Em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:3)

Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.(Efésios5:6)
Digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com argumentos falsos. (Colossenses 2:4)

2 de outubro de 2013

A PRÁTICA DO ACONSELHAMENTO PASTORAL



Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

Apresentado aos alunos do Centro de Formação Pastoral do Amapá


A QUESTÃO PRELIMINAR

A questão preliminar na prática do aconselhamento pastoral é esta: O que queremos, exatamente, com o ministério de aconselhamento pastoral? Bancar o psicólogo, aparentar ar professoral, ser importante, dominar as pessoas, impor nosso ponto de vista? Na década dos oitenta, o charme nas igrejas não era o louvor, mas era o aconselhamento. Na ocasião, eu trabalhava na Faculdade Teológica Batista de Brasília e observei quantas pessoas vinham fazer Aconselhamento Pastoral, porque queriam desenvolver o ministério de aconselhamento nas igrejas. Observei duas características comuns em muitos dos interessados: (1) Eram pessoas dominadoras; (2) Eram pessoas com pontos de vista muito fortes e que lutavam, por eles. É curioso como o temperamento das pessoas as impele para certas funções nas igrejas. Pessoas apaixonadas pela evangelização, não incomumente, são pessoas agressivas. Alguns gurus evangélicos e pessoas que se atribuem títulos pomposos são pessoas com enormes carências emocionais. Elas buscam compensação nas atividades eclesiásticas. O conselheiro precisa se sondar: o que o motiva é amor às pessoas, consciência de missão, ou desejo de controle?

Voltemos à década dos oitenta. Enfatizava-se muito o discipulado, que hoje aparece com roupa nova, chamado de mentoreamento. Os candidatos a conselheiros queriam discipular pessoas, mas dava para notar que não era para fazerem discípulos de Cristo, e sim discípulos delas. Não era para levar as pessoas à estatura de varão perfeito, como encontramos recomendado em Efésios 4.13. Era para reproduzir pessoas à sua imagem e semelhança. Ainda hoje, buscamos muito fazer clones nossos em nossas igrejas. Ou dominar pessoas. O líder precisa sondar bem suas intenções. Principalmente se ele se vale do aconselhamento. Que deseja: ovelhas maduras ou pessoas submissas a ele? Aconselhar ou dominar? Ver o desenvolvimento da pessoa ou reproduzir-se nela?

1. O VALOR DO ACONSELHAMENTO PARA O CONSELHEIRO

Ao aconselhar, o pastor não apenas cumpre uma tarefa atinente ao seu ministério. Ele se capacita para o ministério pastoral, no trato com o rebanho. Ðescobre suas necessidades, vê as carências do povo e assim diagnostica seu estágio espiritual, como também vê por onde deve andar no ensino do púlpito. O gabinete pastoral é um termômetro que indica algumas enfermidades da igreja, e assinala para o pastor o que ele deve pregar, se deseja a terapia que vem da Palavra de Deus.

Uma ressalva deve ser feita, no entanto: o gabinete pastoral não vai ao púlpito. O que se ouve no gabinete morre no gabinete, mas o que se trata no gabinete sinaliza áreas que devem ser abordadas pelo púlpito. Se constantemente o pastor está administrando crises conjugais, isto é sinal de que precisa pregar mais sobre família. Se casos de mundanismo e baixa espiritualidade causam os problemas que surgem no gabinete, o obreiro descobrirá que a igreja está precisando de santificação. Precisamos reconhecer o fato de que somos pastores e não terapeutas seculares, e que lidamos com igreja e não com uma clínica psicológica. Lamentavelmente, muitos pastores estão deixando a Bíblia, substituindo-a por ensinos de psicólogos seculares, sem temor a Deus, e caindo no mesmo equívoco de tantos conselheiros não cristãos, o de pensar que nossa tarefa é tornar as pessoas aliviadas de seus fardos, e se sentirem bem consigo mesmas. Nossa principal tarefa como conselheiros não é aliviar o fardo das pessoas, mas orientá-las dentro dos princípios da Bíblia. Vivendo os valores da Palavra de Deus as pessoas terão o alívio que o Espírito Santo dá.

