“Os
amigos da Cruz afirmam que a cruz é boa e que as obras são más, porque
mediante a cruz as obras são derrubadas e o velho Adão, cuja força está
nas obras, é crucificado.“
(Martinho Lutero)
(Martinho Lutero)
Antes de continuar narrando a vida de Lutero e seu trabalho
reformador, devemos nos deter para considerar a sua teologia, que foi a
base dessa vida e dessa obra. Ao chegar o momento da dieta de Worms, a
teologia do Reformador havia alcançado sua maturidade. Então a partir
daí, o que Lutero fez foi simplesmente elaborar as consequências dessa
teologia. Portanto, este parece ser o momento adequado para interromper
nossa narrativa, e dar ao leitor uma ideia mais adequada da visão que
Lutero tinha da mensagem cristã. Ao contarmos sua peregrinação
espiritual, dissemos algo sobre a doutrina da justificação pela fé.
Porém essa doutrina, apesar de ser fundamental, não é a totalidade da
teologia de Lutero.
A Palavra de Deus
É de todos sabido que Lutero tratou de fazer da Palavra de Deus o ponto de partida e a autoridade final de sua teologia. Como professor das Sagradas Escrituras, a Bíblia tinha para ele grande importância, e nela descobriu a resposta para suas angústias espirituais. Porém isso não quer dizer que Lutero fosse um biblicista rígido, pois para ele a Palavra de Deus é muito mais que a Bíblia. A Palavra de Deus é nada menos que Deus mesmo.
É de todos sabido que Lutero tratou de fazer da Palavra de Deus o ponto de partida e a autoridade final de sua teologia. Como professor das Sagradas Escrituras, a Bíblia tinha para ele grande importância, e nela descobriu a resposta para suas angústias espirituais. Porém isso não quer dizer que Lutero fosse um biblicista rígido, pois para ele a Palavra de Deus é muito mais que a Bíblia. A Palavra de Deus é nada menos que Deus mesmo.
Essa última afirmação se baseia nos primeiros versículos do Evangelho de João, onde se diz que: “no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus“.
As Escrituras nos dizem que, num sentido estrito, a Palavra de Deus é
Deus mesmo, a segunda pessoa da Trindade, o Verbo que se fez carne e
habitou entre nós. Assim, quando Deus fala, o que sucede não é
simplesmente que nos comunica certa informação, mas que também e,
sobretudo, que Deus atua. Isto pode ser visto também no livro de
Gênesis, onde a Palavra de Deus é a força criadora: “Disse Deus…“.
Assim quando Deus fala, Deus cria o que pronuncia. Sua Palavra além de
dizer-nos algo, faz algo em nós e em toda a criação. Essa Palavra se
encarnou em Jesus Cristo, que por sua vez é a revelação máxima de Deus e
sua máxima ação. Em Jesus, Deus se nos deu a conhecer. Porém, também
nele venceu os poderes do maligno que nos sujeitavam. A revelação de
Deus é também a vitória de Deus.
A Bíblia é então a Palavra de Deus, não porque seja infalível, ou
porque seja um manual de verdades que os teólogos podem utilizar em seus
debates entre si. A Bíblia é a Palavra de Deus porque nela chega Jesus
Cristo até nós. Quem lê a Bíblia e não encontra nela Jesus Cristo, não
tem lido a Palavra de Deus. Por isso Lutero, ao mesmo tempo que insistia
na autoridade das Escrituras, podia fazer comentários pejorativos sobre
certas partes dela. A epístola de Tiago, por exemplo, parecia-lhe “pura
palha”, pois nela não se trata do evangelho, mas sim de uma série de
regras de conduta. Mesmo que não estivesse disposto a tirar tais livros
do Cânon, Lutero confessava abertamente que lhe era difícil ver Jesus
Cristo neles e que, portanto, tinham escasso valor para ele.
