernas e que quando a viagem era longa a dor se agravava. Em um desses dias somente João Jonas seguia montado em um animal e Miguel caminhava logo à frente. Miguel disse que começou a sentir dores nas pernas e somente em seus pensamentos começou a murmurar: “Eu que sou doente das pernas caminho a pé e esse missionário segue montado”. Bem não terminara de pensar aquelas palavras, Miguel conta que João Jonas parou o animal e chamou-o, dizendo em seguida: “Miguel pare de pensar besteira e murmurar! Para que você saiba que eu sou homem de Deus, assim diz o Senhor: nunca mais sentirás dores nas pernas”. Miguel foi imediatamente curado!O pastor Rayfran contou-me que Miguel ainda se emocionava quando narrava aquelas palavras e naquela ocasião, já com o peso de quase um século, começou a pular e saltitar, demonstrando assim que de fato que permanecia curado pelo Senhor!

Dons regulamentados!

São experiências como essas que fazem o pentecostes ser almejado. Os pentecostais são conhecidos pela ênfase que dão aos dons espirituais. O Pentecostes bíblico foi marcado pelas manifestações do Espírito Santo (At 2.1-17; 8.17.18; 10.44-46; 19.1-6). O Pentecostes é sobrenatural. Fenômenos como o falar em línguas desconhecidas, profecias e cura divina sempre fizeram parte dos fenômenos pentecostais. A igreja de Corinto, por exemplo, viveu um Pentecoste dinâmico a ponto do apóstolo sentir a necessidade de por regulamento no exercício dos dons espirituais. Nessa carta encontramos o apóstolo Paulo destinando dois capítulos ao ensino regulamentador dos dons espirituais e um discorrendo sobre a lei que os deve reger (1 Co 12-14). A regulamentação não tencionava apagar os dons, mas ensinar o seu uso correto! Isso se fez necessário porque se pode abusar dos dons espirituais da mesma forma que alguém abusa das coisas materiais.

Pentecostes para pentecostais!

Esse é o lado bonito da história, mostrando a verdadeira espiritualidade do Movimento Pentecostal, mas também há um lado feio! Aquele onde o pentecostalismo deixa de ser espiritual para se tornar místico! Donald Gee, antigo escritor pentecostal inglês, já demonstrava preocupação com os rumos que o pentecostalismo começava a ganhar nos seus dias. Em uma das suas obras ele já denunciava a superficialidade da experiência pentecostal denominando-a de “decepcionante”. O seu desejo era que “Deus conserve o pentecostes pentecostal”.[4]

De fato o pentecostalismo contemporâneo perdeu muito daquela fragrância espiritual primitiva, passando a exalar o mau-cheiro do misticismo religioso! As vezes quando vejo certos programas pentecostais exibidos na TV fico pensando se não estou assistindo a uma sessão espírita! Em outras ocasiões tenho a impressão que os pregadores leram muito sobre a igreja medieval e agora estão copiando literalmente suas práticas – apenas com uma ressalva: dizem que pertencem à fé evangélica. Martin N. Dreher destaca, por exemplo, que o culto durante o período medieval se tornou em extremo místico:

“Vendiam-se desde bolinhas da terra com a qual Adão fora feito até cera dos ouvidos e leite da Virgem Maria, estrume do burro do estábulo de Belém, fios de cabelo e da barba do Salvador. Mostrava-se inclusive, o prepúcio circuncidado de Jesus. Ao todo, existiam nada menos do que 13 exemplares do prepúcio de Jesus em toda a Europa”.[5]

Esse misticismo foi uma marca inequívoca que o cristianismo afastara-se da Palavra de Deus. A luta dos reformadores foi no sentido de que a Palavra de Deus voltasse a ocupar o seu lugar novamente. Eles observaram que esse distanciamento das práticas bíblicas produziu seus efeitos colaterais, atingindo em cheio a moralidade da igreja bem como a sua Teologia. Ulrich Zuínglio (1484-1531) atacou duramente os ritos e tradições medievais do catolicismo bem como a corrupção moral e doutrinária da igreja. O seu anseio era que a igreja voltasse à sua simplicidade como era vista no Novo Testamento. Lutero testemunhou que Zuínglio limpou a igreja do “lixo cerimonial” e das “bobagens”. Paulo Anglada observa que Zuínglio:

“Destruiu os altares, as imagens e pinturas dos santos, e retirou o órgão da igreja. Para ele tudo o que não fosse ensinado nas Escrituras deveria ser eliminado do culto, visto que tem a tendência de afastar as pessoas da verdadeira religião. “Se você deixar os ninhos das cegonhas onde estão”, preveniu Zuínglio, “elas certamente voltarão para eles”.[6]

Outono na Idade Média!

Johan Huizinga, um dos maiores historiadores sobre o período medieval, observa:

“Há uma necessidade irrestrita de dar forma a tudo o que é sagrado, de dar materialidade às idéias religiosas, de modo que elas sejam impressas no cérebro como uma gravura de traços bem marcados. Devido a essa tendência à expressão pictórica, o sagrado é continuamente exposto ao perigo de ser petrificado ou de se exteriorizar demais”. [7]

O pentecostalismo contemporâneo há muito materializou o sagrado, bem como o tornou em extremo exteriorizado. O pentecostalismo contemporâneo ressuscitou o misticismo medieval. Temos um pentecostalismo totalmente petrificado por símbolos e imagens que lançam o devoto em uma verdadeira adoração idolátrica! Dessa forma é possível usar a “estrela de Davi” como um símbolo ou imagem para se alcançar a prosperidade; pode-se usar a água do Rio Jordão; o cajado do Salmo 23; os lenços ou toalhas do apóstolo Paulo, etc. O objetivo é colocar o fiel em contato com algo palpável, material e sensível e dessa forma ter sua fé estimulada. A fé sem dúvida é estimulada, mas é uma fé idólatra!