Nossa tarefa, portanto, não é de ajudar os pecadores a viverem bem com seus pecados, mas “anunciar todo o conselho de Deus” (At 20.27). Assim fazendo, cumprimos nossa missão, ajudamos as pessoas e formatamos o povo de Deus dentro da Palavra de Deus. O aconselhamento ajuda o obreiro a cumprir sua missão, que é a de levar o povo do Senhor à maturidade: “Desse modo todos nós chegaremos a ser um na nossa fé e no nosso conhecimento do Filho de Deus. E assim seremos pessoas maduras e alcançaremos a altura espiritual de Cristo. Então não seremos mais como crianças, arrastados pelas ondas e empurrados por qualquer vento de ensinamentos de pessoas falsas. Essas pessoas inventam mentiras e, por meio delas, levam outros para caminhos errados” (Ef 4.13-14). E, secundariamente, ajuda o obreiro a conhecer o tipo de alimento que seu rebanho necessita.

O conselheiro precisa estar atento para o fato de muitas pessoas o procurarão buscando confirmação de suas atitudes, e querendo apenas apoio e compreensão. Nem sempre desejarão mexer na causa fundamental do problema. O conselheiro deve ser compreensivo, mas nunca conivente com o erro e com o pecado.

2. UMA POSTURA DO CONSELHEIRO

Sentir indignação com o pecado é uma coisa. Sentir indignação com o pecador é outra. O Novo Testamento fala, por exemplo, para não sermos ansiosos. Mas quando lidou com a ansiedade de Marta, Jesus não lhe “deu uma dura”, mas foi terno: “Aí o Senhor respondeu: – Marta, Marta, você está agitada e preocupada com muitas coisas, mas apenas uma é necessária! Maria escolheu a melhor de todas, e esta ninguém vai tomar dela” (Lc 10.41-42). Haverá momentos em que o conselheiro se frustrará porque vê que a pessoa está sendo infantil ou apenas desejando aliviar um sintoma do seu pecado, ao invés de lidar com o pecado. É preciso misericórdia. Sem abandonar a firmeza.

Além desta postura de aceitação da pessoa, o conselheiro precisa cultivar a imagem (que deve corresponder à realidade) de ser uma pessoa confiável. Observe este comentário em uma obra de aconselhamento profissional, secular: “O paciente tem vários graus de consciência do processo, experimentado principalmente na forma de suas fantasias sobre o médico e de uma sensação de segurança e confiança a seu respeito”[1]·. O conselheiro precisa passar a imagem real de uma pessoa confiável. Ele precisa dar ao aconselhado a sensação de segurança e de confiança a seu respeito. As pessoas confiavam em Jesus. Lembremos disto. Certa vez, um homem, membro de outra igreja, me pediu aconselhamento. Eu lhe disse para procurar seu pastor e ele me falou que o problema era o seu pastor, e me disse: “Quando eu era católico, sabia que quando eu confessava meus pecados ao padre, ele guardaria sigilo. Morria no confessionário. Tudo que eu conto para meu pastor vira ilustração de sermão. Ele não cita meu nome, mas quem me conhece sabe que sou eu”.

Se você almeja ser um conselheiro cristão, estas duas virtudes são indispensáveis: aceitação da pessoa e manutenção de sigilo. Um obreiro falastrão nem sempre obterá confiança das pessoas.

3. ESCLARECENDO A QUESTÃO DA ACEITAÇÃO DA PESSOA

O psicólogo Carl Rogers escreveu um livro intitulado Tornar-se pessoa (título em português). Sua terapia é centrada na pessoa. Veja esta citação sua: “Em meus primeiros anos de atividade profissional, eu fazia a pergunta: ‘Como posso tratar, ou curar, ou mudar esta pessoa? ’. Agora, eu formulo a pergunta da seguinte maneira: ‘Como posso proporcionar um relacionamento que essa pessoa possa usar para o próprio crescimento pessoal? ’”[2] .

Este é o aconselhamento centrado na pessoa. A ideia é que a pessoa tem as respostas dentro de si e pode crescer sozinha, usando informações para seu benefício. Isto é o que Rogers vê de mais importante no aconselhamento, o tornar-se pessoa. Mas a pergunta que o conselheiro cristão deverá fazer é mais ou menos nestes termos: “Como posso ajudar esta pessoa a entender o que Deus deseja que ela faça nesta circunstância?”. Mais que tornar-se pessoa, seu propósito é levar o aconselhando atornar-se cristão maduro. A terapia centrada na pessoa parte do pressuposto de que as pessoas são boas e podem ser sua própria referência, prescindindo de um modelo externo. É a crença de que o homem é bom.