Essa ideia da Palavra de Deus como Jesus Cristo era a base da
resposta de Lutero a um dos principais argumentos dos católicos. Estes
afirmavam que, como era a igreja quem tinha determinado quais os livros
que deviam formar o canon, a igreja tinha autoridade sobre as
Escrituras. A resposta de Lutero era que, nem a igreja havia criado a
Bíblia nem a Bíblia havia criado a igreja, mas que o evangelho é que
havia criado. A autoridade final não está na Bíblia, nem na igreja, mas
no evangelho, na mensagem de Jesus Cristo, que é a Palavra de Deus
encarnada. Posto que a Bíblia dá um testemunho mais fidedigno nesse
evangelho do que a igreja corrompida do papa, e que as tradições
medievais, a Bíblia tem autoridade sobre a igreja e essas tradições,
mesmo que seja certo que nos primeiros séculos foi a igreja que
reconheceu o evangelho em certos livros, e não em outros, e determinou
assim o conteúdo do cânon bíblico.
O Conhecimento de Deus
Lutero concorda com boa parte da teologia tradicional ao afirmar que é possível ter certo conhecimento de Deus por meios puramente racionais ou naturais. Este conhecimento permite ao ser humano saber que Deus existe, e distinguir entre o bem e o mal. Os filósofos da antiguidade o tiveram, e as leis romanas mostram que de modo geral os pagãos sabiam distinguir entre o bem e o mal. Além disso, os filósofos chegaram à conclusão de que há um Ser Supremo, do qual todas as coisas derivam sua existência.
Lutero concorda com boa parte da teologia tradicional ao afirmar que é possível ter certo conhecimento de Deus por meios puramente racionais ou naturais. Este conhecimento permite ao ser humano saber que Deus existe, e distinguir entre o bem e o mal. Os filósofos da antiguidade o tiveram, e as leis romanas mostram que de modo geral os pagãos sabiam distinguir entre o bem e o mal. Além disso, os filósofos chegaram à conclusão de que há um Ser Supremo, do qual todas as coisas derivam sua existência.
Porém esse não é o verdadeiro conhecimento de Deus. A Deus não se
conhece como quem usa uma escada para subir um telhado. Todos os
esforços da mente humana para elevar-se ao céu e conhecer a Deus são
totalmente inúteis.
É isso que Lutero chama de “teologia da glória”. Tal teologia
pretende ver Deus tal como é, em sua própria glória, sem ter em conta a
distância enorme que separa o ser humano de Deus. O que a teologia da
glória faz no final das contas é pretender ver Deus naquelas coisas que
nós humanos consideramos mais valiosas e, portanto, fala do poder de
Deus, da glória de Deus, da bondade de Deus. Porém tudo isso não é mais
do que fazer Deus à nossa própria imagem e pretender que Deus seja como
nós mesmos desejamos que Ele seja.
O fato é que Deus em sua revelação se nos dá a conhecer de um modo
muito distinto. A suprema revelação de Deus tem lugar na cruz de Cristo,
e portanto Lutero propõe que em lugar da teologia da glória, se siga o
caminho da “teologia da cruz”. O que essa teologia busca é ver a Deus,
não onde nós queremos vê-Lo, nem como nós desejamos que Ele seja, mas
sim onde Deus se revela, e como Ele mesmo se revela, isso é, na cruz.
Ali Deus se manifestou na debilidade, no sofrimento, no escândalo. Isso
quer dizer que Deus atua de um modo radicalmente distinto do que poderia
se esperar. Deus, na cruz, destrói todas as nossas ideias preconcebidas
da glória divina.
Quando conhecemos a Deus na cruz, o conhecimento anterior, isso é,
tudo o que sabíamos acerca de Deus mediante a razão ou pela lei da
consciência, cai por terra. O que agora conhecemos de Deus é muito
distinto do outro suposto conhecimento de Deus em sua glória.
A Lei e o Evangelho
A Deus conhece-se verdadeiramente em sua revelação. Porém em sua própria revelação, Deus se nos dá a conhecer de dois modos, a saber: a lei e o evangelho. Isso não quer dizer simplesmente que primeiro vem a lei e depois o evangelho. Nem quer dizer tampouco que o Antigo Testamento se refira à Lei e o Novo Testamento ao evangelho. O que quer dizer é muito mais profundo. O contraste entre a Lei e o evangelho dá a entender que quando Deus se revela, essa revelação é, de uma só vez, palavra de condenação e de graça.
