No dia 31 de Outubro de 1517, na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg, na Alemanha, Lutero afixou as suas 95 teses que acabaram
provocando o grande movimento religioso, conhecido como a Reforma do
Século XVI. Nelas Lutero convidava os interessados a debater a questão
das indulgências (que eram vendidas para a construção da Basílica de S.
Pedro, em troca de perdão de pecados) e os males que esse tráfico
religioso podia acarretar. Era costume na época afixar em lugares
públicos temas ou teses para debate e convidar os interessados para
discuti-los. Embora ninguém tivesse comparecido para o debate, em pouco
tempo toda a Alemanha conhecia as teses de Lutero, que lhe custaram a
bula de excomunhão, mas que representaram também o começo da obra de
purificação da Igreja e seu retorno à verdade.
Em suas teses,
Lutero questionava o poder (ou mesmo a intenção) do Papa de perdoar
pecados ou de isentar alguém de penas, a não ser aquelas por ele mesmo
impostas. Negava que esse perdão (de penas ou penitências) pudesse se
estender aos que já haviam morrido e que, porventura, estivessem no
purgatório. Para ele, só o arrependimento, seguido de atos de amor e
penitência, com ou sem carta de perdão (indulgência) podia realmente
perdoar pecados. Destacava o valor da Palavra de Deus, a qual não
deveria ser silenciada em benefício da pregação das indulgências. A
intenção do Papa, dizia, deve ser esta: se a concessão dos perdões – que
é matéria de pouca importância – é celebrada pelo toque de um sino, com
uma procissão e com uma cerimônia, então o Evangelho – que é a coisa
mais importante – deve ser pregado com o acompanhamento de cem sinos, de
cem procissões e de cem cerimônias (tese 55) e, ainda, o verdadeiro
tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus
(tese 62). Negava que a cruz adornada com as armas papais (que era
carregada pelos vendedores de indulgências) tivesse o mesmo efeito que a
cruz de Cristo (tese 79). Muitas outras questões foram levantadas nas
teses, as quais acabavam batendo na própria autoridade do Papa e na
lisura de suas intenções. Lutero afirmava: Essa licenciosa pregação dos
perdões torna difícil, mesmo a pessoas estudadas, defender a honra do
Papa contra calúnia, ou pelo menos contra as perguntas capciosas dos
leigos. Esses perguntam: Por que o Papa não esvazia o purgatório por um
santíssimo ato de amor e das grandes necessidades das almas; isto não
seria a mais justa das causas, visto que ele resgata um número infinito
de almas por causa do sórdido dinheiro dado para a edificação de uma
basílica que é uma causa bem trivial? … Que misericórdia de Deus e do
Papa é essa de conceder a uma pessoa ímpia e hostil a certeza, por
pagamento de dinheiro, de uma alma pia em amizade com Deus, enquanto não
resgata por amor espontâneo uma alma que é pia e amada, estando ela em
necessidade?… As riquezas do Papa hoje em dia excedem muito à dos mais
ricos Crassos; não pode ele então construir uma basílica de S. Pedro com
seu próprio dinheiro, em vez de fazê-lo com o dinheiro dos fiéis? …
Abafar esses estudados argumentos dos fiéis apelando simplesmente para a
autoridade papal em vez de esclarecê-los mediante uma resposta
racional, é expor a Igreja e o Papa ao ridículo dos inimigos e tornar os
cristãos infelizes (teses 81, 82, 84, 86 e 90).
Com essas e
outras proposições Lutero alcançou mais do que podia imaginar. Atingiu o
ponto crucial do problema: a situação de distanciamento do Evangelho em
que se encontrava a Igreja. Os males da Igreja não eram apenas os seus
desvios morais, econômicos e políticos, que a colocavam em descrédito
perante o povo. Seu problema principal, responsável também por estes,
era o afastamento das doutrinas fundamentais da Palavra de Deus. A
Reforma trouxe a Igreja de volta às Escrituras e ao Evangelho pregado
pelos apóstolos. O próprio Lutero, de início, não estava totalmente
livre dos erros pregados por sua Igreja, como muito bem atesta sua
crença no purgatório (teses 10, 11, 15, 16, 17, 22, etc), e no valor da
penitência (sofrimento) e do perdão do Papa para certos pecados (teses
6, 7, 8,12, 34, 38, 40, etc.). Foi o estudo da Bíblia que revelou quão
longe a Igreja estava afastada da verdade e a trouxe de volta à pureza
de sua crença primitiva. A Reforma restituiu à Igreja a crença em
doutrinas chaves, que se tornaram essenciais para a sua pregação e para
distingui-la dos erros que continuaram e ainda são mantidos pela Igreja
Romana até os nossos dias. É a importância dessas doutrinas, conhecidas
por sua designação latina Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia,
Sola Fide e Soli Deo Gloria, que queremos apresentar, ainda que de forma
breve, neste estudo.
1. Sola Scriptura – “Somente a Escritura”, ou a autoridade e suficiência das Escrituras.
Para
os reformadores, somente a Escritura Sagrada tem a palavra final em
matéria de fé e prática. É o que ficou consubstanciado nas Confissões de
Fé de origem reformada. A Confissão de Fé de Westminster, que adotamos,
afirma: Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita,
incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento, … todos
dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática.
A
autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e
obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas
depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem,
portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus… O Velho
Testamento em Hebraico… e o Novo Testamento em Grego…, sendo inspirados
imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência
conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim
em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como
para um supremo tribunal… O Juiz Supremo, pelo qual todas as
controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão
examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos
escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o
Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro
senão o Espírito Santo falando na Escritura.(I, 2,4,8,10).