Infelizmente, alguns evangélicos têm perdido os referenciais da Palavra de Deus e feito psicologia, sociologia e filosofia segundo os parâmetros do mundo, esquecido de uma doutrina fundamental para nós, a Queda. Eles se encantam com o ensino de homens sem Deus e desprezam o ensino do próprio Deus. O homem é pecador e não pode ser seu próprio referencial. Vivemos numa época que despreza a correção e valoriza o “eu”. As pregações e os cultos, em boa parte, são para exaltar o eu pecaminoso, vaidoso e cobiçoso, não a pessoa e os ensinos de Jesus. O aconselhamento pastoral não pode ser massagem no ego nem centrar-se em outra base que não seja o ensino das Escrituras.

O conselheiro cristão deve aceitar a pessoa, mas deve aceitar a autoridade das Escrituras sobre todas as pessoas, mesmo as que não são crentes. Eis uma citação de Crabb: “As categorias bíblicas são suficientes para responder às perguntas do conselheiro… Nossa tarefa é pensar sobre a vida dentro das categorias que as Escrituras fornecem. A autoridade para nosso pensamento depende de em que grau ele brota das categorias bíblicas claramente ensinadas”[3]·. Em outras palavras: o ensino bíblico é suficiente para responder a todas as indagações que um conselheiro tenha.

4. LIDANDO COM TIPOS DE PESSOAS – O QUE DESEJA APENAS FALAR

No trato com as pessoas, o conselheiro encontrará aquela que o procurará apenas para desabafar. Ela fala, fala, nunca pergunta (e quando pergunta é apenas de maneira retórica, esperando apoio, mas nunca uma resposta objetiva) nem se mostra inclinada a ouvir. O papel do conselheiro não é interromper e cortar a pessoa. Deve ouvir. Mas deve ter cuidado. Há pessoas que gostam de alugar ouvidos para fazerem seus monólogos. Não querem resolver nada, apenas falar. Pode ser bom para a pessoa, embora enfade o conselheiro. Mas pode ser ruim para a pessoa se serve como subterfúgio para ela nunca se decidir a fazer o que deve.

“De que esta pessoa precisa, realmente?”. Esta deve ser a pergunta do conselheiro. Ela necessita apenas desabafar ou isto é uma prática de vida, em que ela aluga ouvidos para descarregar sua ira ou frustração? Há os que querem audiência cativa, um auditório, mesmo que de uma pessoa apenas, para se exibirem. Já notou a conversa das pessoas nas ruas, ônibus, filas de ônibus, lanchonetes? Como elas contam vantagens e se exibem? Há sempre pessoas contando histórias em que elas são heroínas. Cuidado com isto. As pessoas têm carências emocionais muito grandes, entre elas a de aceitação, de serem bem vistas, de serem respeitadas e admiradas. O conselheiro é visto como uma pessoa cuja admiração deve ser conquistada. Mas não pode ser manipulado. E seu tempo não deve ser gasto em contemplação de pessoas. Menos ainda sua atividade pastoral pode ser usada para validar comportamentos vaidosos.

Lidando com a pessoa que não ouve, apenas fala, pergunte-lhe, após algum tempo ouvindo-a: “Exatamente, o que você espera de mim?”. Procure, com gentileza, levar a pessoa a refletir sobre o que está fazendo ali. Se ela disser que é apenas um desabafo, ótimo. Ouça seu desabafo. Ela precisa disso. Mas se nada tem a dizer, desejando apenas um auditório cativo, há um problema. Seu tempo é para ser usado com pessoas necessitadas, e gabinete pastoral não é sala de espera nem lugar de passatempo, e o pastor-conselheiro não é ouvido cativo para qualquer coisa.

Nunca seja grosseiro, mas nunca seja um poste. Há um livro de aconselhamento popular cujo título é muito interessante: Cuidado com os vampiros emocionais. Você encontrará pessoas que apenas sugam e querem que você seja passivo. Uma pessoa me procurou durante quase um ano de aconselhamento, e sempre para abordar o mesmo problema. A solução era visível, mas a pessoa nunca a consumava. Depois de tanto tempo tratando da mesma questão (quase que podia gravar o que dizia numa reunião para fazê-la ouvir na outra), precisei perguntar: “Além de alugar meus ouvidos e de se lamentar, o que você pretende, realmente?”. Talvez tenha sido pouco delicado de minha parte, mas entendi que já havia tempo e relacionamento com a pessoa que me permitia agir desta maneira. Graças a Deus ela entendeu que a solução era clara, estava em suas mãos e era questão apenas de executá-la. E ela fez o que devia. Mas durante quase um ano apenas falou. Avistar-se comigo não era solução, mas agravava o problema, porque quando alguém lhe falava sobre a situação que ela enfrentava, sua resposta-desculpa era: “Estou me aconselhando com o pastor”. Não estava se aconselhando com o pastor. Estava usando o pastor para justificar sua imobilidade. E o pastor estava ficando com a imagem de quem aconselhava sem aconselhar, na realidade. Esta é uma das preocupações que o conselheiro deve ter. Ele será usado por pessoas, em várias circunstâncias. Cuidado com o que o fala e cuidado como se porta. Cuidado com o que não fala e cuidado com o que deixa de fazer, como não se porta.