Ao observar que a vida da cristandade medieval é, em todos os aspectos, permeada de imagens religiosas, Johan Huizinga destaca:

“Não há coisa ou ação em que não se procure estabelecer constantemente uma relação com Cristo e com a fé. De fato, tudo está orientado para uma concepção religiosa de todas as coisas, em uma espantosa propagação da fé. Mas nessa atmosfera saturada, a tensão religiosa, a idéia de transcendência, o abandono da materialidade podem não estar sempre presentes. Na ausência desses elementos, tudo o que se destinava a estimular a consciência de Deus é enrijecido numa banalidade profana, num surpreendente materialismo envolto em formas elevadas”.[8]

Não é de admirar, como observa Huizinga, que os reformadores do século XV se opusessem a essa sobrecarga da fé. A fé estava inchada! As relíquias dos “santos” transformaram-se em amuletos e a simples oração foi coisificada nos rosários. A superstição parecia ser a ordem do dia. Acreditava-se, por exemplo, que ninguém podia ter um derrame (AVC) ou ficar cego durante uma missa e muito menos envelhecer! Havia imagens cujas barrigas poderiam ser abertas para que se contemplasse a Trindade que estava dentro delas! Huizinga comenta que a vida estava tão saturada de religião que a distância entre o terreno e o espiritual ameaçava ser perdida a qualquer momento.

A lógica dessa fé medieval fundamentava-se no argumento de que se poderia venerar as imagens, relíquias e lugares sagrados desde que isso pudesse fazer o devoto entrar em contato com Deus. Essa sem dúvida alguma é a mesma lógica usada pelo pentecostalismo contemporâneo que encontra-se impregnado de símbolos cujo fim é estimular a fé dos fieis. Somente a Bíblia não é mais suficiente.

As coisas do Espírito de Deus!

Assim como alguém pode se exceder no uso das coisas materiais, da mesma forma se pode abusar das coisas espirituais. Não há duvida que hoje presenciamos um abuso das coisas espirituais. Na primeira carta de Paulo aos Coríntios observamos que o apóstolo procurou regulamentar o uso dos dons espirituais na igreja a fim que se evitasse esses excessos das coisas espirituais. De fato a palavra grega pneumatikos usada por Paulo em 1 Corintios 12.1, e que em nossas Bíblias aparece traduzida como dons espirituais, literalmente significa coisas espirituais. Paulo sabia que alguém pode fazer mau uso das coisas espirituais. Nos capítulos 12 a 14 encontramos alguns princípios que nos ajudam a corrigir isso.

1. Não devemos ser ignorantes quanto das coisas espirituais (1 Co 12.1).

Uma coisa é alguém ver as manifestações do Espírito Santo, outra é fazer mal uso das mesmas por desconhecer sua dinâmica. É exatamente aqui que o pentecostalismo contemporâneo peca. Uso textos isolados da Escritura para justificar práticas místicas com a alegação de que é para estimular a fé dos fiéis.

2. As coisas espirituais podem ser abusadas (1 Co 14.32)

Paulo diz que “o espírito do profeta está sujeito ao próprio profeta” (1 Co 14.32), isto é, podemos controlar as operações do Espírito que opera em nós ou podemos abusar delas. Não é que controlamos o Espírito Santo, mas o nosso espírito humano que está sob a influência do Espírito Santo.

3. As coisas espirituais devem ser buscadas com racionalidade e entendimento (1 Co 14.29,40).

Os dons são espirituais, mas as suas operações devem ser orientadas por nossa racionalidade. Deus não anula a nossa razão nem tampouco quer que mergulhemos num misticismo divorciado da sua Palavra. Devemos buscar o discernimento do Espírito nesta era onde o misticismo impera!


(Texto extraido do meu livro:Rastros de Fogo (CPAD 2012)

[1] WHITE, John. Quando o Espírito vem com Poder. ABU Editora.
[2] HAYFORD, Jack. A Beleza da Linguagem Espiritual. Editora Quadrangular.
[3] ARAUJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Editora CPAD.
[4] GEE, Donald. Depois do Pentecostes. Editora Vida
[5] DREHER, Martin N. A Bíblia – suas leituras e interpretações na história do cristianismo. Sinodal.
[6] ANGLADA, Paulo. Introdução à Hermenêutica Reformada. Editora Knox.
[7] HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média – estudo sobre as formas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV na França e nos países baixos. Ed Cosacnaify. 2010.
[8] Idem, pp.247, 248.


http://prjosegoncalves.blogspot.com.br/

Um comentário:

  1. MUITO INTERESSANTE. UM PENTECOSTAL CLASSICO GEUNINO POSSUI O EQUILIBRIO NECESSÁRIO PARA NÃO ESCANDALIZAR O EVANGELHO.

    ResponderExcluir