O Paraíso de Tintoretto
Por J. C. Ryle
Por um momento, suponha que você, destituído de santidade, tivesse a permissão de entrar no céu. O que você faria ali? Que possíveis alegrias sentiria no céu? A qual de todos os santos você se achegaria e ao lado de quem se assentaria? O prazer deles não é o seu prazer; os gostos deles não são os seus; o caráter deles não é o seu caráter. Como você poderia sentir-se feliz ali, se não havia sido santo na terra?
Talvez agora você aprecie muito a companhia dos levianos e descuidados,
dos homens de mentalidade mundana, dos avarentos, dos devassos, dos que
buscam prazeres, dos ímpios e dos profanos. Nenhum deles estará no céu.
Provavelmente, você ache que os santos de Deus são muito restritos,
sérios e individualistas; e prefere evitá-los. Você não encontra nenhum
prazer na companhia deles. Mas não haverá no céu qualquer outra
companhia.
Talvez você ache que orar, ler a Bíblia e cantar hinos são realizações
monótonas e estúpidas, coisas que devem ser toleradas aqui e agora, mas
não desfrutadas. Você reputa o dia de descanso como um fardo, uma
fadiga; provavelmente, você não gasta mais do que um pequeníssima parte
deste dia na adoração a Deus. Lembre-se, porém, de que o céu é um dia de
descanso interminável. Os habitantes do céu não descansam, noite e dia,
clamando: “Santo, santo, santo é o Senhor, Deus todo- poderoso” e
cantam todo o tempo louvores ao Cordeiro. Como poderia um ímpio
encontrar prazer em uma ocupação como esta?
Você acha que um ímpio sentiria deleite em encontrar-se com Davi, Paulo e
João, depois de ter gasto a sua vida na prática daquelas coisas que
eles condenaram? O ímpio pediria bons conselhos a estes homens e acharia
que tem muitas coisas em comum com eles? Acima de tudo, você acha que
um ímpio se regozijaria em ver Jesus, o Crucificado, face a face, depois
de viver preso nos pecados pelos quais Ele morreu, depois de amar os
inimigos de Jesus e desprezar os seus amigos? Um ímpio permaneceria
confiantemente diante de Jesus e se uniria ao clamor: “Este é o nosso
Deus, em quem esperávamos… na sua salvação exultaremos e nos
alegraremos” (Is 25.9)? Ao invés disso, você não acha que a língua de um
ímpio se prenderia ao céu de sua boca, sentindo vergonha, e que seu
único desejo seria o ser expulso dali? Ele haveria de sentir-se estranho
em um lugar que ele não conhecia, seria uma ovelha negra entre o
rebanho santo de Jesus. A voz dos querubins e dos serafins, o canto dos
anjos e dos arcanjos e a voz de todos os habitantes do céu seria uma
linguagem que o ímpio não entenderia. O próprio ar do céu seria um ar
que o ímpio não poderia respirar.
Eu não sei o que os outros pensam, mas parece claro, para mim, que o céu
seria um lugar miserável para um homem destituído de santidade. Não
pode ser de outra maneira. As pessoas podem dizer, de maneira incerta,
que “esperam ir para o céu”, mas elas não meditam no que realmente estão
dizendo. Temos de ser pessoas que possuem uma mentalidade celestial e
têm gostos celestiais, na vida presente; pois, do contrário, jamais nos
encontraremos no céu, na vida por vir.
Agora, antes de prosseguir, permita-me falar-lhe algumas palavras de
aplicação. Pergunto a cada pessoa que está lendo este artigo: você já é
uma pessoa santa? Eu lhe suplico que preste atenção a esta pergunta.
Você sabe alguma coisa a respeito da santidade sobre a qual lhe estou
falando? Não estou perguntando se você costuma ir regularmente a uma
igreja, ou se você já foi batizado, ou se você recebe a Ceia do Senhor,
ou se tem o nome de cristão. Estou perguntando algo muito mais
significativo do que tudo isso: “Você é santo ou não?”
