Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)

23 de abril de 2018

A Igreja da Reforma que precisa de reforma


A igreja precisa ser tolerante, viva, intensa, altruísta e apaixonada,
além de doutrinariamente firme e portadora da verdade de Deus Foto: Pixabay


Luiz Sayão


A Reforma sempre afirmou uma igreja sempre se reformando; por isso, ela deve continuar
A Reforma Protestante completa 500 anos em outubro de 2017. A história da Europa e do mundo ocidental foi profundamente impactada por esse grande movimento religioso. As mudanças sociais, culturais, econômicas, teológicas e espirituais decorrentes do Protestantismo reescreveram a trajetória de diversos povos e lhes conferiu nova identidade. A história ficará marcada pela reforma luterana, anglicana, calvinista e anabatista. As raízes bíblicas da fé cristã primeira moldaram muito da civilização ocidental e a reconfiguraram na Reforma Protestante, especialmente entre os séculos 15 e 16.

Os contornos filosóficos e teológicos do fim da Idade Média exigiam uma releitura da cristandade europeia a partir das origens. Os reformadores, num momento histórico delicado, esboçaram uma caminhada em direção ao cristianismo primitivo, à busca da exegese dos textos bíblicos originais. Rompendo com a tradição católica medieval e o domínio do latim, tiveram de pesquisar o texto bíblico muito além da Vulgata Latina, buscando o mais próximo do original possível. O estudo do Novo Testamento Grego e da Bíblia Hebraica acabaram adquirindo prioridade na tradição protestante desde o início. De fato, a Reforma Protestante representou um retorno à Bíblia. Sola Scriptura foi o grito de Lutero, acompanhado por Calvino, Zuínglio e outras referências da grande reforma religiosa. Essa herança construiu história, principalmente na Europa Central e Setentrional, mas também na América do Norte, e mais recentemente no Brasil e na América Hispânica, fazendo-se também presente na África e na Ásia.

No entanto, o retorno à Bíblia teve significado muito além do religioso. Na verdade, representou um deslocamento de autoridade e uma libertação do indivíduo. As Escrituras tornam-se livro aberto, que podem ser examinadas por todos e devem ser entendidas pelo estudo sistemático. A autoridade do Livro abriu caminho para a hermenêutica, para a liberdade de exame e de consciência, para a educação de todos e para a ciência e o progresso. O sacerdócio universal de todos os crentes estabeleceu a igualdade entre as pessoas, definiu valores que impulsionaram a democracia. Sem a Reforma, a Europa não seria Europa, o Ocidente não seria o Ocidente.

Todavia, a Reforma não foi exatamente um movimento. Foi na realidade uma decorrência de busca de respostas no âmbito teológico, moral, social e econômico do fim da Idade Média. Desde Pedro Valdo (século 12), Jerônimo Savonarola, Jan Huss, até Lutero, Calvino e Zuínglio, temos uma trajetória de diversas demandas de contextos distintos que conduziu uma série de movimentos de mudanças na mesma direção. Era um clamor geral. A resposta encontrada foi o retorno às Escrituras para reescrever a espiritualidade europeia e sua sociedade. Mas, essa não é uma proposta estática. A Reforma sempre afirmou uma igreja sempre reformanda. Ela deve continuar.

Nosso ambiente ocidental tem hoje outra realidade. Há um cenário pós-iluminista, existencialista e secular. É o mundo pós-moderno. Não há referências, e o relativismo impera. A cristandade é vista com desconfiança. É um mundo completamente distinto e novo.

Nossa tradição reformada construiu sua teologia e seu modus operandi no ambiente da modernidade, fundamentada na razão cartesiana. No entanto, o pensamento filosófico contemporâneo reorganizou o nosso mundo. Trata-se de uma realidade pluralista e marcada pela experiência que dá significado à existência. Não é mais o mundo monoteísta racional. A clássica religião proposicional deu lugar ao ambiente da narrativa mística (O sucesso de A Cabana!). A verdade, antes sistemática e aristotélica, elaborada em um ambiente europeu, agora é global e principalmente fluida. A máxima cartesiana, do cogito, ergo sum, na qual a verdade racional é descoberta pelo indivíduo, perde espaço para um mundo intersubjetivo, no qual a verdade é a preferência da comunidade. Que tremendo desafio! Que caminho seguir?

A sabedoria das Escrituras é fascinante. A Bíblia não é um livro medieval ou moderno. Nem é pós-moderno. Mas, sua amplitude e sua exposição das palavras divinas apresentam um texto capaz de dialogar, interagir e alcançar qualquer sociedade e cultura. Por isso, precisamos com urgência retornar nossa atenção para as Escrituras outra vez. Deixando nosso enfoque limitado moderno e racionalista de apresentar o Evangelho, precisamos fazer com que o texto bíblico, a partir de sua própria mensagem, venha impactar o homem pós-moderno secularizado.

A igreja precisa ser tolerante, viva, intensa, altruísta e apaixonada, além de doutrinariamente firme e portadora da verdade de Deus. Que Deus nos abençoe nesta grande missão.



Luiz Sayão é professor em seminários no Brasil e nos Estados Unidos, escritor, linguista e mestre em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).



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