Rolf Sons
Muitos já ouviram falar da Reforma
de Zurique, e do seu fundador Ulrico Zuínglio. Muitos, porém, não sabem
que, ao mesmo tempo, ocorreu mais um movimento espiritual em Zurique e
que inicialmente Zuínglio o apoiava.
Trata-se dos chamados anabatistas. “Chamados” aqui é empregado
literalmente, porque eles na verdade, a princípio, não se chamavam
assim. Do mesmo modo, inicialmente os cristãos não se chamavam de
“cristãos”, mas eram assim denominados por outras pessoas (At 11.26).
A exemplo dos reformadores, esses anabatistas pretendiam renovar a
igreja. “Reformador” significa “renovador” e não fundador de igreja. No
entanto, como é notório, tudo aconteceu de maneira diferente. Também
aconteceu de modo diferente do que os anabatistas o imaginaram.
Assim como os reformadores, eles queriam trazer a desviada Igreja
Católica de volta ao evangelho. Um aspecto nesse sentido era o batismo.
Antes que o cristianismo se tornasse a igreja estatal romana, os
crentes não batizavam bebês. A Bíblia demonstra que o batismo está
vinculado à decisão consciente de seguir a Jesus – um bebê não consegue
tomar essa decisão. Os reformadores igualmente se preocupavam com essa
questão. Alguns afirmam, por exemplo, que o próprio Lutero estava muito
próximo de aceitar o batismo pela fé. No final, porém, ele permaneceu
adepto ao batismo infantil, assim como Zuínglio.
Assim, não demorou muito para que surgissem opiniões diferentes. Para
os reformadores, bem como para os católicos, os anabatistas praticavam o
“duplo batismo”, pois, na opinião deles, eles batizavam novamente as
pessoas. No entanto, nesse aspecto eles consideravam o batismo que
praticavam como o “correto”, porque o batismo de bebês para eles não era
considerado como batismo. Essa era uma diferença significativa diante
da maioria dos reformadores, mas de longe não era a única.
Com essa inovação, os anabatistas pretendiam avançar em diversas
áreas, mais do que Zuínglio, Lutero e os demais reformadores. Eles
pretendiam viver assim como Jesus viveu com seus discípulos e as
mulheres que o seguiam, e como os primeiros cristãos em Jerusalém.
Para os reformadores, bem como para os católicos, os anabatistas praticavam o “duplo batismo”, pois, na opinião deles, eles batizavam novamente as pessoas.
Outro tema dos anabatistas era a vida comunitária, com o uso comum de
bens. Isso significava ter tudo compartilhado ao invés de propriedades
privadas. Para a Igreja Católica Romana daquela época, isso representava
um grande desafio. Ela possuía muitas propriedades, como extensas áreas
de terra, por exemplo. Sim, ela era muitíssima rica e, como o jovem
rico da Bíblia, não queria se desfazer de sua riqueza. Os reformadores
não tinham as mesmas exigências; no entanto, eles também não queriam
abrir mão totalmente de posses em geral.
A riqueza e o poder a ela relacionada é uma grande tentação. Muitas
pessoas já foram vencidas por ela. Por isso, os anabatistas não queriam
cair nessa tentação e optaram conscientemente por um estilo de vida mais
simples e modesto. Para eles, ocupar um cargo ou uma posição de
liderança não era primordialmente uma posição de poder, mas de serviço,
como o Senhor falou: “O maior entre vocês deverá ser servo” (Mt 23.11).
Esse modo de pensar era fortemente contrário ao pensamento geralmente
aceito. Esse modo de vida e a declaração a seguir de Jesus conduziram à
seguinte conclusão:
“Meu reino não é deste mundo” – isso Jesus também havia falado. Por
isso os anabatistas pretendiam estabelecer uma estrita divisão entre
igreja e estado. Podemos observar que Jesus realmente transformou o
mundo, mas que para isso não utilizou a via política. Ele nunca se
envolveu em questões políticas polêmicas, nem mesmo na questão da
opressão exercida pelos romanos. Ele também não aceitou a provocação,
por exemplo, quando o assunto era o dos impostos: “... deem a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21), ele falou. O Senhor
agiu assim, mesmo sabendo que com o dinheiro desses impostos o domínio
dos romanos seria ainda mais fortalecido. Em minha opinião, pode-se
dizer que Jesus viveu separando a igreja do estado.
Os anabatistas pretendiam estabelecer uma estrita divisão entre igreja e estado.
A Igreja Católica, no entanto, tinha fortes pretensões de poder. Ela
se considerava como a instância mais elevada da terra. Por isso, o papa
era então a única pessoa que poderia coroar um rei.
Os reformadores não compartilhavam essas ideias de exercer o poder.
Eles, no entanto, procuravam trabalhar em conjunto com as autoridades
para, em caso de necessidade, aproveitar seu poder e força; também na
área militar – como podemos ver no exemplo de Zuínglio, com as guerras
de Kappel. Aqui chegamos a mais uma diferença em relação aos
anabatistas:
Jesus havia dito: “Amem os seus inimigos” (Mt 5.44). Não se ama o
inimigo matando-o. Os primeiros cristãos estavam muito conscientes
disso. Nos primeiros 200 anos, praticamente não se via nenhum cristão
ingressando nas forças armadas. Ao contrário, sabe-se de casos em que
cristãos daquela época foram martirizados porque se recusavam a servir
como soldados.