A Deus conhece-se verdadeiramente em sua revelação. Porém em sua própria revelação, Deus se nos dá a conhecer de dois modos, a saber: a lei e o evangelho. Isso não quer dizer simplesmente que primeiro vem a lei e depois o evangelho. Nem quer dizer tampouco que o Antigo Testamento se refira à Lei e o Novo Testamento ao evangelho. O que quer dizer é muito mais profundo. O contraste entre a Lei e o evangelho dá a entender que quando Deus se revela, essa revelação é, de uma só vez, palavra de condenação e de graça.
A justificação pela fé, a mensagem do perdão gratuito de Deus, não
quer dizer que Deus seja indiferente diante do pecado. Não se trata
simplesmente de que Deus nos perdoa porque no final das contas nosso
pecado não lhe faça mal. Pelo contrário, Deus é santo, e o pecado Lhe
causa repugnância. Quando Deus fala, o contraste entre sua santidade e o
nosso pecado nos esmaga, e essa é a lei.
Porém, ao mesmo tempo, e até às vezes na mesma Palavra, Deus
pronuncia seu perdão para conosco. Esse perdão é o evangelho, e é tão
maior, exatamente porque a lei é esmagadora. Não se trata então de um
evangelho que nos dê a entender que o nosso pecado não tem importância,
mas de um evangelho que, precisamente diante da gravidade do pecado se
torna mais surpreendente.
Quando escutamos essa palavra de perdão, a lei, que antes nos era
onerosa e até odiosa, se nos torna doce e aceitável. Comentando sobre o
evangelho de João, Lutero nos diz:
“Antes não havia na lei nenhuma delícia para mim. Porém agora
descobri que a Lei é boa e saborosa, e que me tem sido dada para que eu
viva, e agora encontro nela meu prazer. Antes me dizia o que devia ser
feito. Agora começo a ajustar-me nela. E por isso agora adoro, louvo e
sirvo a Deus“.
Esta dialética constante entre a lei e o evangelho quer dizer que o
cristão é ao mesmo tempo justo e pecador. Não se trata de que o pecador
deixe de ser pecador quando é justificado. Pelo contrário, quem recebe a
justificação pela fé descobre nela mesma o quanto é pecador, e não por
ser justificado é que deixa de pecar. A justificação não é a ausência do
pecado, mas o fato de que Deus nos declara justos ainda que em meio ao
nosso pecado, de igual modo ao evangelho que acontece sempre em meio à
lei.
A Igreja e os Sacramentos
Lutero não foi nem o individualista nem o racionalista que muitos desejam. Durante o século XIX, quando o individualismo e o racionalismo se fizeram populares, muitos historiadores deram a impressão de que Lutero havia sido um dos precursores de tais correntes. Isto ia frequentemente unido com o intento de mostrar a Alemanha como a grande nação, mãe da civilização moderna e de tudo quanto há nela de valioso. Lutero se converteu então no grande herói alemão fundador do modernismo.
Lutero não foi nem o individualista nem o racionalista que muitos desejam. Durante o século XIX, quando o individualismo e o racionalismo se fizeram populares, muitos historiadores deram a impressão de que Lutero havia sido um dos precursores de tais correntes. Isto ia frequentemente unido com o intento de mostrar a Alemanha como a grande nação, mãe da civilização moderna e de tudo quanto há nela de valioso. Lutero se converteu então no grande herói alemão fundador do modernismo.
Porém tudo isso não se ajusta à verdade histórica. O fato é que
Lutero distanciou-se muito de ser racionalista. Para provarmos basta
observarmos suas freqüentes referências à “porca razão” e “essa rameira,
a razão”. E quanto ao seu suposto individualismo, a verdade é que este
era mais poderoso entre os renascentistas italianos do que no Reformador
alemão, e que em todo caso Lutero dava demasiada importância à igreja
para ser um verdadeiro individualista.
Apesar de seu protesto contra as doutrinas comumente aceitas, e de
sua rebeldia contra as autoridades da igreja romana, Lutero sempre
pensou que a igreja era parte essencial da mensagem cristã. Sua teologia
não era a de uma comunhão direta do indivíduo com Deus, mas sim de uma
vida cristã no meio de uma comunidade de fiéis, a qual repetidamente
chamou de “igreja mãe”.
