Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)

19 de maio de 2014

A GLÓRIA DA SEGUNDA CASA: UMA INTERPRETAÇÃO CRISTOLÓGICA


“A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 2.9).

É com frequência que igrejas locais mudam de endereço, a fim de proporcionar melhorias aos seus membros, bem como em busca de maiores espaços, a fim de acomodar um maior número de pessoas. É frequente, também, que para promover esta busca e conferir uma grande importância a um espaço cúltico maior, muitos acabam usando a passagem de Ageu 2.9. A lógica é a seguinte: O primeiro “templo” comportava apenas 150 pessoas. Já este segundo possui a capacidade para 500 pessoas. Com isso, de acordo com eles, cumpre-se a Palavra do Senhor em Ageu, pois a glória da “segunda casa” é maior que a da primeira.

Meu propósito neste breve comentário é analisar a passagem citada em seu contexto, a fim de obter uma conclusão a respeito da maneira como a mesma é aplicada por aqueles que entendem que ela diz respeito a locais de culto cada vez maiores.

O Livro de Ageu
Ageu é conhecido como um dos profetas da restauração, o que significa que sua atuação profética se deu quando os judeus já haviam retornado à Terra Prometida. O livro tem início com a contextualização histórica: “No segundo ano do rei Dario” (1.1), ou seja, por volta de 520 a.C. Juntamente com Zacarias, Ageu profetizou durante o reinício da reconstrução do Templo, exatamente no ano 520 a.C. De acordo com O. Palmer Robertson, Ageu foi “a primeira voz profética a falar desde o tempo da restauração da nação”.[1]

O primeiro tema a receber destaque na profecia de Ageu é o da reconstrução da “Casa do SENHOR”:

Assim fala o SENHOR dos Exércitos: Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em que a Casa do SENHOR deve ser edificada. Veio, pois, a palavra do SENHOR, por intermédio do profeta Ageu, dizendo: Acaso, é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta casa permanece em ruínas? Ora, pois, assim diz o SENHOR dos Exércitos: Considerai o vosso passado. Tendes semeado muito e recolhido pouco; comei, mas não chega para fartar-vos; bebeis, mas não dá para saciar-vos; vesti-vos, mas ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o para pô-lo num saquitel furado.

Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Considerai o vosso passado. Subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; dela me agradarei e serei glorificado, diz o SENHOR. Esperastes o muito, e eis que veio a ser pouco, e esse pouco, quando o trouxestes para casa, eu com um assopro o dissipei. Por quê? – diz o SENHOR dos Exércitos; por causa da minha casa, que permanece em ruínas, ao passo que cada um de vós corre por causa da sua própria casa (Ageu 1.2-10).

O povo de Israel estava sendo negligente em reconstruir o Templo, o lugar da habitação de Deus no meio do seu povo. A ordem de Deus era no sentido de que o povo abandonasse seu egoísmo e passasse a se preocupar com a casa do Senhor. A ideia passada pelo povo com a sua atitude era a de que Deus era irrelevante. Eles não sentiam falta do Templo, do lugar onde o Senhor era adorado, onde o sacrifício tipológico era realizado e o perdão anunciado.

A “Segunda Casa” Comparada com a Primeira
A partir do versículo 12 vê-se que o povo atendeu à ordem do Senhor por intermédio do profeta Ageu: “Então, Zorobabel, filho de Salatiel, e Josué, filho de Jozadaque, o sumo sacerdote, e todo o resto do povo atenderam à voz do SENHOR, seu Deus, e às palavras do profeta Ageu, as quais o SENHOR, seu Deus, o tinha mandado dizer; e o povo temeu diante do SENHOR”. A profecia inicial de Ageu se deu no primeiro dia do sexto mês (1.1), ao passo que a reconstrução do templo teve início no “vigésimo quarto dia do sexto mês” (1.15).

Cerca de um mês após o início da reconstrução (2.1), os anciãos que ainda tinham em sua lembrança o esplendor do templo construído por Salomão, ao verem as construções do segundo templo lamentavam a sua inferioridade estética em relação ao primeiro. Por isso, o Senhor Deus perguntou por intermédio do profeta Ageu: “Quem dentre vós, que tenha sobrevivido, contemplou esta casa na sua primeira glória? E como a vedes agora? Não é ela como nada aos vossos olhos?” (2.3). “Comparado com o anterior, o templo que eles estão construindo terá pouco da primitiva grandeza e beleza. Parecer-lhes-á como nada”.[2] A comparação é feita entre a “glória” do primeiro templo e a aparente ausência de “glória” do segundo.