5. LIDANDO COM PESSOAS – O QUE QUER SE JUSTIFICAR

Quando Jesus se defrontou com os doutores da lei, em certa ocasião, um deles sentiu-se acuado. Diz Lucas 10.29: “Porém o professor da Lei, querendo se desculpar, perguntou: – Mas quem é o meu próximo?”. Muitas vezes, sem respostas, as pessoas querem se justificar, e apresentam desculpas.

Um jovem, certa vez, disse ao pastor que estava sendo assediado por sua chefe. E que seu emprego estava em risco se ele não aceitasse sair com ela. Já disposto a sair com ela, procurou o pastor, e depois de expor a situação, fez esta observação: “Pois é, pastor, antigamente os homens é que davam em cima das mulheres. Hoje as mulheres dão em cima dos homens. Os tempos mudaram. A Bíblia não podia prever uma situação dessas”. Calmamente, o pastor lhe perguntou: “Você já leu a história de José do Egito?”. O rapaz não queria aconselhamento. Já decidira que ia pecar e buscava apenas justificativa. Lembre-se, conselheiro: as pessoas não gostam que seus erros e pecados venham à tona. Tentam fazer aventais de folhas de figueira para si, ou acusam os outros pelos seus pecados. Sua função não é acusar. O Diabo é o acusador (Ap 12.10) e o Espírito Santo é o convencedor (Jo 16.8). Você não deve fazer o trabalho nem de um nem de outro. Sua função é ser um instrumento e deixar que o Espírito faça a obra. Não acuse nem tente convencer. Apenas mostre a Palavra de Deus.

Tenho observado que muita gente procura o pastor para obter confirmação do que já decidiu. Elas não procuram orientação, mas apoio para questões já assumidas. Podem até ter feito uma decisão acertada (e são elas que devem tomar sua decisão, e não o pastor), mas o conselheiro precisa ter bastante cautela. Já vivi a experiência muito desagradável de ver um homem, que abandonou a esposa, ter usado minhas palavras para sua aventura extraconjugal. Por isso, tenha cuidado. Seja bem claro no que diz, e em alguns momentos seja mesmo assertivo. No caso em tela, eu disse: “Bem, você é quem deve tomar a decisão sobre o que vai fazer”, não como conclusão da conversa, mas em algum momento da conversa. Ele tomou esta frase como desculpa. Hoje eu diria, claramente, que ele está errado, que deveria se apresentar diante de Deus pedindo forças e restauração do seu matrimônio. Paguei pela falta de clareza.

O jargão mais empregado hoje, como desculpa para fazer coisas erradas, é “Eu tenho o direito de ser feliz!”. As pessoas fogem da palavra “dever” como alguns cristãos de hoje fogem da cruz. Mas não pode haver direitos sem a contrapartida dos deveres. As pessoas têm o dever de fazerem as coisas certas, de serem honestas e íntegras. Nunca acharão felicidade cometendo o erro. A consciência as acusará, e depois haverá conseqüências. A preocupação do conselheiro não deve ser a de agradar, mas a de esclarecer. Ele não decide, mas deverá deixar claro para o aconselhando as conseqüências de suas decisões. Eis uma citação muito simples de Luiz Marins: “Uma das maiores pretensões que muita gente tem é a de querer agradar a todo mundo. Isso simplesmente não existe. Nem Cristo agradou a todo mundo em sua época. Por isso digo que é uma atitude pretensiosa querer agradar a todos”[4]. Desagradar às pessoas é muito arriscado, em nossas igrejas, principalmente se as pessoas desagradadas são poderosas na igreja. Muito pastor já perdeu pastorado por não se curvar. Não é necessário ser desagradável, mas é indispensável ser honesto.