Se bem que seja certo que todos os cristãos, pelo simples fato de
serem batizados, se tornam sacerdotes, isto não quer dizer que cada um
de nós deva isolar-se em si mesmo para chegar a Deus. Certamente há uma
comunicação direta com o Criador. Porém há também uma responsabilidade
orgânica. O ser sacerdotes não quer dizer que o sejamos somente para nós
mesmos, mas que o somos também para os demais, e os outros o são para
nós. Em lugar de abolir a necessidade da igreja, a doutrina do
sacerdócio universal dos crentes a aumentava. Claro está que não
necessitamos já de um sacerdócio hierárquico que seja nosso único meio
de chegarmos a Deus. Porém necessitamos desta comunidade de crentes, o
corpo de Cristo, dentro da qual cada membro é sacerdote dos demais e
nutre a cada um deles. Sem essa relação com o corpo, o membro não pode
continuar vivendo.
Dentro dessa igreja, a Palavra de Deus chega até nós pelos
sacramentos. Para que um rito seja um verdadeiro sacramento, tem de ter
sido instituído por Jesus Cristo, e há de ser um sinal físico das
promessas evangelísticas. Portanto há somente dois sacramentos: o
batismo e a ceia. Os demais ritos que recebem esse nome, mesmo que
possam ser benéficos, não são sacramentos do evangelho.
O batismo é o sinal da morte e ressurreição do cristão com Jesus
Cristo. Porém é muito mais que um sinal, pois por ele e nele fomos
feitos membros do corpo de Cristo. O batismo e a fé andam estreitamente
unidos, pois o rito sem a fé não é válido. Porém isso não deve ser
entendido no sentido de que devemos ter fé antes de sermos batizados e
que, assim, não se possa batizar as crianças. Se dissermos tal coisa,
cairíamos no erro daqueles que creem que a fé é uma obra humana, e não
um dom de Deus. Na salvação a iniciativa é sempre de Deus, e isto é o
que anunciamos ao batizar crianças tão pequeninas que são incapazes de
entender do que se trata. Além disso o batismo não é somente o começo da
vida cristã, mas é o fundamento ou o contexto dentro do qual toda essa
vida tem lugar. O batismo é válido, não só no momento de ser
administrado, mas para toda a vida. Por ele se conta que o próprio
Lutero quando se sentia fortemente tentado, exclamava: “sou batizado”.
Em seu batismo estava a força para resistir a todas as investidas do
maligno.
A ceia é o outro sacramento da fé cristã. Lutero rechaçou boa parte
da teologia católica sobre a ceia. Particularmente se opôs às missas
privadas, à ceia como repetição do sacrifício de Cristo, à ideia de que a
missa confere méritos, e à doutrina da transubstanciação. Porém tudo
isso não o levou a pensar que a ceia era de pouca importância. Pelo
contrário, para ele a eucaristia sempre continou junto com a pregação,
como centro do culto cristãos.
A questão de como Cristo está presente no sacramento, foi motivo de
controvérsias, não só com os católicos, mas também com os protestantes.
Lutero rechaçava categoricamente a doutrina da transubstanciação, que
lhe parecia demasiadamente presa a categorias aristotélicas e, portanto,
pagãs, e que, além do mais, era a base da idéia da missa como
sacrifício meritório, que se opunha radicalmente à doutrina da
justificação pela fé.
Porém, por outro lado, Lutero também não estava disposto a dizer que a
ceia era um mero símbolo de realidades espirituais. As palavras de
Jesus ao instituir o sacramento: “isto é o meu corpo”, lhe pareciam
completamente claras. Portanto, segundo Lutero, na ceia os fiéis
participam verdadeira e literalmente do corpo de Cristo. Isto não
indica, como na transubstanciação, que o pão se converta em corpo, e o
vinho em sangue. O pão continua sendo pão, e o vinho, vinho. Porém agora
estão também neles o corpo e o sangue do Senhor, e o crente se alimenta
deles ao tomar o pão e o vinho. Se bem que mais tarde se deu a essa
doutrina o nome de “consubstanciação”, Lutero nunca a chamou assim e
preferia sim chamá-la de a presença de Cristo em, com, debaixo, ao redor
e por trás do pão e do vinho.
