Jefté Alves de Assis
O prodigioso é algo buscado pelos
carismáticos. Isso é muito refletido em suas concentrações nos cultos
ou em reuniões. Via de regra, os milagres carismáticos são pintados por
uma série de características que são facilmente identificadas após
observar alguns de seus vários programas televisivos. Podemos citar
algumas delas: (1) associação direta ao milagreiro que geralmente é o
dono da igreja; (2) condicionados ao lugar da concentração; (3) são
registrados depois do prodígio; (4) os envolvidos em cura nunca são
reconhecidos posteriormente. No entanto, essas características dos
milagres são legítimas?
Devido ao seu caráter sobrenatural, é difícil englobar características próprias dos milagres enquanto fenômeno.36 Contudo,
as ocorrências dos milagres na Bíblia estão marcadas por uma série de
pontos em comuns. Visando a temática desta obra, daremos maior ênfase
nos milagres de cura, haja vista ser os que mais são alegados no meio
carismático.
Os milagres são realizados no mundo externo
Os milagres são passíveis de serem
notados e discriminados com um alto grau de certeza pelos sentidos do
corpo humano, como a visão, a audição e o tato. Como outrora foi
aludido, um termo usado na Bíblia para denominar milagres é “prodígio”,
que dá a entender um acontecimento que deixa as pessoas admiradas ou
perplexas. Certamente, dois casos que se enquadram bem aqui são os
episódios da restauração da filha do líder da sinagoga (Mc 5.41-42) e da
sarça ardente (Êx 3.1-14).
No meio carismático, os milagres são
interpretados individualmente. “Eu fui curado” ou “você recebeu a cura”,
são frases constantemente ouvidas. No entanto, na Bíblia, os milagres
não são interpretados com base numa experiência individual. Pelo
contrário, os milagres são vistos e constatados pelos sentidos.
Os milagres são imediatos
Não há qualquer caso em toda a Bíblia
que a realização de um milagre possa ter sido prorrogada para outro
tempo. Isso ganha valor quando aplicados à cura. O efeito da cura
milagrosa não era apenas rápido, mas instantâneo. Um exemplo disso é o
milagre do paralítico em Betesda (Jo 5.1-9). Após Jesus pronunciar a
frase “levanta-te, toma o teu leito e anda” (v. 8), João chama atenção
ao fato de que “imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito,
pôs-se a andar” (v. 9). Outro exemplo é o milagre realizado por Pedro,
na restauração de um coxo de nascença que ficava à porta do templo (At
3.1-10). Após Pedro ordenar que ele andasse, o texto diz que
“imediatamente os seus pés e tornozelos se firmaram; de um salto se pôs
em pé, passou a andar e entrou com eles no templo, saltando e louvando a
Deus” (v. 7-8). Ninguém foi pra casa com a promessa de ser curado,
tendo que esperar horas, dias ou meses para os efeitos do milagre
pudessem ser manifestos.37
As curas milagrosas são sempre bem-sucedidas e sem recaídas
O êxito dos milagres de Cristo e dos
apóstolos não dependia de qualquer que fosse a enfermidade (até mesmo a
morte) ou a circunstância (até mesmo enfermidades de nascença). Ademais,
“não há registro de alguém que tenha recebido o milagre e voltado à
condição antiga”.38 Milagres de cura eram sinônimos de curas permanentes.
Os milagres de cura são focalizados em doenças orgânicas
Nem Jesus Cristo nem os apóstolos nunca
curaram doenças funcionais, tais como dores de cabeça e cólicas. O que é
registrado nas Escrituras são curas de pessoas que eram cegas (Jo 9) e
aleijadas desde o nascimento (Jo 5), bem como um homem que tinha sua mão
ressequida (Mc 3). Igualmente, os apóstolos curaram um paralítico que
estava nesta condição desde o seu nascimento (At 3). O interesse estava
totalmente voltado para aquilo que é impossível de qualquer pessoa
operar por meio dos recursos naturais disponíveis. Aquilo que o médico
podia curar, Deus, em sua soberania, decidiu não curar, interrompendo o
uso dos meios.
Geralmente, os milagres protagonizados
pelos carismáticos são relacionados às manifestações psicossomáticas, ou
seja, manifestações que têm origem psíquica. A mente humana tem uma
influência incrível sobre o corpo. Estima-se que 80% das doenças têm
alguma relação com o estresse. Com base nessa relação mente-corpo,
estudos recentes têm comprovado a antiga ideia que tanto a doença quanto
a cura podem ocorrer em decorrência de alguma influência psíquica.