É importante recordar que o termo hebraico kabôd, traduzido como “glória” é usado em outros profetas com uma conotação diferente desta. Ezequiel, por exemplo, fala da kabôd para se referir à presença do Senhor no templo: “Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da glória do SENHOR; vendo isto, caí com o rosto em terra e ouvi a voz de quem falava” (1.28). No capítulo 10, Ezequiel vê a kabôd do Senhor abandonando o templo, simbolizando que Deus não mais habitaria ali, não mais estaria presente de um modo especial e pactual: “Então, se levantou a glória do SENHOR de sobre o querubim, indo para a entrada da casa; a casa encheu-se da nuvem, e o átrio, da resplandecência da glória do SENHOR [...] Então, saiu a glória do SENHOR da entrada da casa e parou sobre os querubins” (vv. 4,18). Entretanto, Ageu “não aponta inicialmente para essa glória da presença de Yahweh. Antes, ele refere-se à beleza do templo de Salomão”.[3]

Já no versículo 7, o termo kabôd possui a mesma conotação da profecia de Ezequiel. A referência é à presença do Senhor no seu templo. Enquanto os anciãos se lembravam da beleza e esplendor do templo de Salomão, Deus promete que o segundo templo, menor em tamanho e riquezas, possuirá uma glória plena, pois, diz o Senhor “encherei de glória esta casa”. O Senhor estava ensinando ao seu povo que, “a glória do templo não dependeria de sua forma exterior. Ao contrário, a glória é vista na própria presença de Yahweh”.[4] A mensagem para aqueles que se encontravam chorosos e àqueles que concentram sua atenção na estrutura física do edifício cúltico, é que a beleza e o tamanho não influenciam ou diminuem a glória do local, mas sim a presença de Deus com o seu povo.

A Glória da Segunda Casa e Jesus Cristo
Deus prometeu que a sua presença encheria aquela casa de glória: “Ainda uma vez, dentro em pouco, farei abalar o céu, a terra, o mar e a terra seca; farei abalar todas as nações, e as coisas preciosas de todas as nações virão, e encherei de glória esta casa, diz o SENHOR dos Exércitos” (2.6-7). A grande questão é se a manifestação plena da glória de Deus estaria limitada àquele segundo templo que estava sendo construído na ocasião, ou se ela aponta apara algo além daquela edificação. A linguagem do profeta lembra o que aconteceu quando Davi se tornou rei de Israel. Várias nações reconheceram o seu reinado e enviaram presentes, coisas preciosas (2Samuel 5.11). O mesmo aconteceu com Salomão, filho de Davi (1Reis 5.8-10; 10.1-10). Não obstante, a referência é que as nações virão agora para contemplar a glória da casa do Senhor. Deus está falando de Cristo, que tanto era filho de Davi (Mateus 1.1) como a habitação permanente de Deus entre o seu povo (João 1.14). O. Palmer Robertson faz um comentário perspicaz a este respeito:

Este segundo abalo põe em destaque um único descendente de Davi, que possuirá poderes para agir com autoridade divina sobre todas as nações. Assim como o templo de Deus e o trono de Davi se fundiram no Monte Sião com a vinda da Arca para Jerusalém, assim também o profeta antecipa uma futura unificação gloriosa do culto divino e do domínio através de um monarca Davídico restaurado.[5]

A interpretação de Calvino também leva em conta o elemento messiânico da profecia:

Mas nós podemos entender o que ele diz de Cristo, virá o desejo de todas as nações, e eu encherei esta casa com glória. De fato, sabemos que Cristo era a expectativa de todo o mundo, de acordo com o que foi dito por Isaías. E pode ser dito apropriadamente que, quando o desejo de todas as nações vier, isto é, quando Cristo se manifestar, em quem os desejos de todos convergem, então, a glória do segundo templo será esplendorosa.[6]

Por esta razão é que o Senhor declara, no versículo 9: “A glória desta última casa será maior do que a da primeira”. A glória do segundo templo não possui nenhuma relação com o seu espaço físico ou com seus objetos de valor. A glória do segundo templo está direta e inextricavelmente relacionada com a vinda de Jesus Cristo. Por se tratar de um templo mais próximo da vinda do Messias do que o que fora construído por Salomão, o segundo seria mais glorioso. Diz o puritano Matthew Poole que, “o que Deus chama de glória deve ser bem melhor do que prata e ouro. Maior que a da primeira, verdadeiramente mais gloriosa, em muitos graus. O mínimo de Cristo tem glória maior que toda a magnificência de Salomão. Não existiram mais que duas casas erigidas por designação divina, e, na segunda, adentrou pessoalmente o Messias”.[7] Calvino afirma ainda que, não devemos imaginar, como alguns intérpretes “brutos”, que a glória futura do segundo templo dizia respeito às reformas empreendidas por Herodes, visando restaurar a suntuosidade do templo. Antes, de acordo com ele, “o que é dito aqui a respeito da glória futura do templo é aplicado à excelência daquelas bênçãos espirituais que apareceram quando Cristo foi revelado, e ainda continuam visíveis para nós através da fé”.[8]