Somente após Constantino, o Grande, e o seu lema: “Com esse sinal
vencerás” (o sinal da cruz), o exército e o serviço militar passaram a
ser “socialmente aceitos” por muitos cristãos. Hoje poderíamos
questionar: será que os ensinamentos de Jesus mudaram? Os primeiros
cristãos estavam errados?
Com o passar dos séculos a igreja passou a se afastar mais e mais das
diversas doutrinas de fé da Bíblia. A Igreja Católica logo enriqueceu e
estava empenhada pelo poder. Com essa mentalidade de poder muitos
fundamentos bíblicos foram abandonados até que, na Idade Média, esses
posicionamentos errados ficaram evidentes. As pessoas então tornaram-se
dispostas a ouvir os renovadores que pretendiam eliminar esses
equívocos.
A ideia de não reagir dos anabatistas ainda continuava. Eles também
não queriam levar ninguém diante de um tribunal mundano. Paulo escreveu:
“Acaso não há entre vocês alguém suficientemente sábio para julgar uma
causa entre irmãos?” (1Co 6.5). Eles não consideravam esse versículo
somente em relação a irmãos, mas também de tal maneira que um cristão
não deveria procurar ser julgado por um juiz incrédulo.
Os anabatistas não reagem com violência quando são roubados, mesmo
que isso causasse a eles muito prejuízo durante a sua história. Quando
ouvi falar nisso pela primeira vez, pensei: “Não há como sobreviver duas
semanas nessas condições”. Nesse meio tempo, no entanto, descobri e
pude verificar pessoalmente que justamente os anabatistas nos EUA não
apenas sobrevivem nessas condições, mas se sentem muito bem. Isso é algo
notável, principalmente porque os EUA são conhecidos como um povo muito
rápido em acusar e levar outras pessoas a juízo.
Onde, então, temos nossa proteção? Em quem ou em que temos mais
confiança? Teríamos condições de sobreviver sem a proteção de soldados e
de armas?
No Antigo Testamento, Israel foi muitas vezes ameaçado por exércitos
poderosíssimos. Os israelitas então clamavam ao Senhor. E o que ele
fazia? Numa ocasião, ele enviou um anjo que, em uma noite, matou um
exército de 185.000 soldados (2Rs 19.35). Noutra ocasião, mediante a
interferência do Senhor os inimigos de Israel mataram-se entre si (2Cr
20). “Pois a batalha não é de vocês, mas de Deus” (2Cr 20.15). Nesses
casos, os israelitas nem precisaram lutar. E nós, ainda cremos que ele
faça isso hoje? Cremos que Deus faria isso por nós?
Hoje a maioria dos anabatistas “clássicos” vivem na América do Norte:
no Sul do Canadá e no Norte dos EUA. Após vários séculos de
perseguições sangrentas, encontraram a paz ali. Não sabemos a quantidade
exata deles. Sabe-se que são em torno de algumas centenas de milhares
os que mantiveram seu patrimônio de fé anabatista até os dias de hoje.
Hoje a maioria dos anabatistas “clássicos” vivem na América do Norte: no Sul do Canadá e no Norte dos EUA.
Na Europa, principalmente na Holanda, ainda há os menonitas, que
compõem um dos três ramos dos anabatistas, além dos huteritas e dos
amish. Muitos menonitas, porém, não vivem mais tão fielmente aos
princípios da fé herdada. Há algumas décadas, novamente surgiram dezenas
de igrejas com orientação anabatista. São os chamados “alemães-russos”:
Em seu extenso histórico de perseguições, os menonitas e os huteritas
praticantes do novo batismo se refugiaram também na Rússia, onde
Catarina, a Grande, prometeu a eles liberdade religiosa durante cem
anos. No século XIX, esse prazo venceu e o novo czar deu o prazo de dez
anos para que se tornassem como os russos. Assim, praticamente todos os
huteritas fugiram para a América do Norte. No entanto, grande parte dos
menonitas e outros imigrantes de origem alemã permaneceram na Rússia.
As pessoas do idioma alemão sofreram duramente sob o regime comunista
surgido posteriormente – e principalmente durante as duas guerras
mundiais. Assim, após 1989, centenas de milhares se mudaram para a
Alemanha e lá fundaram suas próprias igrejas, para que pudessem
continuar vivendo de acordo com a sua fé.
Hoje observamos alguns efeitos do pensamento anabatista nas seguintes áreas:
- A separação entre igreja e estado, já praticada há tempos, tem sua origem no acervo de ideias dos anabatistas. Eles praticaram essa separação desde o início.
- A ideia de fundar “igrejas livres” igualmente provém deles. Há uma placa fixada no prédio da primeira igreja livre, fundada em Zumikon, no século XVI. Ela lembra que ali foi fundada a primeira igreja livre da Suíça, e com ela o próprio conceito de igreja livre.
- O batismo de pessoas adultas. Muitas das atuais igrejas livres retornaram a essa maneira bíblica de batismo
E nós? Sim, qual é a nossa opinião sobre o pensamento dos
anabatistas? Estamos dispostos a reconsiderar as convicções da nossa fé?
Muitas igrejas não achavam e ainda não acham necessário fazê-lo. No
entanto, pode-se observar que, com o decorrer do tempo, acontecem
mudanças em cada igreja. Na maioria delas, porém, são mudanças que
afastam das doutrinas da fé bíblica.
Estamos dispostos a aceitar a exortação? Estamos dispostos a ser
examinados diante de toda a Palavra de Deus e a sermos reorientados por
ela?
https://www.chamada.com.br/mensagens/anabatistas.html
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