A
Igreja Católica Romana também aceita as Escrituras como Palavra de Deus,
mas não só as Escrituras. Ela acredita que as decisões da Igreja
através dos seus concílios e do Papa, quando fala oficialmente (ex
cathedra) em matéria de fé e de moral, são igualmente a palavra de Deus,
infalível. É o que se chama de Tradição da Igreja. Sobre a autoridade
da Igreja e do Papa, assim diz um autor católico: “Cristo deu à Igreja a
tarefa de proclamar sua Boa-Nova (Mt 28, 19-20). Prometeu-nos também
seu Espírito, que nos guia”para a verdade” (Jo 16,13). Este mandato e
esta promessa garantem que nós, a Igreja, jamais apostataremos do
ensinamento de Cristo. Esta incapacidade da Igreja em seu conjunto de
extraviar-se no erro com relação aos temas básicos da doutrina de Cristo
chama-se infalibilidade… A infalibilidade sacramental da Igreja é
preservada pelo seu principal instrumento de infalibilidade, o Papa. A
infalibilidade que toda a Igreja possui, pertence ao Papa dum modo
especial. O Espírito de verdade garante que quando o Papa declara que
ele está ensinando infalivelmente como representante de Cristo e cabeça
visível da Igreja sobre assuntos fundamentais de fé ou de moral, ele não
pode induzir a Igreja a erro. Esse dom do Espírito se chama
infalibilidade papal. Falando da infalibilidade da igreja, do Papa e dos
Bispos, o Concílio Vaticano II diz: “Esta infalibilidade, da qual quis o
Divino Redentor estivesse sua Igreja dotada… é a infalibilidade de que
goza o Romano Pontífice, o Chefe do Colégio dos Bispos, em virtude de
seu cargo… A infalibilidade prometida à Igreja reside também no Corpo
Episcopal, quando, como o Sucessor de Pedro, exerce o supremo
magistério” (Lúmen Gentium, nº 25) –
(http://www.geocities.com/Augusta/3540/doutrina.htm).
Sobre a
relação entre as Sagradas Escrituras e a Tradição, diz esse mesmo autor:
O Concílio Vaticano II descreve a Sagrada Tradição e as Sagradas
Escrituras como sendo “semelhante a um espelho em que a Igreja
peregrinante na terra contempla a Deus” (Constituição Dogmática Dei
Verbum, sobre a Revelação Divina, nº 7). A palavra revelada de Deus
chega até você mediante palavras faladas e escritas por seres humanos. A
Escritura Sagrada é a Palavra de Deus “enquanto é redigida sob a moção
do Espírito Santo” (Dei Verbum, nº 9). A Sagrada Tradição é a
transmissão da Palavra de Deus pelos sucessores dos apóstolos. Juntas, a
Tradição e a Escritura constituem um só sagrado depósito da palavra de
Deus, confiado à Igreja”(Dei Verbum, nº 10). E mais adiante acrescenta: A
Sagrada Tradição é a transmissão da Palavra de Deus. Esta transmissão é
feita oficialmente pelos sucessores dos apóstolos, e não oficialmente
por todos os que cultuam, ensinam e vivem a fé, tal como a Igreja a
entende. (Ibidem).
No dias de Lutero a Igreja Romana já pensava
assim e assim pensa até hoje. Na prática, a Tradição está acima da
Bíblia para o catolicismo. Já que cabe à Igreja transmitir e interpretar
a Bíblia, com igual autoridade e infalibilidade, é a palavra da Igreja,
em última instância, que tem valor. O escritor católico, acima
referido, diz: O Vaticano II fez o que a Igreja docente sempre tem
feito: expressou o conteúdo imutável da revelação, traduzindo-o para
formas de pensamento do povo de acordo com a cultura de hoje. Mas esta
“tradução do conteúdo imutável” não é como que vestir notícias velhas
com linguagem nova. Como afirmou o Vaticano II: “Esta Tradição, oriunda
dos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo.
Cresce, com efeito, a compreensão tanto das coisas como das palavras
transmitidas… no decorrer dos séculos, a Igreja tende continuamente para
a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de
Deus”. (Dei Verbum, nº 8).
Pelo Vaticano II a Igreja deu ouvidos
ao Espírito, empenhou-se na sua “tarefa de perscrutar os sinais dos
tempos e interpretá-los à luz do Evangelho” (Constituição Pastoral
Gaudium et Spes sobre a Igreja no Mundo Moderno, nº 4). Nem sempre é
claro aonde o Espírito está nos conduzindo. Mas o terreno no qual nós, a
Igreja, caminhamos adiante da nossa peregrinação é firme: o Evangelho
de Cristo. Nesta etapa da nossa história, um de nossos instrumentos
básicos de Tradição – de transmissão da fé – são os documentos do
Vaticano II (Ibidem).
Por este texto percebe-se que a Igreja
Romana arroga a si não só a autoridade de interpretar e contextualizar a
Bíblia, de modo infalível, mas a de continuar a sua revelação. Por isso
a leitura da Bíblia pelos leigos não é vista como necessária; e, em
alguns casos, é tida até como perigosa. A Reforma ensinou o livre exame
das Escrituras. Qualquer pessoa tem o direito e até o dever de examinar,
por si mesma, se o ensino da Igreja está de acordo com as Escrituras.
Foi o que fizeram os crentes de Beréia, pelo que foram elogiados (At
17:11). A Igreja pode errar e tem errado. A infalibilidade deve ser
atribuída apenas ao texto bíblico, não aos que o interpretam. Em nenhum
lugar da Bíblia lemos que a promessa, dada aos apóstolos, de que o
Espírito os conduziria a toda a verdade se estenderia aos demais líderes
da Igreja, em todos os tempos. Jesus prometeu-lhes que o Espírito não
só os guiaria a toda verdade (Jo 16:13), mas lhes ensinaria todas as
coisas e os faria lembrar de tudo o que lhes tinha dito (Jo 14:26). Isto
só poderia aplicar-se a eles, os apóstolos. Só eles ouviram o que Jesus
disse para poder lembrar-se depois, não os bispos nem os papas. A
infalibilidade do Papa (e, por extensão, da Igreja) só foi declarada
como dogma em 1870, no Concílio Vaticano I. Tal dogma, naturalmente,
serviu ao propósito de dar “legitimidade” aos inúmeros ensinos
contrários às Escrituras, tanto os já anteriormente estabelecidos como
outros que viriam depois, como a oração pelos mortos (310), a
instituição da missa substituindo o culto (394), o culto a Maria (431), a
invenção do purgatório (503), a veneração de imagens (783), a
canonização dos santos (933), o celibato clerical (1074), o perdão
através da venda de indulgências (1190), a hóstia substituindo a Ceia
(1200), a adoração da hóstia (1208), a transubstanciação (1215), a
confissão auricular (1216), os livros apócrifos como parte do cânon
(1546), o dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854) e o dogma da
Assunção de Maria (1950), dentre outros.