Diante disso, não há razão para qualquer surpresa de nossa parte, pois
foi a sabedoria divina que criou tal relação. Ademais, as Escrituras
asseveram que existe o efeito da mente sobre a saúde da pessoa (Pv
17.22). O que não se pode admitir é que melhoras de complicações
psicossomáticas sejam milagres como os carismáticos colocam, já que
causas naturais estão envolvidas. No efeito placebo, por exemplo, a
confiança numa mera pílula de açúcar causa estímulos na mente do
indivíduo a controlar a dor, chegando a ponto de curar algumas
enfermidades de ordem funcional. No entanto, curas psicossomáticas não
envolvem curas de doenças orgânicas, tal como a cegueira. Portanto, não é
sem razão que geralmente as “curas carismáticas” são caracterizadas por
temporárias.
Os milagres não eram necessariamente condicionados à fé
Os discípulos não tinham a fé que Cristo
poderia alimentar uma multidão de cinco mil pessoas (Lc 9.12-14);
apesar disso, sobraram. Houve ainda o caso em que um paralítico foi
curado não por sua fé, mas pela fé daqueles que o acompanhavam (Mc 2.5).
Ademais, existiram casos em que não havia como exigir fé, tais como as
ressurreições (Jo 11; Lc 7; Mt 9). Geisler observou bem que, dos 35
milagres de Jesus registrados nos Evangelhos, somente em 10 a fé do
agraciado é mencionada.39 Na realidade, em certos casos, a fé é o resultado do milagre, e não o contrário (Jo 2.9-11).40
Embora o texto não afirme, é de se esperar que nem todas as pessoas de
uma determinada região cressem em Jesus. Porém, os apóstolos curaram
todas as pessoas trazidas a eles em uma região (At 28.9).
As curas não ocorriam em cultos, mas eram públicos
A cura tem se tornado um elemento de
culto para os carismáticos. Em seus cultos sempre há o momento da cura.
No entanto, nas Escrituras, há somente uma única menção de cura
entrementes ao culto. Foi o caso da ressurreição do jovem Êutico por
parte do apóstolo Paulo (At 20.7-12). Tal procedimento não estava
programado no culto daqueles irmãos. Paulo não foi de prévio aviso para
aquele culto com a finalidade de operar milagres, mas de adorar a Deus.
Por sinal, Êutico não foi para o culto para morrer e ser ressuscitado. A
ocorrência desse milagre se deu devido às circunstâncias, e não por
causa do culto em si. Adicionado a esse fato, está claro que o culto foi
interrompido com a tragédia, tendo o seu andamento novamente quando
Paulo, “subindo de novo, partiu o pão, e comeu” – uma referência ao
elemento da ceia do Senhor (At 20.11).
Por outro lado, dentro de seus períodos,
os milagres foram, em muitas vezes, realizados às vistas dos duvidosos
ou dos incrédulos. Por diversas vezes, os mesmos ocorreram em meio às
plateias que eram naturalmente adversas a nova mensagem do Evangelho. Há
alguma razão para os carismáticos não operarem seus prodígios numa
universidade secular? De fato, os crentes não carecem de provas
que Jesus é o Cristo enviado por Deus, uma vez que eles já creem.
NOTAS:
- Devido a essa dificuldade, alguns defendem que não há possibilidade de destacar qualquer característica dos milagres, além da sua ocorrência inusitada. Gordon Clark, por exemplo, defende que não existe uma característica homogênea em todos os milagres, além de “que os milagres não são comuns e são maravilhosos”. CLARK, G. H. Milagres. In: TENNEY, Merril C. (Ed.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 277.
- Sobre esse ponto, é comum contra argumentar baseado no relato da cura do cego de Betsaida, visto que o mesmo ocorreu em dois momentos (Mc 8.23-25). No entanto, esse texto não dá base para isso por duas razões. Primeiramente, os dois momentos da cura foram inter-relacionados. Não é sem razão que, após o primeiro toque, Jesus perguntou se o cego estava vendo para, somente então, curá-lo definitivamente, sem perguntar mais nada. Em segundo lugar, como já foi destacado na primeira característica, os milagres de Jesus carregavam significados, e não meras demonstrações de poder sobrenatural. Ele queria falar sobre a cegueira espiritual das pessoas com relação a seu respeito (veja vs. 26-29).
- GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 573. Evidentemente, aqueles que foram ressuscitados morreram novamente. No entanto, isso não ocorreu devido o milagre ter sido anulado. A promessa de Deus é que somente haverá a ressurreição final e definitiva na segunda vinda de Cristo (1Co 15.52-53).
- GEISLER, 2002, p. 229.
- O texto de Mt 13.58 pode ser evocado para contrariar esse pensamento. No entanto, a passagem sinótica de Mc 6.5 tira qualquer dúvida que os milagres de Cristo eram condicionados à fé das pessoas.
Autor: Jefté Alves de Assis
Trecho extraído do ensaio O DESÍGNIO
REVELATÓRIO DE DEUS PARA OS FEITOS MILAGROSOS: Uma avaliação da doutrina
carismática da contemporaneidade da providência extraordinária.
http://monergismo.com/wp-content/uploads/designio-revelatorio-milagrosos_jefte.pdf
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