A pessoa que quer se justificar pode se valer de lisonjas ou passar por vítima. No primeiro caso, ela o elogia, procurando desarmá-lo e trazê-lo para o lado dela. No segundo, procura levá-lo a se condoer dela. Afinal, quem está sofrendo merece compaixão e não crítica. Preste bastante atenção quando a conversação sair da área dos fatos e entrar na área de sentimentos e de interpretações subjetivas. Uma boa atitude é a de sempre procurar uma razoável objetividade. Sei que é difícil, em casos que envolvem emoções, manter-se objetivo. Mas o conselheiro deve evitar opinar em casos que o envolvam diretamente, ou alguém de sua família (em casos de relacionamentos na igreja), e manter sempre o foco no ensino bíblico.

Dizer que a pessoa deve cumprir ou obedecer a Bíblia será de pouco valor. É melhor perguntar: “O que você acha que a Bíblia diz sobre o assunto?”. Muitas vezes, a pessoa interpretará a Bíblia de modo que lhe agrade. Lembremos de Pedro, falando das cartas de Paulo: “Nas cartas dele há algumas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e os fracos na fé explicam de maneira errada, como fazem também com outras partes das Escrituras Sagradas. E assim eles causam a sua própria destruição.” (2Pe 3.16). Evite o bate-boca bíblico. Cite a Bíblia, cite outra passagem, refute, e depois deixe com a pessoa a decisão. Apenas não permita que a Palavra de Deus seja torcida para apoiar posições erradas.

6. LIDANDO COM PESSOAS – A QUE DESEJA BAND-AID ESPIRITUAL

Muitos dos problemas dos crentes são causados pelo Maligno e outros por pessoas que erram com elas. Mas eles também criam seus próprios problemas, quando vivem em desarmonia com a Palavra de Deus. Há gente que tem dificuldades financeiras porque ganha pouco, mas uma parcela enorme dos problemas financeiros não é causada pelo pouco que a pessoa ganha, mas pelo muito que ela gasta. Uma das questões essenciais para o conselheiro é descobrir qual a fonte dos problemas do aconselhando. Nem sempre é externa. Muitas vezes é interna, causada por ele. A pessoa não quer resolver, mas deseja apenas um curativo. O aconselhamento é visto por ela como se fosse um band aid, algo que mitiga o problema, mas não o resolve.

Numa determinada igreja, havia uma jovem que sempre tinha dificuldades financeiras. O tesoureiro da igreja era especialista em administração financeira, e um dia sentou-se com ela, perguntou quanto ela ganhava, ensinou-a a fazer um orçamento e deu-lhe dicas de como proceder. Aquela jovem se tornou madura na área de finanças. Um irmão mais atilado notou e a ajudou. Ele viu a causa dos problemas. Esta é a questão: qual a causa do problema?

Procure, então, descobrir a causa, ao invés de tratar apenas das consequências. Nem sempre as pessoas querem mexer numa área delicada de sua vida, e querem apenas remediar a situação. O problema continuará e sempre haverá crises na vida da pessoa. O conselheiro mais lúcido procurará ir à raiz da questão: “Parece que volta e meia este problema aparece em sua vida, não é? A que você atribui isso?”. A pessoa poderá até não querer tratar do assunto, mas será chamada à reflexão sobre ele. Uma pessoa com muitas dificuldades relacionais, sempre se justificava dizendo que tinha “temperamento forte”. Um dia, um conselheiro lhe disse: “Você já pensou no ensino de Provérbios que diz forte é a pessoa que se controla? Pense se seu temperamento não é fraco, na realidade”. A pessoa retrucou: “O senhor está dizendo que sou um crente fraco?”, já indignada. O conselheiro apenas ponderou: “Não estou afirmando isto, mas já que você tocou no assunto, à luz dos ensinos de Provérbios sobre o autocontrole, o que você acha disso?”.

Com propriedade, ao invés de emitir opinião sobre o assunto (e logo o aconselhado usaria o “Não julgueis” em sua defesa), o conselheiro levou o aconselhado a emitir opinião sobre si mesmo. E a reflexão baseada na Bíblia. Um hino antigo, muito cantado no Dia da Bíblia, diz: “És espelho, martelo e espada, és o amigo melhor do cristão”. Ela é a melhor amiga do conselheiro e sua fonte de trabalho. Ele deve levar a pessoa a se ver na Bíblia, e a ver a orientação para seus problemas na Palavra Sagrada. Ela deve ser o espelho que ele usa para o aconselhando se ver a si mesmo.