Lutero se opôs
naturalmente a esse ensino da Igreja. Já nas suas teses proclamava que
comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se
concede tempo igual, ou mais longo, às indulgências do que à palavra de
Deus (tese 54) e que o verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto
Evangelho da glória e da graça de Deus (tese 62). Comparava o Evangelho
como “redes com que, desde a antiguidade, se pescam homens de bem”
enquanto que as indulgências eram “redes com que agora se pescam os bens
dos homens” (teses 65 e 66). Mas foi na Dieta de Worms, em 1521, que
demonstrou estar totalmente convencido de que as Escrituras eram a sua
única autoridade reconhecida. Quando perguntado se estava disposto a se
retratar das afirmações que fizera, negando autoridade a certas decisões
de alguns concílios, sua resposta foi: É impossível retratação, a não
ser que me provem que estou laborando em erro, pelo testemunho das
Escrituras ou por uma razão evidente; não posso confiar nas decisões dos
concílios e dos Papas, pois é evidente que eles não somente têm errado,
mas se têm contradito uns aos outros. Minha consciência está alicerçada
na Palavra de Deus, e não é seguro nem honesto agir-se contra a
consciência de alguém. Assim Deus me ajude. Amém.
Tanto a
autoridade única como também a suficiência das Escrituras têm sido
doutrinas preciosas para as igrejas reformadas. Só a Escritura e toda a
Escritura! Não precisamos de outra fonte para saber o que devemos crer e
como devemos agir. Hoje há uma tendência para se colocar a experiência
humana e supostas revelações do Espírito no mesmo nível de autoridade
das Escrituras, por parte de alguns grupos evangélicos. Na prática, às
vezes essas experiências acabam se tornando mais desejadas e tidas como
mais valiosas do que o próprio ensino das Escrituras. Tomam hoje o lugar
que, no passado, tomava a Tradição. É preciso que voltemos ao princípio
da Sola Scriptura, se queremos ser realmente reformados em nossas
convicções e práticas. A Escritura, e não a nossa experiência subjetiva,
deve ser o nosso critério de verdade. Nossa pregação não deve visar o
que agrada aos homens, mas o que agrada a Deus. Já dizia Lutero que os
tesouros das indulgências eram muito mais populares dos que os tesouros
do Evangelho (teses 63 e 64), e isso, certamente, porque faziam as
pessoas se sentirem bem, aliviadas do sentimento de culpa, pela
promessa, ainda que falsa, de perdão de pecados. Só a pregação da Lei
associada ao Evangelho pode realmente trazer o homem ao arrependimento e
ao perdão divino. As Escrituras são a espada do Espírito. É por elas, e
não independente delas, que o Espírito age. Nossas experiências
espirituais só têm valor se forem produzidas pela persuasão da Palavra.
2. Solus Christus – “Somente Cristo”, ou a suficiência e exclusividade de Cristo.
O
Catolicismo Romano afastou-se do Evangelho e instituiu o culto a Maria,
já em 431, o culto às imagens, em 787, e a canonização dos santos, em
933. Instituiu também a figura do sacerdote como vigário de Cristo, a
quem devem ser confessados os pecados e a quem supostamente foi
conferido poder para perdoá-los, mediante a prescrição de penitências.
Um dos pontos centrais das teses de Lutero tinha a ver exatamente com o
poder do Papa e dos sacerdotes de perdoar pecados, que ele questionava,
pelo menos no que diz respeito aos mortos. Dizia ele: O Papa não tem o
desejo nem o poder de perdoar quaisquer penas, exceto aquelas que ele
impôs por sua própria vontade ou segundo a vontade dos cânones. O Papa
não tem o poder de perdoar a culpa a não ser declarando ou confirmando
que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoando os casos que
lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações a culpa
permaneceria. Os cânones da penitência são impostos unicamente sobre os
vivos e nada deveria ser imposto aos mortos segundo eles (teses 5, 6 e
8). Mas admitia o sacerdote como vigário de Deus, perante quem Deus
podia perdoar a culpa, mediante humilhação do penitente ( tese 7). Só
mais tarde Lutero se libertou totalmente de alguns desses ranços de sua
formação católica. Nem poderia ser diferente. Quando ele escreveu as
teses, era ainda um monge católico romano.
O que o catolicismo
ensina a respeito de Cristo não é diferente daquilo que professamos em
nossos credos. A encarnação, nascimento virginal, divindade, morte
vicária e ressurreição são cridos e ensinados. O problema é que a Igreja
Romana não crê na suficiência e exclusividade da obra de Cristo para a
salvação. Maria é erigida à posição de intercessora e até co-redentora
(não oficialmente, ainda) e os santos entram também com os méritos de
sua intercessão para a obra salvífica. O autor católico, acima citado,
assim se refere a Maria: No seu livro “Maria em Sua Vida Diária”, o
teólogo Bernardo Häring observa: “O Concílio Vaticano II coroou a
Constituição Dogmática sobre a Igreja com um belo capítulo sobre Maria,
como protótipo e modelo da Igreja. A Igreja não pode chegar a entender
plenamente a união com Cristo e o serviço a seu Evangelho, sem um amor e
um conhecimento profundos de Maria, Mãe de Nosso Senhor e nossa Mãe”.
