Por Luiz Sayão
Tenho falado e ensinado
em diversos ambientes eclesiásticos e teológicos: batista, luterano,
presbiteriano, metodista, pentecostal, assembleiano, quadrangular, etc. Hoje
em dia, percebo que há uma abertura geral em quase todas as igrejas
para ouvir idéias doutrinárias e teológicas diferentes. Até
mesmo as editoras evangélicas têm publicado livros das mais variadas
correntes teológicas. No final das contas, a abertura é tão grande que
há pouco exame e discernimento do que está à disposição. Algumas
editoras chegam até a ter uma linha contraditória. Quando há algum
distanciamento entre alguns grupos evangélicos, isso ocorre por razões
de outra natureza e não teológica. É mais uma demarcação de território
do que uma discussão de ideias.
A verdade é que no
Brasil os contornos teológicos são flácidos, o problema maior, porém, é a
fragilidade teológica. Sem conhecimento de filosofia, história, línguas
originais, exegese e teologia propriamente dita não é possível fazer
teologia de verdade. Infelizmente o que acontece é uma transposição
direta de modelos teológicos norte-americanos (conservadores e liberais)
e europeus (principalmente alemães). Eu diria que há uma teologia
nacional incipiente, que ainda não se cristalizou nem adquiriu forma.
Todavia, o movimento é crescente, e creio que chegará a bons resultados.
Para que isso aconteça é preciso aproximar a igreja da teologia: nosso
povo precisa pensar mais. Outro problema é que muita gente toma decisões
teológicas por reação emocional e não por consciência e aprofundamento;
cresce o número de pastores que só é contra alguma coisa, sem saber o que ele mesmo é.
Na reflexão teológica
não pode haver limites para questionamento e argumentação. Não há como
fazer ciência ou teologia com policiamento. A tarefa é árdua.
Infelizmente, há em muitos setores o pressuposto obscurantista ou
agnóstico de que pensar teologicamente não tem
valor; para tais pessoas, o importante é sermos apenas superficialmente
amigáveis. É a teologia do “deixa disso”, ou o desprezo da teologia.
Além disso encontramos também muita teologia malfeita: quem a faz nem
percebe as contradições internas do sistema. Um capítulo da teologia
malfeita é a teologia mal intencionada, ou seja, a teologia controlada
por uma agenda. É o caso de uma teologia política, os direitistas por
exemplo nunca criticam os EUA e seus erros absurdos, já os esquerdistas
nunca criticam Cuba e os crimes de regimes marxistas. É um dado viciado!
Somente uma discussão franca e aberta pode ajudar o necessário ajuste
de ideias.
No meio de toda esta confusão uma tendência teológica preocupante e problemática surgiu nos EUA e já influencia o Brasil. A raiz está no que é chamado de teologia do processo. O
movimento começou a ter força nos EUA nos anos 30. Seus principais
representantes são Charles Hartshorne, Alfred Whitehead e John Cobb. Em
resumo é “o elogio do movimento”.
Esses teólogos
enfatizaram que a realidade é um fluxo permanente, e que o próprio Deus
está inserido neste fluxo; acabaram adotando uma perspectiva panenteísta
(Deus se confunde com a natureza, ainda que seja maior do que ela),
afastando-se da teologia cristã histórica. Portanto, a ideia deles é que
Deus é um ser mutável e que está num processo evolutivo. Essa teologia
influenciou muitos pensadores, inclusive judeus. Merecem destaque o
popular Rabino Harold Kushner (autor de Por que coisas más acontecem a pessoas boas, e até certo ponto, Abraham Heschel. Na
busca de uma refutação de uma metafísica estática, a teologia do
processo define como categoria absoluta o fluxo do tempo. Deus está
subordinado a ele, e deixa de ser Deus no sentido bíblico do termo. É
uma teologia bem liberal.
Filho da teologia do processo, surge depois o movimento do teísmo aberto.
Foi um reflexo da teologia do processo no meio protestante americano.
Começou no meio adventista com Richard Rice, e tem como principais
defensores teólogos americanos como John Sanders e Clark Pinnock, que
foram muito questionados e quase excluídos da Evangelical Theological Society.
O teísmo aberto representa forte reação exagerada contra o calvinismo. A
ideia básica desses teólogos americanos é que Deus decidiu abrir mão de
sua soberania e da sua onisciência e resolveu não saber e controlar o
futuro. Em resumo, Deus “abriu mão de ser Deus”. Na verdade, eles
rejeitam a teologia histórica evangélica e ignoram centenas de textos
bíblicos que afirmam atributos essenciais de Deus (Sl 139). Por incrível
que pareça, o intuito original das duas tendências teológicas era
positivo. A ideia original era resolver o problema do mal. Como Deus
pode ser considerado bom diante de tanta maldade do mundo? O interesse
desses teólogos era “livrar” Deus de ser responsabilizado pelo
sofrimento que há no mundo. No entanto, o resultado foi catastrófico e
trouxe mais problemas do que soluções. A solução simples foi: “Deus
precisa deixar de ser Deus, tornando-se menos onipotente e onisciente
para que não seja responsabilizado pelo sofrimento do mundo”. Essa
teologia americana, “prática” e “simples”, e superficial, é na verdade
uma teologia radical, polarizada, que ignora a dialética hebraica
bíblica e que desconhece a realidade do mistério.
Como gosto de dizer:
Precisamos evitar “a teologia do saci-pererê” (a teologia de uma “perna
só”, de uma tendência só, radical). É preciso fugir dos radicalismos:
Uns dizem que Deus é só razão, outros afirmam que ele é só emoção. Uns
insistem que Deus faz tudo, anulando a ação do ser humano, outros
afirmam que Deus não pode fazer nada sem nossa autorização (nós é que
decidimos … e ainda chamam Deus de Senhor!!!). Uns
preferem um Deus mais coletivo, sociológico; outros afirmam que ele é o
Deus individual. Há quem veja Deus como inserido na realidade concreta
do mundo; outros o colocam no “milésimo céu”, em sua espiritualidade e
distância absolutas. A verdade é que toda teologia radical terá sérios
problemas e graves consequências. Devemos entender que “duas paralelas
só se encontram no infinito”, que toda moeda “tem duas faces” e que a
realidade é mais dialética ou “poli-alética”. Na Bíblia, há tensões com
as quais precisamos conviver. Se cairmos para um extremo, logo
adotaremos uma heresia.
Uma teologia equilibrada trará muitos benefícios para todos:
Em primeiro lugar,
seremos mais humildes em nossa afirmação de “conhecimento do sagrado”.
Em segundo lugar, aprenderemos a separar questões fundamentais de
problemas irrelevantes e pouco importantes. Em terceiro lugar,
desenvolveremos uma tolerância e um senso fraternidade e amor cristãos
indispensáveis.
A verdade é que
precisamos amadurecer nesta direção, pois a igreja brasileira tem mais
condições culturais de elaborar uma teologia menos radical do que a
teologia da maioria do chamado “primeiro mundo”. Devemos fugir da
teologia do saci-pererê, evitando que nossas igrejas saiam por aí,
pulando de uma perna só, caindo em bobagens teológicas como o “teísmo
aberto”.
Luiz Sayão
http://www.prazerdapalavra.com.br/colunistas/luiz-sayao/2874-cuidado-as-novidades-malucas-da-teologia-estao-por-ai-luiz-sayao.html
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