Não estou perguntando se você aprova a santidade nos outros, se você
gosta de ler sobre a vida de pessoas santas, de conversar sobre coisas
santas, de ter livros santos em sua mesa, se você sabe o que significa
ser santo ou se espera ser santo algum dia. Estou perguntando algo mais
elevado: “Você mesmo é um santo ou não?”
E por que eu lhe pergunto com tanta seriedade, insistindo com tanto
vigor? Faço isto porque a Bíblia diz: “Segui… a santificação, sem a qual
ninguém verá o Senhor”. Está escrito, não é minha imaginação; está
escrito, não é minha opinião pessoal; é a Palavra de Deus, e não a do
homem: “Segui… a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb
12.14).
Que palavras perscrutadoras e separadoras são estas! Que pensamentos
surgem em meu coração, enquanto as escrevo! Olho para o mundo e vejo a
maior parte das pessoas vivendo na impiedade. Olho para os cristãos
professos e percebo que a maioria deles não têm nada do cristianismo,
exceto o nome. Volto-me para a Bíblia e ouço o Espírito Santo: “Segui… a
santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).
Com certeza, este é um versículo que tem de fazer-nos considerar nossos
próprios caminhos e sondar nossos corações; tem de suscitar em nosso
íntimo pensamentos solenes e levar-nos à oração.
Você pode menosprezar estas minhas palavras, dizendo que tem muitos
sentimentos e pensamentos sobre estas coisas, mais do que muitos podem
imaginar. Entretanto, eu lhe respondo: “Isto não é mais importante. As
pobres almas no inferno fazem muito mais do que isto. O mais importante
não é o que você sente e pensa, e sim o que você faz”.
Você pode argumentar: “Deus nunca tencionou que todos os cristãos fossem
santos e que a santidade, conforme a descrevemos, é apenas para os
grandes santos e para pessoas de dons incomuns”. Eu respondo: “Não posso
encontrar este argumento nas Escrituras; e leio que ‘a si mesmo se
purifica todo o que nele [em Cristo] tem esta esperança’” (1 Jo 3.3).
“Segui… a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).
Você pode argumentar que é impossível ser santo e, ao mesmo tempo,
cumprir todos os nossos deveres nesta vida: “Isto não pode ser feito”.
Eu respondo: “Você está enganado”. Isto pode ser feito. Tendo Cristo ao
nosso lado, nada é impossível.
Outros já fizeram isto. Davi, Obadias, Daniel e os servos da casa de Nero, todos estes são exemplos que comprovam isto.
Você pode argumentar: “Se nos tornássemos santos, seríamos diferentes
das outras pessoas”. Eu res- pondo: “Sei muito bem disso. Mas é
exatamente isso que você deve ser. Os verdadeiros servos de Cristo
sempre foram diferentes do mundo que os cercava — uma nação santa, um
povo peculiar. E você tem de ser assim, se deseja ser salvo!”
Você pode argumentar que a este custo poucos serão salvos. Eu respondo:
“Eu sei disso. É exatamente sobre isso que nos fala o Sermão do Monte. O
Senhor Jesus disse, há muitos séculos atrás: “Estreita é a porta, e
apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam
com ela” (Mt 7.14). Poucos serão salvos, porque poucos se dedicarão ao
trabalho de buscar a salvação. Os homens não renunciarão aos prazeres do
pecado, nem aos seus próprios caminhos, por um momento sequer.
Você pode argumentar que estas são palavras severas demais; o caminho é
muito estreito. Eu respondo: “Eu sei disso; o Sermão do Monte o disse”. O
Senhor Jesus o afirmou há muitos séculos atrás. Ele sempre disse que os
homens tinham de tomar a sua cruz diariamente e mostrarem-se dispostos a
cortarem suas mãos e seus pés, se quisessem ser discípulos dEle. No
cristianismo acontece o mesmo que ocorre em outros aspectos da vida: sem
perdas, não há ganhos. Aquilo que não nos custa nada também não vale
nada.
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Fonte: Editora Fiel
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