Com uma visão penetrante na natureza profundamente pessoal da salvação, o
Vaticano II abordou o influxo de Maria em nossas vidas.
Por ser
mãe de Jesus, Maria é a Mãe de Deus. É o que afirma o Vaticano II: “Na
Anunciação do Anjo, a Virgem Maria recebeu o Verbo de Deus no coração e
no corpo, e trouxe ao mundo a Vida. Por isso, é reconhecida e honrada
como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor”(Lumen Gentium, nº 53).
Como
Mãe do Senhor, Maria é uma pessoa inteiramente singular. Como seu
Filho, ela foi concebida como ser humano (e viveu toda a sua vida)
isenta de qualquer vestígio do pecado original, isto se chama sua
Imaculada Conceição. Antes, durante e após o nascimento de seu filho
Jesus, Maria permaneceu fisicamente virgem. No final da sua vida Maria
foi assunta – isto é, elevada – ao céu, de corpo e alma; a isso chamamos
sua Assunção.
Na qualidade de Mãe de Cristo, cuja vida vivemos,
Maria é também a mãe de toda a Igreja. Ela é membro da Igreja, mas um
membro totalmente singular. O Vaticano II exprime sua relação conosco
como a de um membro supereminente e de todo singular da Igreja, como seu
modelo… na fé e na caridade. “E a Igreja católica, instruída pelo
Espírito Santo, honra-a com afeto de piedade filial como mãe
amantíssima”(Lumen Gentium, nº 53).Como Mãe do Senhor, Maria é uma
pessoa inteiramente singular. Como seu Filho, ela foi concebida como ser
humano (e viveu toda a sua vida) isenta de qualquer vestígio do pecado
original, isto se chama sua Imaculada Conceição. Antes, durante e após o
nascimento de seu filho Jesus, Maria permaneceu fisicamente virgem. No
final da sua vida Maria foi assunta – isto é, elevada – ao céu, de corpo
e alma; a isso chamamos sua Assunção.
Na qualidade de Mãe de
Cristo, cuja vida vivemos, Maria é também a mãe de toda a Igreja. Ela é
membro da Igreja, mas um membro totalmente singular. O Vaticano II
exprime sua relação conosco como a de um membro supereminente e de todo
singular da Igreja, como seu modelo… na fé e na caridade. “E a Igreja
católica, instruída pelo Espírito Santo, honra-a com afeto de piedade
filial como mãe amantíssima”(Lumen Gentium, nº 53).
Como uma mãe
que aguarda a volta dos seus filhos adultos para casa, Maria nunca cessa
de influenciar o curso de nossas vidas. Diz o Vaticano II: “Ela
concebeu, gerou, nutriu a Cristo, apresentou-o ao Pai no templo,
compadeceu com seu Filho que morria na cruz… Por tal motivo ela se
tornou para nós Mãe, na ordem da graça”(Lumen Gentium, nº 61). “por sua
maternal caridade cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam na
terra rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à
feliz pátria”(Lumen Gentium, nº 62).
Essa Mãe, que viu seu próprio
Filho feito homem morrer pelo resto de seus filhos, está esperando e
preparando seu lugar para você. Ela é, nas palavras do Vaticano II, seu
“sinal da esperança segura e do conforto” (Lumen Gentium, nº 68)
(Ibidem)
Com relação aos santos, diz esse autor: A igreja venera
também os outros santos que já estão com o Senhor no céu. São pessoas
que serviram a Deus e ao próximo dum modo tão notável, que foram
canonizados, isto é, a Igreja declarou oficialmente heróicos, e nos
exorta a rezarmos a eles, pedindo sua intercessão por todos nós junto a
Deus. E ainda, A Comunhão dos santos é uma rua de mão dupla:.. o
Vaticano II afirma que, assim como você na terra pode ajudar aqueles que
sofrem o purgatório, assim os que estão no céu podem ajudá-lo na sua
peregrinação, intercedendo por você junto de Deus (Ibidem).
Embora
a Igreja Católica não tenha ainda proclamado oficialmente o dogma de
Maria como co-redentora, o que vem sendo buscado por muitos de seus
cultuadores (até agosto de 1997 o atual papa já havia recebido 4.340.429
assinaturas de 157 países solicitando que ele exercesse o poder da sua
infalibilidade para proclamar o dogma de que “a Virgem Maria é
co-redentora, mediadora de todas as graças e advogada do povo de Deus”,
cf. http://www.msantunes.com.br/juizo/odesvirt.htm), na prática ela é
assim considerada e com o apoio e ensino explícito do clero. No boletim
diocesano da cidade de Itabuna (BA), assim se expressa Dom Ceslau
Stanula, bispo da diocese: “Maria Co-Redentora – Mês de maio, um dos
mais lindos do ano, a humanidade dedicou a Nossa Senhora. Quase em todas
as igrejas e capelas diariamente neste mês, o povo se reúne para cantar
ladainhas e louvores a nossa Senhora. Nossa Senhora é invocada,
venerada e cultuada pelas razões muito profundas e bíblicas. Maria é a
Mãe de Jesus que é Deus, Filho de Deus nosso Salvador, e portanto ela é a
Co-Redentora da humanidade”. E para consusbstanciar sua declaração cita
documento do Concílio Vaticano II que diz: “Assim de modo inteiramente
singular, pela obediência, fé, esperança e caridade, ela cooperou na
obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por
tal motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça”. (LG 61)
(http://www.snow.icestorm.net/siteverde/boletim1.htm)
Certamente
este não é o ensino da Bíblia. Ela nos diz que “há um só Deus e um só
Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2:5), que,
“por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a
Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7:25) e que “não há
salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro
nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At
4:12). Não precisamos de intercessão de Maria ou dos santos, nem têm
eles qualquer poder para tal. Quem disse “na casa de meu Pai há muitas
moradas… vou preparar-vos lugar”, foi Jesus e não Maria (Jo 14:2). A
obra de Cristo é suficiente para a nossa salvação. Maria e todos os
demais crentes só puderam ser salvos pela graça e mediação eficaz de
Cristo. Assim cantou ela: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu
espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na
humildade da sua serva. Pois, desde agora, todas as gerações me
considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome” (Lc 1:46-49). Quando o povo de Listra quis adorar a
Paulo e Barnabé, sua resposta foi a seguinte: Senhores, por que fazeis
isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos,
e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais
ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles (At
14:15). Os verdadeiros santos nunca reivindicaram qualquer poder, glória
ou honra para si mesmos. Certamente é falsa esta aspiração atribuída a
Maria: “Até que eu seja reconhecida no lugar em que a Santíssima
Trindade desejou que eu estivesse, eu não poderei exercer meu poder
totalmente, no trabalho materno de co-redenção e de mediação universal
das graças… (Nossa Senhora a Padre Gobbi, 14/06/80)” (http://www.geocities.com/Athens/Delphi/3665/milesp2.html)
Uma
outra conseqüência do princípio do Solus Christus foi a doutrina que
ficou conhecida como a do “Sacerdócio Universal dos Crentes”. Não
necessitamos de outro sacerdote ou mediador entre nós e Deus que não
seja o Senhor Jesus Cristo. Cada um pode chegar-se a Ele diretamente,
sem intermediários humanos. Como diz o autor aos Hebreus: “Tendo, pois, a
Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os
céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo
sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi
ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado.
Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim
de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião
oportuna” (Hb 4:14-16).
A Reforma trouxe à Igreja o Evangelho
simples dos apóstolos, centrado na suficiência e exclusividade da obra
de Cristo para a salvação. A velha confissão de Paulo foi de novo a
confissão dos reformadores: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a
Jesus Cristo e este crucificado” (1Co 2:2)
3. Sola Gratia – “Somente a Graça”, ou a única causa eficiente da salvação
Intimamente
ligado ao princípio do Solus Christus está o da Sola Gratia. A Bíblia
ensina que o homem é totalmente incapaz de fazer qualquer coisa para a
sua salvação. Está espiritualmente morto em delitos e pecados. Um morto
nada pode fazer sem que antes seja vivificado. Paulo ensina como se
operou a nossa salvação: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos
vossos delitos e pecados … e estando nós mortos em nossos delitos, nos
deu vida juntamente com Cristo, – pela graça sois salvos” (Ef 2:1,5).
Foi “pela graça”, diz Paulo, que fomos vivificados, estando nós mortos. A
doutrina da inabilidade total do homem para salvar-se foi um dos marcos
da Reforma. No seu livro De Servo Arbitrio (“A Escravidão da Vontade”),
Lutero nega que o homem tenha livre arbítrio, ou seja, a capacidade de
escolher entre o bem e o mal, depois da queda. Vendido ao pecado, o
homem não tem mais a habilidade para escolher o bem, pois sua vontade
está presa ou escravizada pelo pecado. Só pode e só quer escolher o
pecado. A salvação é, portanto, exclusivamente ato da livre e soberana
graça de Deus. Não só Calvino, como geralmente se pensa, mas também
Lutero e os demais reformadores deram grande ênfase na necessidade da
graça soberana de Deus para a salvação do homem. É por isso que a
eleição divina é incondicional.
Todavia, não era isso que a Igreja
ensinava nos dias da Reforma. O catolicismo, seguindo o pensamento de
Pelágio e, principalmente, de Tomás de Aquino, acreditava e ainda
acredita que o homem não está totalmente corrompido em sua vontade e
natureza. Ele precisa da graça de Deus, mas não no sentido regenerador,
como cremos. Segundo a teologia romana o homem pode conhecer a Deus
através de sua razão, conhecimento que é chamado de Teologia Natural. O
documento 1806 (Denzinger) do Concílio Vaticano I (1869-1870) diz:
“(Contra os que negam a teologia natural) – Qualquer que disser que o
Deus verdadeiro, nosso Criador e nosso Senhor, não pode ser conhecido
com verdadeira exatidão pelas coisas que foram feitas, pela luz natural
da razão humana, seja anátema (cf. 1785) (Cf. Denzinger 1810, 1812,
1816) (cf F.H. Klooster, Introduction to Systematic Theology (Grand
Rapids: Calvin Theological Seminary, 1985, pp. 182-183).
No artigo
católico que temos citado, encontramos como eles entendem o pecado
original: Com exceção de Jesus Cristo e de sua Mãe Maria, todo ser
humano nascido neste mundo está contaminado pelo pecado original. Como
São Paulo declara em Rom, 5, 12: “Por meio de um só homem o pecado
entrou no mundo e pelo pecado a morte, e assim a morte passou a todos os
homens porque todos pecaram”.
Embora continue a mostrar que há o
mal neste mundo, a Igreja não está sugerindo que a natureza humana
esteja corrompida. Ao contrário, a humanidade é capaz de fazer muito
bem. Não obstante sintamos uma “tendência para baixo”, ainda mantemos o
controle essencial sobre nossas decisões. Permanece a vontade livre. E –
o que é mais importante – Cristo, nosso Redentor, venceu o pecado e a
morte pela sua morte e Ressurreição. Essa vitória cancelou não apenas
nossos pecados pessoais, mas também o pecado original e seus propalados
efeitos. A doutrina do pecado original, portanto, entende-se melhor como
um escuro pano de fundo contra o qual pode ser aplicada, fazendo
contraste, a brilhante redenção adquirida para nós por Cristo, nosso
Senhor. (http://www.geocities.com/Augusta/3540/doutrina.htm).
