Richard Emmons
Alguma vez você já se perguntou se foi
você mesmo quem tomou aquela importante decisão de receber a Cristo em
sua vida ou se foi Deus quem a tomou por você? Já chegou a questionar se
realmente tem “liberdade” de escolha para decidir por si mesmo ou se
Deus já determinou todas as coisas a seu respeito? Se a sua resposta for
afirmativa, é sinal de que você já experimentou a tensão que deu origem
ao Teísmo Aberto – uma perspectiva teológica relativamente nova que
amplia o alcance do livre-arbítrio humano e alega que Deus não conhece o
futuro.
Concebido em 1980 (com a publicação do livro de Richard Rice, intitulado The Openness of God
[A Abertura de Deus]) o Teísmo Aberto surgiu no cenário teológico
evangélico nos idos de 1990, chegando ao centro desse palco no ano de
1994 com a publicação do livro The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God [A Abertura de Deus: Um Desafio Bíblico à Concepção Tradicional de Deus].[1]
Clark Pinnock, um dos autores dessa última obra referida, adere ao
Teísmo Aberto “porque [Deus] concede liberdade às Suas criaturas,
alegra-se em aceitar o futuro como uma realidade aberta, não fechada, e
em manter um relacionamento dinâmico com o mundo, não estático”.[2]
Entretanto, será que tal “abertura” é bíblica?
O contexto histórico
Há centenas de anos as pessoas lutam com dois ensinos da Bíblia
aparentemente incompatíveis entre si: a determinação global e onisciente
[por parte de Deus] de tudo o que acontece em Sua criação (denominada
“providência” ou “presciência”) e a liberdade e responsabilidade humanas
de escolher seu próprio caminho (chamada de “livre-arbítrio”). Essa
antinomia bíblica apresenta a soberania divina e a responsabilidade
humana numa situação de convivência mútua. Entretanto, o raciocínio
humano procura solucionar a situação com a exclusão de uma delas.
As Escrituras Sagradas descrevem Deus como Criador absolutamente soberano e onisciente “que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade [...] para louvor da sua glória” (Ef 1.11-12)
e para o próprio bem dEle e de Suas criaturas. Aqueles que dão ênfase a
esses elementos, normalmente identificam-se com o reformador
protestante francês João Calvino (1509-1564).
João Calvino (1509-1564).
Contudo, as Escrituras também descrevem a responsabilidade humana: “Porque
Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João
3.16). Conseqüentemente, outros crêem que a visão determinista do
Criador e de Seu cosmos diminui a responsabilidade do ser humano e a
importância da glória de Deus. Tais pessoas têm uma inclinação para o
que entendem ser uma posição mais justa, que enfatiza a natureza
autônoma das escolhas humanas. Elas se identificam com o teólogo
holandês Jacobus Arminius (1560-1609).
O Teísmo Aberto é uma tentativa recente de se encontrar um meio-termo aceitável.
Os argumentos
Clark Pinnock alega que o Teísmo Aberto é necessário para que as
criaturas de Deus sejam expressivamente agentes pessoais livres. Essa abertura
significa que Deus não determina, aliás, Ele nem mesmo sabe um
resultado ou desdobramento futuro até que os agentes pessoais livres
façam suas escolhas. Ao advogar tal abertura como a melhor solução para a
tensão da soberania divina versus a responsabilidade humana, Gregory
Boyd considera “a abertura de Deus quanto ao futuro como um dos seus
atributos de grandeza”, porque, “um Deus que [...] tem a disposição de
se comprometer com um determinado elemento de risco é mais sublime do
que um Deus que contempla um futuro eternamente estabelecido”.[3]
Boyd insiste na idéia de que a abertura não diminui a presciência de
Deus; pelo contrário, uma vez que as ações futuras dos agentes pessoais
livres ainda não aconteceram, não existe nada nesse domínio que Deus
tenha de saber.[4]
Entretanto, o Teísmo Aberto se apresenta como uma séria ameaça à
concepção bíblica de Deus, o Deus que conhece todas as coisas – reais e
possíveis – sem nenhum esforço e igualmente bem. O assunto dessa
controvérsia, em vez de ser periférico e incidental, é, de fato,
fundamental e danoso para a teologia evangélica.
