Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)

17 de outubro de 2015

O que significa "amar meu inimigo"?

 
*Atenção, este é um post de conteúdo forte. Impróprio para cristãos imaturos.

É chocante como muitos cristãos, que verdadeiramente temem a Deus e afirmam a Escritura como regra de fé, podem ter um conceito tão raso do amor de Deus e do amor que devemos ter para com o próximo. Eles parecem fundamentar suas vidas muito mais em jargões populares do que na própria Bíblia. Por isso, já não me espanto em demasia quando digo algo sobre Deus e os olhares dos interlocutores se voltam a mim arregalados, trazendo um ar de repúdio e condenação. Porém, se eles parassem alguns minutos para exercer seu raciocínio, talvez percebessem a arenosidade do terreno sobre o qual edificam sua teologia.

Um bom exemplo, que ilustra o tipo de situação descrito, pode ser dado com o tema do amor cristão. Todos sabemos que devemos amar nossos inimigos. Todos, em situações diversas de hostilidade, prontamente afirmam que o dever do cristão é amar aquele que lhe aflige de alguma maneira. De imediato, alguém surrupia alguma sentença do famoso sermão do monte (um dos mais mal compreendidos da história) e a lança na conversa, altivo, feliz por trazer à pauta as expressões verbais dos maravilhosos oráculos de Deus. Ninguém, contudo, se pergunta o que significa "amar o inimigo"! A maioria simplesmente supõe que o amor pelos inimigos requerido de nós é o mesmo amor definido e conceituado por nós mesmos: não raro, explicado como um sentimento dócil ou um espírito de concordância e pacificidade para com o ímpio. Porém, com que autoridade tais cristãos presumem que devamos aceitar a SUA definição de amor? Por que deveríamos simplesmente conceber o "amor aos inimigos" segundo as definições estipuladas pela mente deles, em detrimento da mente de Deus?

Ora, é claro que não devemos fazer isso. Antes, devemos buscar na Palavra de Deus as definições para Suas próprias Palavras. Seria um absurdo eu dizer que me sujeito à Escritura como Palavra de Deus ao mesmo tempo em que defino os seus termos a partir de fontes externas. Isso seria algo semelhante a um estupro da Bíblia e a consequência seria a formulação de ensinos falsos e mentirosos. Paulo diz que aqueles que expõem a Palavra de Deus precisam fazê-lo segundo a "medida da fé" (Rm 12.6). Neste caso, "medida" significa "parâmetro"; e "fé" significa "corpo de doutrinas" (cf. Jd 3, que traz o mesmo sentido). Logo, falar ou pensar sobre a Bíblia segundo a medida da fé é apenas uma outra forma de dizer que, ao considerarmos qualquer palavra, trecho ou doutrina das Escrituras, devemos fazê-lo considerando a totalidade das Escrituras. Assim, a Bíblia deve interpretar a própria Bíblia e qualquer palavra dentro das Escrituras deve ser definida e compreendida pela própria Palavra de Deus.

Com isso em mente, analisemos o texto de Mt 5.44, um dos geralmente recrutados para apregoar o dever cristão de ter "bons sentimentos" para com o ímpio. Jesus diz: "Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem". O que significa isso? A Bíblia responde: "para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos" (v. 45). Repare em algo aqui: a Bíblia, neste contexto, chama de "filhos de Deus" aqueles que agem como seu Pai, e depois diz o que Pai faz: Ele endereça cuidados para com os maus e injustos; Ele toma ações práticas de benignidade para com eles. E repare ainda que Deus não deixou de considerá-los como maus e injustos. Aos olhos de Deus, eles não são "bonzinhos que estão no caminho errado" ou criaturas dignas de serem amadas. Eles continuam maus e injustos. Há uma nítida separação entre aqueles que são bons e justos e os que são maus e injustos. E, visto que na perspectiva bíblica, "bons e justos" nunca significa "sem pecado", segue-se que ambas as classes que recebem o cuidado de Deus são pecadores. O que caracteriza um grupo em detrimento de outro tem a ver com a perspectiva de Deus sobre eles, e não com os seus méritos. Mesmo assim, Deus "ama" seus inimigos promovendo cuidado para com eles, outorgando-lhes ações benéficas: "... Ele faz nascer o seu sol sobre maus [...] e faz chover sobre injustos". Ambas as ações designam o cuidado providencial de Deus.