Assim,
o catolicismo estabeleceu os sacramentos da Igreja (que para eles são
sete e não dois) como meios pelos quais o problema do pecado pode ser
tratado e a graça recebida. A Igreja torna-se medianeira ou mediadora da
graça de Deus. Daí o ensino de que “fora da Igreja não pode haver
salvação”, entendida “Igreja” aqui não como o número total dos eleitos
(sentido espiritual) mas como a organização (visível) que, supostamente,
detém o poder de distribuir e administrar a graça de Deus. No século
XVI o cardeal Roberto Belarmino assim descreveu a Igreja Romana: “A
única e verdadeira Igreja é a comunidade de homens reunidos pela
profissão da mesma fé cristã e pela comunhão dos mesmos sacramentos, sob
o governo dos legítimos pastores e especialmente do vigário de Cristo
na terra, o Romano Pontífice” (Ibidem). Mas vem de longa data esse
ensino. Assim se expressaram alguns dos papas do passado: Papa São
Gregório I (590-604): “Agora a Santa Igreja Universal proclama que
apenas dentro dela Deus pode ser realmente adorado, e que fora dela
ninguém pode ser salvo.” Papa Inocêncio III (1198-1216): “Realmente,
existe apenas uma Igreja Universal dos fiéis, fora da qual ninguém é
salvo. (…) Cremos com nossos corações e confessamos com nossos lábios
que existe apenas uma Igreja, não a dos hereges, mas a Santa Igreja
Católica e Apostólica Romana, fora da qual acreditamos que ninguém pode
ser salvo.” Papa Bonifácio VIII (1294-1303): “Nós declaramos, dizemos,
definimos e proclamamos que é absolutamente necessário para a salvação
de toda a criatura humana estar sujeita ao Pontífice Romano.” Papa
Eugênio IV (1431-1439): “A Santa Igreja Romana acredita, professa e
prega que todo aquele que permanece fora da Igreja Católica, não apenas
os pagãos, mas também judeus, heréticos e cismáticos, não tomarão parte
da vida eterna, mas irão para o fogo perpétuo, que foi preparado para o
diabo e seus anjos, a não ser que antes da morte eles se unam à Igreja. É
de tal modo importante a união com o corpo da Igreja, que seus
sacramentos são úteis para a salvação apenas para aqueles que permanecem
dentro dela, e jejuns, esmolas e outros trabalhos piedosos, assim como a
prática da guerra cristã, só proporcionarão recompensas eternas a eles
tão-somente.” Papa Leão X (1512-1517): “Onde a necessidade de salvação
se referir a todos os fiéis de Cristo, deverá estar sujeita ao Pontífice
Romano, como nos foi ensinado pelas Sagradas Escrituras, pelo
testemunho dos santos padres e pela constituição do nosso predecessor de
feliz memória, Bonifácio VIII.” http://www.msantunes.com.br/juizo/odesvirt.htm.
E
não pensemos que a Igreja Romana mudou. Recentemente o cardeal Joseph
Ratzinger, da Congregação para a Doutrina da Fé, o novo nome da velha
“Congregatio Propaganda Fide”, mais conhecida como Inquisição, “causou
escândalo” por afirmar na declaração Dominus Iesus, aprovada pelo papa,
que “a Igreja Católica é o verdadeiro caminho para a salvação” (Folha de
S. Paulo, de 27/09/2000, p. E8). Os mais ingênuos, que acreditam na
sinceridade do diálogo do Vaticano com as outras religiões (ecumenismo),
consideraram isso um retrocesso. Nada mais óbvio para a Igreja
Católica, que jamais abdicará desta posição, sob pena de admitir seus
erros e reconhecer-se falível.É por essa razão que a Igreja se julgava
no direito de distribuir o perdão de pecados através da venda das
indulgências, pela prescrição de penitências e outros atos de contrição.
Foi a Reforma que trouxe à luz a verdade da Sola Gratia, ensinada nas
Escrituras. Onde a total inabilidade do homem for negada e os pretensos
méritos humanos forem cridos, não haverá verdade bíblica. O homem nem
mesmo pode cooperar com a graça regeneradora do Espírito. A salvação não
é, em nenhum sentido, obra humana. Não são os métodos ou técnicas
humanas que operam a salvação, mas tão somente a graça regeneradora do
Espírito. A fé não pode ser produzida por uma natureza decaída e morta.
“Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados,
escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e
inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros. Quando, porém, se
manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com
todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua
misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do
Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus
Cristo, nosso Salvador” (Tt 3:3-5)
4. Sola Fide – “Somente a Fé”, ou a exclusividade da Fé como meio de Justificação.
Falando
da eleição, Paulo argumenta: E, se é pela graça, já não é pelas obras;
do contrário, a graça já não é graça (Rm 11:6). A graça exclui
totalmente as obras. O homem nada pode e nada tem para oferecer a Deus
por sua salvação. A única coisa que lhe cabe fazer é aceitar o dom da
salvação, pela fé, quando esta lhe é concedida. Fé na obra suficiente de
Cristo, que lhe é imputada (creditada em sua conta) gratuitamente. Essa
obra consiste na sua vida de perfeita obediência à lei de Deus, em
lugar do homem, obediência que nem Adão nem qualquer de sua descendência
pôde prestar, dada a sua condição de morte espiritual. Por isso Cristo é
chamado de o segundo ou o último Adão (1Co 15:45). Ela consiste também,
e principalmente, de sua morte sacrificial em lugar do pecador eleito,
através da qual é pago o preço exigido pela justiça de Deus para a
justificação. A justiça de Deus exige punição do pecado. Ele é aquele
que “não inocenta o culpado” (Ex 34:7). Exige justiça perfeita. Para que
Deus pudesse punir o pecador, mas ao mesmo tempo declará-lo justo (que é
o significado bíblico de justificar), foi preciso que alguém, sem culpa
e com méritos divinos, assumisse o seu lugar. Foi o que o próprio Deus
fez através de Cristo. Assumiu a culpa do pecador eleito e morreu em seu
lugar, satisfazendo assim a justiça de Deus, ofendida pela pecado. Nada
menos do que isso foi suficiente para justificar o pecador. É o que se
chama na teologia de “expiação”. Desta forma, Paulo pôde falar em Deus
como “aquele que justifica o ímpio” (Rm 4:5) e da morte de Cristo como a
manifestação da sua justiça, para que ele pudesse ser justo e o
justificador daquele que tem fé em Jesus. Diz ele: “sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a
fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância,
deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a
manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e
o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3: 24-26). É por isso
também que os reformadores chamavam o crente de simul justus et peccator
– ao mesmo tempo justo e pecador.