Nem todos os que se opunham às doutrinas tradicionais, concordavam
com Lutero nesse ponto, que logo se tornou um dos fatores mais
divisionistas entre eles. Carlstadt, o colega de Lutero, na universidade
de Wittenberg, que participou com ele no debate de Leipzig, dizia que a
presença de Cristo no sacramento era simbólico, e que quando Jesus
disse: “isto é o meu corpo”, estava dizendo para si mesmo, e não para o
pão. Zwínglio, de quem trataremos mais adiante, sustentava opiniões
parecidas, se bem que com melhores argumentos bíblicos. Posteriormente
esta questão foi um dos principais motivos de divisão entre os luteranos
e reformados ou calvinistas.
Os Dois Reinos
Antes de terminar essa brevíssima exposição dos principais pontos da teologia de Lutero, devemos nos referir ao modo pelo qual o Reformador entendeu a relação entre a igreja e o estado. Segundo ele, Deus tinha estabelecido dois reinos, um sob a lei e outro sob o evangelho. O estado opera debaixo da lei, e seu principal propósito é pôr limites ao pecado humano. Sem o estado os maus não teriam freios. Os crentes por outra parte, pertencem ao segundo reino, e estão debaixo do evangelho. Isto quer dizer que os crentes não vão esperar que o estado apóie a sua fé e persiga aos hereges. Além disso, não há razão nenhuma para que esperemos que os governantes sejam cristãos. Como governantes, sua obediência se deve à lei e não ao evangelho. No reino do evangelho as autoridades civis não têm poder algum. E no que se refere a esse reino, os cristãos não estão sujeitos ao estado. Porém não esqueçamos que os crentes, ao mesmo tempo que são justificados pela fé, continuam sendo pecadores. Portanto, enquanto somos pecadores, todos estamos sujeitos ao estado.
Antes de terminar essa brevíssima exposição dos principais pontos da teologia de Lutero, devemos nos referir ao modo pelo qual o Reformador entendeu a relação entre a igreja e o estado. Segundo ele, Deus tinha estabelecido dois reinos, um sob a lei e outro sob o evangelho. O estado opera debaixo da lei, e seu principal propósito é pôr limites ao pecado humano. Sem o estado os maus não teriam freios. Os crentes por outra parte, pertencem ao segundo reino, e estão debaixo do evangelho. Isto quer dizer que os crentes não vão esperar que o estado apóie a sua fé e persiga aos hereges. Além disso, não há razão nenhuma para que esperemos que os governantes sejam cristãos. Como governantes, sua obediência se deve à lei e não ao evangelho. No reino do evangelho as autoridades civis não têm poder algum. E no que se refere a esse reino, os cristãos não estão sujeitos ao estado. Porém não esqueçamos que os crentes, ao mesmo tempo que são justificados pela fé, continuam sendo pecadores. Portanto, enquanto somos pecadores, todos estamos sujeitos ao estado.
O que isso quer dizer em termos concretos é que a verdadeira fé não
tem de impor-se mediante autoridade civil, mas mediante a proclamação da
Palavra. Lutero se opôs repetidamente a que os príncipes que o apoiavam
empregassem sua autoridade para defender sua causa e somente depois de
muito vacilar, por fim lhes disse que podiam apelar para as armas em
defesa própria contra aqueles que pretendiam esmagar a Reforma.
Isto não quer dizer que Lutero foi pacifista. Quando os turcos
ameaçaram a cristandade, Lutero chamou seus seguidores às armas. E
quando diversos grupos e movimentos, tais como os camponeses rebeldes e
os anabatistas, lhe pareciam subersivos, não vacilou em afirmar que as
autoridades civis tinham o dever de esmagá-los. O que se quer dizer é
que Lutero sempre teve dúvidas sobre como a fé devia relacionar-se com a
vida civil e política. E essas vacilações têm continuado a aparecer em
boa parte da tradição luterana até o século XIX.
Fonte: A Era dos Reformadores, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, Justo L. Gonzalez.
http://ebdcatedral.wordpress.com/2014/05/08/a-teologia-de-martinho-lutero/
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