Vamos à passagem paralela em Lc 6.27,28: "Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam. Bendizei aos que vos maldizem e orai pelos que vos caluniam". Observe como a definição do amor ao inimigo nada tem a ver com qualquer tipo de sentimento a ser nutrido por ele; nada tem a ver com qualquer tipo de empatia a ser cultivada para com ele; e nada tem a ver com sensações dóceis sobre ele. Ao contrário, o "amar os inimigos" significa não retribuir a maldade deles com o mal, ao contrário, denota outorgar-lhes um cuidado prático individual (o que nada tem a ver com a necessidade de buscar a justiça por meios legais, algo bom e recomendado). É preciso "fazer o bem aos que nos odeiam".

Essas conclusões são particularmente interessantes para aqueles cristãos que tiveram suas vidas destruídas por homens maus. Imagine um crente que teve sua esposa estuprada por um marginal que, ao ser inquirido, não demonstrou remorso algum pelo que fez - talvez até exibindo um certo orgulho malévolo! Como nutrir sentimentos amáveis por um ser bestial como esse?! Imagine uma mãe cristã que teve seu filho assassinado por bandidos. Como amar esses inimigos pelos parâmetros populares de "amor cristão"?! Imagine um cristão temente a Deus e cheio do Espírito Santo convivendo rotineiramente com um ateu militante cuja cosmovisão distingue-se da sua em cada mínimo aspecto e, portanto, prega a relativização da moral, a restrição da liberdade humana e a secularização de todas as instituições. Como amá-lo?! Que tipo de concordância pode haver entre eles?! Muitos crentes que passaram ou passam por situações semelhantes, por não entenderem o que Deus requer deles em termos de amor ao próximo e ao inimigo, vivem transtornados com conflitos imensos que acabam por fazer-lhes questionar sua identidade como filhos de Deus. Eles pensam: "Eu devia amar [ter bons sentimentos] este bandido que matou minha esposa e, impune, dá risadas orgulhosas sobre seu feito, mas não consigo! Acho que não sou um verdadeiro cristão...acho que Deus não me perdoará por não conseguir amar este assassino...acho que não sou realmente salvo". Entretanto, se eles se engajassem em um estudo mais sério sobre a Palavra de Deus (como o próprio Deus requer de cada um de nós), jamais passariam por uma crise como essa, pois entenderiam que amar o inimigo não implica em ter sentimentos bons em relação a ele, tampouco, em nome de um irenismo forjado e imaturo, concordar com ele em qualquer aspecto de sua cosmovisão ímpia. Longe disso, amá-lo significa prestar-lhes uma benevolência prática, ainda que os sentimentos por esta pessoa estejam em total desarmonia para com as atitudes a ela direcionadas.

E como a ética de Deus é imutável, encontramos estas mesmas exortações no Antigo Testamento. "Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, sem falta lho reconduzirás. Se vires deitado debaixo da sua carga o jumento daquele que te odeia, não passarás adiante; certamente o ajudarás a levantá-lo" (Êx 23.4, 5); "Outrossim, não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis o coração do estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito" (v. 9); "Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer, e se tiver sede, dá-lhe água para beber" (Pv 25.21). O que podemos notar no plano discursivo destes versículos? Que a orientação comum neles expressa é para que amemos nossos inimigos fazendo-lhes atos de bondade. Só isso! É assim que se expressa o amor ao próximo e ao malfeitor. Não é requerido (e, em muitos sentidos, não é permitido) do filho de Deus que ame seu inimigo gostando dele ou procurando construir para com ele laços de sentimentos.

Em nosso tempo e cultura, o conceito verdadeiro de amor se perdeu em meio ao emocionalismo e à superficialidade de paixões. Como rebeldes, renunciamos ao ensino de Deus e buscamos uma redefinição de todas as suas leis, palavras e doutrinas. Mas isso apenas reflete a condição fúnebre do homem caído e rebelde ao Deus Criador. Sendo assim, devemos sujeitar nosso conhecimento à sabedoria de divina e demolir qualquer resquício da visão de mundo ímpia e louca que mantínhamos antes de sermos adotados por Deus e inseridos em sua família.

A conclusão, aplicada ao que foi dito até aqui, é que devemos repudiar totalmente a noção popular de que amar o inimigo (assumindo que, neste contexto, o inimigo é o ímpio e incrédulo) significa algo como "ter sentimentos agradáveis" por ele ou sustentar qualquer tipo de empatia para com ele. A Bíblia retrata o ímpio como alguém idiota que é odiado por Deus, apesar de receber de Sua graça provedora o "sol e a chuva". Da mesma forma, não há empatia alguma entre os filhos da luz e os das trevas. Não há concordância alguma entre eles. Mas devemos amá-los à exemplo do Senhor, e a ação de amá-los significa simplesmente fazer-lhes o bem. Este é o significado de amar o inimigo. Sem sentimentalismos e sem besteiras.


Por Paulo Ribeiro
 
http://www.teologiaexpressa.com/2014/10/o-que-significa-meu-inimigo.html 


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