Esta foi a doutrina central da
Reforma. Lutero, de início, não podia compreender como a “justiça de
Deus se revela no evangelho” (“visto que a justiça de Deus se revela no
evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé”. Rm
1:17). Para ele, a justiça de Deus só poderia condenar o homem, não
salvá-lo. Tal justiça não seria “boas novas” (evangelho). Só quando
compreendeu que a justiça de que Paulo fala nesse texto não é o atributo
pelo qual Deus retribui a cada um conforme os seus méritos (o que
implicaria em condenação para o homem), mas o modo como Ele justifica o
homem em Cristo, é que a luz raiou em seu coração e a verdade aflorou em
sua mente. Tornou-se, então, um homem livre, confiante e certo do
perdão dos seus pecados. Compreendeu o evangelho! O Evangelho é a
manifestação dessa justiça de Deus, que é recebida somente pela fé. Não é
produzida pelas obras, pois o homem não as tem. (“Visto que ninguém
será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei
vem o pleno conhecimento do pecado”… “concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, independentemente das obras da lei” Rm 3:20,28).
É
pela fé que o justo viverá. Quando Paulo cita esta passagem de
Habacuque, ele a usa para ensinar que é através da fé, e não das obras,
que alguém é declarado justo em Cristo. Isto está mais claro na outra
citação em Gl 3:11, quando ele diz: “E é evidente que, pela lei, ninguém
é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé”. Cristo é a
justiça de Deus (“mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos
tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e
redenção” – 1Co 1:30) e pela fé nele nós também somos feitos “justiça de
Deus” (“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para
que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5:21). A fé, todavia, é
apenas o meio, dado pelo próprio Deus, pelo qual essa justiça é
imputada ao pecador, não a sua causa ou motivo. Do contrário, a própria
fé seria “obra humana”. Per fidem propter Christum – “pela fé, por causa
de Cristo”, como deixou claro a Reforma. A fé não é a base nem a causa
meritória da justificação, mas o meio pelo qual ela é comunicada.
Quão
longe estava a Igreja dessa verdade simples do Evangelho quando
ensinava que o perdão podia ser comprado com dinheiro e a salvação
adquirida com o mérito dos santos. Tetzel, o vendedor das indulgências
do Papa Leão X na Alemanha, dizia que “ao som de cada moeda que cai
neste cofre, uma alma se desprende do purgatório e voa até o paraíso”,
refrão que seus ridicularizadores rimaram no que em português
equivaleria a “no que a moeda na caixa cai, uma alma do purgatório
sai”(“sobald das Geld im Kasten Klingt, di Seele aus dem fegfeuer
springt”) (http://www.infohouse.com.br/usuarios/zhilton/Luteranismo.html).
Mas
não pensemos que a Igreja Católica mudou. Ainda agora, neste ano
considerado o do Jubileu 2000, o Vaticano criou novas indulgências para
reduzir ou anular as penas dos pecados. Um “Manual de Indulgência”, de
115 páginas, apresenta algumas das obras que podem aliviar a punição dos
pecadores no purgatório, dentre as quais estão um dia sem fumar, rezar
com o Papa em frente à televisão, ajudar refugiados, orar mentalmente
com surdos-mudos, não comer carne, etc, (cf. artigo “Igreja Católica
cria novas indulgências”, Folha de S. Paulo de 19/09/2000), além das que
são permanentemente concedidas como visitar o Vaticano e peregrinar por
lugares sagrados. Isto na mesma época em que a Igreja assinou,
juntamente com luteranos da Federação Luterana Mundial, um acordo em que
os dois grupos professam que : ” a salvação decorre da graça de Deus e
não das boas obras; só se chega à salvação pela fé; e, embora não levem à
salvação, as boas obras são conseqüência natural da fé” (cf. artigo
“Católicos e luteranos se reconciliam”, da mesma edição da Folha de S.
Paulo, já citada). O acordo não é levado a sério pelos que conhecem o
catolicismo e o modo como age, e recebeu críticas inclusive da parte de
igrejas luteranas fiéis à sua origem. É visto apenas como uma manobra
para promover o ecumenismo e, principalmente, para combater o
mercantilismo das igrejas neo-pentecostais, que vêm tirando adeptos das
igrejas tradicionais, principalmente do catolicismo, com sua pregação da
“teologia da prosperidade” (cf. artigo “Acordo visa combater
‘mercantilismo’”, da referida edição da Folha).
A ênfase na
doutrina da justificação somente pela fé é tão oportuna e necessária
agora quanto nos dias de Lutero, e não só porque o catolicismo não
mudou, mas porque o protestantismo mudou. São poucos os evangélicos hoje
que ainda dão ênfase ao aspecto objetivo da justificação unicamente
pela fé. Experiências subjetivas, avivamentos emocionais, respostas a
apelos e outras práticas estão tomando o lugar da pregação dos temas
chaves da Reforma. As doutrinas do pecado original, da expiação vicária,
da eleição incondicional e da justificação somente pela fé estão sendo
negadas hoje por muitos evangélicos que buscam uma acomodação à cultura
da modernidade.
5. Soli Deo Gloria – “A Deus somente, a glória”, ou a exclusividade do serviço e da adoração a Deus.
Coroando
estes temas que a Reforma nos legou está o da “glória somente a Deus”.