Quando a pessoa quer apenas band aid espiritual é oportuno evitar aceitar seu jogo. Num determinado momento, sim, a pessoa precisa de um curativo. Mas o conselheiro deve saber que seu papel não é apenas de passar mertiolate (do tempo em que se usava mertiolate) nos arranhões, mas ajudar a pessoa a não se arranhar mais. Procure sempre entender o que está por trás da situação. Preste atenção no que não foi dito, naquilo que a pessoa tenta ocultar ou naquilo que ela logo descarta. Não seja um investigador, mas esteja sempre atento. Num aconselhamento, nem sempre o que se diz é o mais importante, mas sim aquilo que a pessoa tenta esconder.

7. ALGUMAS SUGESTÕES COMPLEMENTARES

Alinhavo, a seguir, algumas sugestões que complementam esta série de quatro palestras sobre o aconselhamento pastoral.

(1) Prepare-se antes da entrevista e prepare-se sempre. Temos o hábito de fazer uma oração rápida antes do culto, de mãos dadas, com o pessoal dos instrumentos. Isto dá uma aparência de que o culto será espiritual e abençoado porque fizemos aquela oração com ar compungido. Começamos o culto com uma oração, porque caso contrário, Deus não vai abençoar aquele culto. Oração não é pontilear (ou como usam hoje, em mau gosto lingüístico, “pontual”), mas deve ser uma prática na vida do obreiro. Se o encontro foi agendado, ore antes dele. Peça sabedoria a Deus. Peça para ele lhe dar as palavras certas e iluminar sua mente. Aliás, seus primeiros momentos devocionais do dia devem ser pedindo sabedoria a Deus para agir corretamente, não pecar e não falhar.

(2) Seja amigável, mas evite a intimidade e o excesso de camaradagem que pode impedir sua ação como conselheiro pastoral. O pastor deve ser amigo, mas nunca deve perder sua postura pastoral. Principalmente no aconselhamento com o sexo oposto. Uma vez, uma jovem que aconselhei me perguntou se podia me dar um beijo de gratidão, no rosto. Disse um “obrigado” estava bom. Em público, não soaria mal, mas em privado é pouco recomendável. Seja cauteloso. Cautela e caldo de galinha nunca mataram ninguém, a não a ser a galinha. Mas isto, a morte da galinha, é outra história.

(3) Se o aconselhamento for a longo prazo, peça permissão para fazer anotações. Depois, releia-as, ponha em ordem, passe a limpo. É uma maneira de guardar as informações, até na mente (o processo de passar a limpo ajuda a memorizar) e saber o que está se passando com a pessoa.

(4) No encontro posterior, recapitule com a pessoa o que anotou. Pergunte se está certo o que anotou, se ela deseja modificar alguma coisa do que disse (não de como está, mas do que disse). As anotações são o histórico do aconselhamento.

(5) Guarde as anotações consigo, em segurança. Um pastor guardava todas as informações de aconselhamento no computador, emitindo opiniões sobre os aconselhandos. Um dia, uma pessoa eficiente em informática invadiu seu computador, copiou os dados, com suas opiniões, e despachou pela lista de emails da igreja. Foi um transtorno.

(6) Nunca use as anotações fora do processo de aconselhamento.


CONCLUSÃO

Uma boa palavra, dita em um momento de necessidade, pode salvar uma vida. Por isso, sejamos cuidadosos no falar. Podemos levantar uma pessoa e ser os instrumentos de Deus para que ele restaure alguém. Nunca sejamos negligentes na nossa missão. Nem nos envaideçamos.

Somos instrumentos. Apenas isto. E para ser bem usado, o instrumento precisa estar bem preparado. Lembremos disto e sejamos instrumentos bem preparados.


[1] MACKINNON, e MICHELS. A entrevista psiquiátrica. 3ª. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981, p. 19.
[2] HURDING, Roger: A árvore da cura. S. Paulo: Edições Vida Nova, 1995, p. 139.
[3] CRABB, Lawrence Jr. Como compreender as pessoas: fundamentos bíblicos e psicológicos para desenvolver relacionamentos saudáveis. S. Paulo: Editora Vida, 1998, p. 68.
[4] MARINS, Luiz. Livre-se dos corvos. S. Paulo: Harbra, 2003, p. 23.


http://www.isaltino.com.br/2011/11/a-pratica-do-aconselhamento-pastoral/

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