Bruce Ware, um opositor do Teísmo Aberto, escreveu:
Nossa concepção da providência de Deus exercerá obrigatoriamente uma
influência sobre o cotidiano da vida e prática cristã de inúmeras
maneiras [...] cometer um erro aqui, é criar milhares de problemas,
tanto teológicos quanto práticos.[5]
O Teísmo Clássico (posição na qual cremos) ensina que a onisciência
soberana de Deus, de onde se origina Sua presciência, prepondera sobre a
liberdade humana; essa natureza de Deus não pode ser menosprezada por
uma ênfase exagerada na responsabilidade do ser humano. O fato de que a
perspectiva tradicional de Deus, por vezes, é mal expressada ou
ridiculariza Deus como “um monarca altivo alheio às contingências do
mundo, imutável em todos os aspectos do seu ser [...] um poder
irresistível que determina tudo, ciente de tudo o que vai acontecer e
que nunca corre riscos”,[6] não quer dizer que o evangelicalismo
clássico ignore as tensões geradas pela revelação bíblica.
O Teísmo Aberto não soluciona esse problema da antinomia bíblica. Ele
simplesmente remete a discussão para um outro ponto do espectro. A
questão agora, passa a ser a seguinte: o que constitui uma livre ação
futura em contraste com uma futura ação que não seja livre (i.e.,
determinada)?
De acordo com o teísta aberto William Hasker, “um agente é livre no
que se refere a uma certa ação em dado momento, se naquele momento
estiver no poder do agente a capacidade de realizar tal ação e também a
capacidade de abster-se dela”.[7]
Entretanto, os teístas abertos adotam um conceito de liberdade humana
inadequado que chega a ser quase libertário. John Frame, em seu livro No Other God [Não há Outro Deus], explica:
Os defensores do livre-arbítrio [i.e., os libertários] afirmam que só
podemos ser considerados responsáveis por nossas ações se tivermos esse
tipo de liberdade radical. O princípio no qual se baseiam é bastante
simples: se nossas decisões são induzidas por qualquer coisa ou qualquer
pessoa (inclusive nossos próprios desejos), não se pode dizer que são
decisões genuinamente nossas e, portanto, não podemos ser considerados
responsáveis por elas.[8]
Na realidade, somente Deus é verdadeiramente livre. A liberdade
humana é relativa. Em última análise, o relacionamento da soberania e
presciência divinas com a liberdade e responsabilidade humanas está
muito além do alcance da compreensão das criaturas (humanas e
angelicais). Uma vez que a liberdade das criaturas é obviamente limitada
(por exemplo, pela força da gravidade), é mais correto admitir a
existência dessa antinomia, exaltar o caráter de Deus e permitir que a
autonomia humana seja reduzida até enquadrar-se na responsabilidade
biblicamente ordenada.
Os perigos
1. O Teísmo Aberto menospreza a glória divina
Na realidade, somente Deus é verdadeiramente livre. A liberdade humana é relativa.
Em última análise, o relacionamento da soberania e presciência
divinas com a liberdade e responsabilidade humanas está muito além do
alcance da compreensão das criaturas (humanas e angelicais).
O Teísmo Aberto dá crédito à criatividade e à desenvoltura de Deus
quando Ele consegue “instigar” os agentes morais livres a agirem de
conformidade com os planos e caminhos dEle.
Ao perguntar-se acerca do que acontece “quando o índice de sucesso de
Deus diminui”, Ware menciona que os teístas abertos reconhecem que “a
liberdade possibilita que males horríveis e despropositais venham a
acontecer. Embora Deus tente evitar tal sofrimento horrível, dizem eles,
há muitas ocasiões em que Ele, simplesmente, não consegue evitá-lo”.
Nesse caso, Deus tem que assumir a responsabilidade pelo fracasso de
Seus planos.
Em lugar de um Deus temível que controla e dirige tudo o que acontece
sem o mínimo esforço, temos que abrir espaço para um Deus que trabalha
fazendo horas extras para se manter à frente de todas as livres decisões
morais, previamente desconhecidas e inexistentes, tomadas a cada
instante de cada dia.