Dar glória somente a Deus significa que ninguém, nem homens nem anjos,
deve ocupar o lugar que pertence a Ele, no mundo e em nossa vida, porque
somente Ele é o Senhor. É o que exige o 1º mandamento: “Eu sou o
SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20:1-2). A história do homem é
uma história de quebra desse mandamento. Depois do pecado, o homem tem
constituído deuses para si em lugar do Deus verdadeiro. Geralmente, esse
deus é ele próprio. Quando decide o que deve ou não crer, o que pode ou
não ser verdadeiro, está dizendo que ele é o seu próprio deus. Sua
razão (distorcida pelo pecado) é o seu critério de verdade. Quando a
Igreja se coloca na posição de julgar o que deve ou não aceitar da
Bíblia, e se arvora em sua intérprete infalível, está assumindo para si o
lugar de Deus. Quando ela prega a devoção a Maria e aos santos (ainda
que diga que venera mas não adora), está usurpando a Deus da
prerrogativa de sua glória exclusiva (“Eu sou o SENHOR, este é o meu
nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às
imagens de escultura”; Isa 42:8). A doutrina católica, com sua ênfase
nos méritos e obras humanos, rouba a Deus de sua glória exclusiva.
A
glória de Deus é o fim para o qual Ele criou todas as coisas. Não é só o
fim principal do homem (conforme o nosso Breve Catecismo), mas o fim de
todas as coisas. É o fim do próprio Deus, como crê John Piper, porque
Ele é o bem supremo (cf. Desiring God, Leicester: Inter-varsity Press,
1990, p. 13). Todas as coisas, e isso inclui a salvação, visam a glória
de Deus, não o bem estar dos homens (Ef 1:6,12,14). Por isso Deus é
glorificado também nos que se perdem. É o que chamamos de
“teocentrismo”.
Michael Horton afirma que Lutero lutou para
distinguir sua obra de ‘reformas’ anteriores. Semelhantes a muitos dos
movimentos frenéticos de reforma, renovação e avivamento dos nossos
dias, as outras reformas se preocupavam com moralidade, vida da igreja e
mudanças estruturais, mas Lutero disse: ‘Nós visamos a doutrina’. Não
que fossem sem importância essas outras áreas, mas seriam secundárias.
Contudo, com sua ‘Revolução Copernicana’, nasceu um movimento
teocêntrico que teve enormes efeitos sobre a cultura mais ampla. A
orientação da vida e do pensamento centrados em Deus começou no culto,
em que o enfoque era na ação de Deus em sua Palavra e sacramento, em vez
de estar em deslumbrar e entreter as pessoas com pompa e aparato.
Quando os crentes estavam centrados em volta de Deus e sua obra
salvífica em Cristo, seus cultos ajustavam sua visão a outro grau:
deixavam de servir como pessoas mundanas para verem-se como pecadores
redimidos, cuja vida só poderia ter um propósito: glorificar a Deus e
gozá-lo para sempre” (Reforma Hoje, São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p.124).
E foi devido a esse conceito de que vivemos para
Deus e de que para ele devemos fazer o melhor que a Reforma contribuiu
para uma grande revolução não só no campo religioso, mas no mundo das
artes, da ciência e da cultura em geral. Soli Deo Gloria passou a ser o
lema não só de reformadores, mas de músicos (como Bach), pintores (como
Rembrandt) e escritores (como Milton), que apunham às suas obras esta
expressiva dedicatória ( Ibidem).
Esta visão teocêntrica a Reforma
encontrou na Bíblia. Depois de tratar das doutrinas da salvação, Paulo
declara: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A
ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11:36) e, ao concluir sua
epístola aos Romanos, louva ao Senhor com estas palavras: “ao Deus único
e sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos
séculos. Amém! (16:27). A glória de Deus também foi o tema do cântico
dos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, e de
todas as criaturas que João ouviu em suas visões, os quais diziam:
“Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e
sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap 5:12) e ‘”Àquele
que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a
glória, e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 5:13) e ainda “Ao
nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a
salvação…O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a
honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos
séculos. Amém!” Ap 7:10-12.
Quero concluir citando a esse respeito
as palavras de James M. Boice, ex-pastor da 10ª Igreja Presbiteriana da
Filadélfia, recentemente falecido. Ele diz: Meu argumento é que o
motivo pelo qual a igreja evangélica atual está tão fraca e o porquê de
não experimentarmos renovação, embora falemos sobre nossa necessidade de
renovação, é que a glória de Deus foi, em grande, parte esquecida pela
igreja. Não é muito provável vermos avivamento de novo enquanto não
recuperarmos as verdades que exaltam e glorificam a Deus na salvação.
Como podemos esperar que Deus se mova entre nós, enquanto não pudermos
dizer de novo, com verdade: “Só a Deus seja a glória”? O mundo não pode
dizer isso. Ao contrário, está preocupado com sua própria glória. Como
Nabucodonozor, ele diz: Veja essa grande Babilônia que construí pelo meu
poder e para minha glória” . Os arminianos não podem dizê-lo. Podem
dizer “a Deus seja a glória”, mas não podem dizer “só a Deus seja a
glória”, porque a teologia arminiana tira um pouco da glória de Deus na
salvação e a dá para o indivíduo, que tem a palavra final em dizer se
vai ou não ser salvo. Mesmo aquelas pessoas do campo reformado não podem
dizê-lo, se o principal que estão tentando fazer nos seus ministérios é
edificar seus próprios reinos e tornar-se importantes no cenário
religioso. Nunca vamos experimentar a renovação na doutrina, no culto e
na vida enquanto não pudermos dizer honestamente: “só a Deus seja a
glória” (Reforma Hoje, pp. 192-193).
A Reforma nos legou esses
grandes temas, que são doutrinas preciosas da Bíblia. Cabe a nós hoje,
seus legatários, dizer se somos ou não dignos herdeiros dessa herança e
continuadores dessa obra. O que cremos e o que pregamos representa nossa
resposta.
http://www.cacp.org.br/a-doutrina-da-reforma/
Nenhum comentário:
Postar um comentário