A conexão entre a glória do segundo templo e Jesus fica mais evidente com a continuação do versículo 9: “e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos”. No Antigo Testamento a promessa de paz sempre estava ligada à vinda do Messias: “O SENHOR dá força ao seu povo, o SENHOR abençoa com paz ao seu povo” (Salmo 29.11). O conceito veterotestamentário de paz carrega “a noção positiva de bênçãos, especialmente a de um correto relacionamento com Deus”.[9] Isso fica evidente na bênção araônica, em Números 6.24-26: “O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o SENHOR sobre ti levante o rosto e te dê a paz”.

Além disso, as passagens proféticas do Antigo Testamento olham adiante para um período de paz que seria inaugurado pela vinda do Messias: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Isaías 9.6); “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às proximidades da terra” (Zacarias 9.9-10). O profeta Ezequiel anunciou que através do Messias, Deus faria uma eterna aliança de paz com o seu povo: “Farei com eles aliança de paz; será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles, para sempre” (37.26). Interessantemente, a ideia de um santuário, um templo ligado ao estabelecimento da paz também aparece na passagem de Ezequiel.

Isto posto, quando os discípulos estavam reunidos com Jesus no cenáculo, ouviram o seu Mestre dizer: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (João 14.27). Com toda certeza eles rememoraram as promessas escriturísticas a respeito do estabelecimento da paz pelo Messias, aquele que era o tabernáculo de Deus entre os homens.
É importante observar ainda que, Apocalipse 21.22 faz uma afirmação extraordinária a respeito da Nova Jerusalém: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro”. G. K. Beale e Sean M. McDonough afirmam que, “João provavelmente entendeu estas profecias do Antigo Testamento como sendo cumpridas no futuro por Deus e Cristo substituindo o primeiro templo físico e a arca por sua gloriosa habitação, o que tornará a glória do primeiro templo diminuta”.[10]

Conclusão
A glória do segundo templo não dizia respeito ao seu tamanho nem ao esplendor do material usado na sua construção – até porque, em comparação com o primeiro templo, o segundo foi capaz de despertar o choro dos anciãos que viram o que fora construído por Salomão. A glória da segunda casa estava ligada à vinda do Messias, de Jesus Cristo, o verdadeiro templo de Deus, o Emanuel, o Deus conosco.

Usar a passagem de Ageu 2.9 para recomendar um enorme espaço cúltico, com capacidade para abrigar milhares de pessoas é cometer duplo erro. Em primeiro lugar, comete-se o erro de torcer o sentido da passagem de acordo com o contexto do livro do profeta Ageu. A segunda casa cuja glória seria maior era pequena e destituída de ornamentos em comparação com a primeira. Mas muitos usam a passagem para falar de uma segunda casa maior que a que usavam até então. Em segundo lugar, comete-se o erro de desconsiderar Jesus Cristo, de se apegar às sombras do Antigo Testamento em detrimento daquele que dá sentido a todo ajuntamento solene e que enche de glória todo e qualquer lugar onde o povo de Deus está reunido para adorá-lo em espírito e em verdade.

Soli Deo Gloria!


[1] O. Palmer Robertson. The Christ of the Prophets. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2004. p. 368.
[2] Gerard van Groningen. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 813.
[3] Ibid.
[4] Ibid. pp. 817-818.
[5] O. Palmer Robertson. The Christ of the Prophets. p. 383.
[6] John Calvin. The Minor Prophets: Habakkuk, Zephaniah & Haggai. Vol. 4. Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1986. p. 360.
[7] Matthew Poole. A Commentary On The Holy Bible: Psalms-Malachiah. Vol. 2. Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 2010. p. 987.
[8] John Calvin. The Minor Prophets: Habakkuk, Zephaniah & Haggai. Vol. 4. p. 361.
[9] Andreas J. Köstenberger. “John”. In: G. K. Beale e D. A. Carson (Eds.). Commentary On The New Testament Use of The Old Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic e Apollos, 2007. p. 490.
[10] G. K. Beale e Sean M. McDonough. “Revelation. In: Ibid. p. 1153.

http://www.cristaoreformado.com/2012/09/a-gloria-da-segunda-casa-uma.html


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