2. O Teísmo Aberto menospreza a esperança humana
A partir de tal perspectiva, o nosso precioso versículo bíblico de
Romanos 8.28, deve ser lido da seguinte maneira: “a maioria das coisas
coopera para o bem, desde que Deus consiga instigar as pessoas ao meu
redor”, em vez de “sabemos que todas as coisas cooperam [i.e. que Deus leva todas as coisas a cooperarem] para o bem daqueles que amam a Deus”.
Não teremos mais condição de dizer, como declarou José a seus irmãos: “Vós,
na verdade, intentastes o mal contra mim, porém Deus o tornou em bem,
para fazer como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn
50.20).
Se Deus consegue apenas resultados parciais na concretização de Seus
propósitos, como afirmam os teístas abertos, então Ele talvez não seja
bem sucedido no cumprimento de Seus propósitos para a minha vida. Porém,
o apóstolo Paulo afirmou exatamente o contrário: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).
Se Deus consegue
apenas resultados parciais na concretização de Seus propósitos,
como afirmam os
teístas abertos, então Ele talvez não seja bem sucedido no
cumprimento de Seus
propósitos para a minha vida.
Ao invés de ter um Deus que não conhece aquilo que ainda está por
acontecer, é confortador, e até mesmo um tanto assombroso, saber que “...não
há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário,
todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem
temos de prestar contas” (Hb 4.13).
3. O Teísmo Aberto menospreza a confiabilidade profética
Lá se foi o amor pela Palavra de Deus e por Suas promessas referentes
ao futuro, as quais amamos ler e considerar. Um crítico do Teísmo
Aberto disse: “imagine só o compositor do hino tentando animar os
desvalidos com estas palavras: “Não sei o que de mal ou bem é destinado a
mim [...] mas eu sei em quem tenho crido, o qual também não conhece o
meu futuro”.
4. O Teísmo Aberto menospreza o futuro de Israel
Após rebelar-se por repetidas vezes e frustrar o plano de Deus para
ela, será que a nação de Israel ainda poderia ter um restinho de
esperança de que Deus cumprirá as promessas que lhe fez? Ter-se-ia que
reconhecer o fracasso de Deus em Sua criatividade e poder de persuasão
no passado e perder as esperanças na competência de Deus quanto ao
futuro.
A conclusão inevitável a que tal pensamento leva é que a posse da
Terra de Israel é uma questão de quem se apoderar dela, visto que Deus
não conhece o futuro, nem predeterminou o resultado final.
Por outro lado, Paulo declara que a atual condição de Israel faz
parte de um inescrutável plano de Deus para a Sua própria glória: “Assim,
pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
misericórdia [...] Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz” (Rm 9.16,18).
O Teísmo Aberto é uma tentativa de modelar uma forma mais conveniente
de liberdade humana, à custa da concepção de Deus ensinada no Teísmo
Clássico. Todavia, em seu desdobramento final, menospreza a glória de
Deus para exaltar a liberdade do homem. É um esforço de produzir a
conclusão final acerca de uma antinomia bíblica que está muito além da
compreensão das criaturas. E, nesse intento, o Teísmo Aberto prejudica a
confiança do crente tanto na providência benigna de Deus, quanto em Sua
Palavra profética.
(Richard Emmons - Israel My Glory - http://www.chamada.com.br)
Notas:
- Ware, Bruce A. God’s Lesser Glory: The diminished God of Open Theism. Wheaton, IL: Crossway Books, 2000, p. 31.
- Pinnock, Clark. “Systematic Theology” publicado na obra The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God, da autoria de Clark Pinnock, Richard Rice, John Sanders, William Hasker e David Basinger. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1994, p. 103-4.
- Boyd, Gregory A. God of the Possible, Grand Rapids, MI: Baker Books, 2000, p. 14-5.
- Ibid., p. 16-7.
- Ware, p. 13.
- Pinnock, p. 103.
- Hasker, William. “A Philosophical Perspective”, publicado na obra The Openness of God, p. 136-7.
- Frame, John M. No Other God: A Response to Open Theism, Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2001, p. 121.
Extraído de Revista Chamada da Meia-Noite julho de 2006
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